As recentes altas no mercado de café trazem muitas incertezas a todos os agentes da cadeia produtiva, pois a volatilidade é muito grande e risco de preço se apresenta como uma variável que pode ser determinante para o sucesso, ou não, de empreendimentos com café nos próximos anos.
A possibilidade de estabelecimento de novos patamares de preço impõe a tomada de decisões tanto táticas (vender ou segurar produção, por exemplo) como estratégicas - ampliar lavouras, investir em equipamentos, estabelecer novos projetos industriais, montar contratos de fornecimento, etc.
As ferramentas de proteção de preços ainda não atingiram todo o seu potencial de utilização entre os produtores e industriais brasileiros. Dentre estas, os contratos de opções sobre futuros de café talvez sejam as menos difundidas, mas, por outro lado, estejam entre as de utilização mais simples.
O CaféPoint conversou sobre o tema com Celso Luis Rodrigues Vegro, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.
Celso Vegro escreve mensalmente as Análises sobre o negócio café do IEA, desde 1997, inicialmente, junto com Luiz Moricochi e, hoje, com Nelson Martin, além de ser autor dos livros "O Prazer e a excelência de uma xícara de café expresso" e "Café um guia do apreciador", já na sua terceira edição.
CaféPoint: Uma das razões mais alegadas pelos produtores de café e cooperativas para falta de hábito de trabalhar com proteção contra riscos de preço é a necessidade de se ter uma reserva de recursos para arcar com os ajustes do mercado de futuros. Utilizando-se contratos de opções, não há essa necessidade. Por que o uso de contratos de opções é tão restrito no Brasil?
Celso Vegro: O mercado privado de opções, lamentavelmente, ainda não teve uma boa penetração junto ao setor cafeeiro. Esta é uma das principais razões pelas quais ele ainda não alcançou um bom desenvolvimento. Enquanto que, nos futuros já há esta participação dos investidores, tanto nacionais, como do exterior, buscando este tipo de contrato.
No mercado de opções não houve este interesse. Para opções o interesse tem que ser, preponderantemente, de industriais. Ou seja, o mercado de opções fica muito dependente de políticas públicas com objetivo de ordenar o mercado e sustentar preços.
CaféPoint: Como aquela sugestão que você faz no seu artigo de julho?
Celso Vegro: Sim. Este é que eu considero o principal entrave à expansão do mercado de opções. É uma ferramenta muito interessante. Além de não ter o ajuste diário, permite aproveitar as altas e se proteger das perdas. Você trava um preço e se o físico ficar abaixo daquele que você travou, paga apenas o prêmio de aquisição do contrato. Numa alta, há possibilidade de participar invertendo a opção.
Outra dificuldade para crescimento do mercado de opções é que é um mercado físico. Não há liquidação financeira, ou seja, há necessariamente a entrega do produto. Isto também é uma limitação, porque, torna este tipo de contrato pouco atraente para que não tem interesse no produto propriamente dito.
CaféPoint: Não há possibilidade de sair apenas invertendo a posição?
Celso Vegro: Para o titular da opção há a possibilidade de não exercer o seu direito de compra ou de venda ao preço acertado, mas o lançador da opção paga um prêmio por isso.
CaféPoint: Nas opções públicas, o lançador é sempre o governo, correto?
Celso Vegro: Exatamente.
CaféPoint: Na BM&F, seria algum industrial que lançaria?
Celso Vegro: Teria que haver um movimento dos industriais, buscando este tipo de contrato, para que ele se desenvolva. Há também possibilidade de que cafeicultores façam proteção de preço, com menos necessidade de fluxo de caixa, se atuarem neste mercado.
A outra opção seria o mercado futuro que vai exigir uma reserva adicional para o ajuste diário, para possibilita arcar com as responsabilidades advindas da operação. Nos contratos de opções não há movimentação financeira, até a data do exercício.
CaféPoint: Num dos debates do último Seminário Internacional de Café de Santos, foi dito que, via de regra, os industriais brasileiros não fazem hedge, pois o pouco tempo decorrido entre a compra da matéria-prima e a venda do produto final, minimizaria o seu risco de preço. Este seria também um motivo para que o mercado de opções não deslanche?
Celso Vegro: Na verdade eu acredito que boa parte dos industriais não faça hedge por desconhecimento do mecanismo. Há um tradicionalismo muito forte nas industriais de café do Brasil. Predominam empresas familiares e hedge para eles é comprar café, é ter estoque de café. Não é travar preço, nem se proteger contra ciclos de alta ou de baixa e buscar garantir um preço que se enquadre nos seus custos de produção. Creio que há uma falta realmente de planejamento estratégico e de visão de mercado. Ainda se trabalha muito numa visão um tanto míope de compras e vendas.
Se o torrefador estivesse mais habilitado para trabalhar com opções ele, em primeiro lugar, não precisaria fazer estoques, segundo, teria uma proteção de preço muito boa e teria condição de cotejar este preço com seu custo... Mas, é lógico: para fazer opções é preciso saber o custo. Este é outro detalhe pelo qual creio que a coisa não progrida. Muitas indústrias ainda desconhecem seus próprios custos de produção. Atuam, realmente, no escuro.
CaféPoint: Mesmo os produtores também, não?
Celso Vegro: Os produtores também, mas o produtor conhece pelo menos o custo divulgado pela cooperativa e pensa "tá acima disso ou tá abaixo disso". Alguma referência, ele tem. Uma estimativa da qual ele possa se aproximar. "Bom, nisso aqui, eu gasto mais horas de trator. Aqui, eu gasto um pouco menos de adubo, etc." No balanço, deve dar, mais ou menos, o que a cooperativa faz. Logicamente, levando-se em conta a faixa de produtividade também. O produtor ainda consegue se safar, pois segue a estimativa de sua cooperativa, ou mesmo, órgãos oficiais.
Agora, o industrial precisa ter a sua planilha de custo, pois não há estimativa de custo de torrefação de café. Isto não existe. Cada um tem que ter o seu mesmo. De posse disso, ele pode se tornar um cliente de mercado de opções, sabendo até que ponto o preço de aquisição do café mantém uma rentabilidade interessante para sua atividade. E poderia fechar posição na bolsa travando este preço para o qual ele consegue ser rentável.
Falta realmente que o segmento de torrefação atue mais neste mercado. E o governo também. Creio que o governo tem um papel importante, pois ele poderia trabalhar com a idéia da educação do cafeicultor para o mercado de opções. Lançando contratos de menor tamanho para que o produtor possa experimentar para ver se tem vantagem ou não.
CaféPoint: Talvez estabelecendo uma rotina de sempre ter alguns contratos?
Celso Vegro: Eu acho que o nosso cafeicultor está muito focado em: colheu, senta em cima da pilha e espera preço. Essa é a pior postura na comercialização, atualmente. O indivíduo se torna dependente de uma conjuntura econômica sobre a qual não tem controle. O mais inteligente é ter uma estratégia de comercialização, para que, na média dos anos, mantendo aquela estratégia de vendas, se obtenha resultados compatíveis com o esforço econômico desenvolvido com a cultura.
Por exemplo, faz-se trinta por cento de CPR, no começo da safra, faz-se um pouco de futuros ou opção sobre futuros, dependendo do grau de conhecimento das operações e se opera, corretamente, com uma parcela de 40% da safra. Não é preciso hedgear 100% da produção. Com isso, é possível participar bem dos ganhos, nas épocas boas.
CaféPoint: Hoje, os produtores parecem querer especular até com CPR? Os preços de oferta dos lotes de CPR estão muito acima dos mercados de futuros e os arremates nos leilões têm sido muito raros.
Celso Vegro: O problema da CPR é justamente a taxa Selic. Com esse juro estratosférico, fica muito caro lançar uma CPR, devido à questão do spread do agente financeiro. Então o que vigora mesmo é a CPR de gaveta. Pois as traders conseguem captar recursos a taxas internacionais, bem mais acessíveis, e repassam ao cafeicultor a uma taxa de desconto também aceitável. Então CPR, pelo Banco do Brasil, realmente é um "tiro no pé", porque dificilmente a cultura vai conseguir cobrir a taxa de desconto que é praticada em cima do título.
CaféPoint: A taxa praticada é a Selic?
Celso Vegro: Não. A taxa não é a selic. Ela acaba sendo um referencial para a taxa que o banco vai cobrar, pois se ele consegue ganhar a Selic, aplicando em títulos do governo, então, ele vai cobrar a Selic e um pouco mais. Não há porque fazer CPR com uma remuneração abaixo disso. Então ele faz pela Selic mais alguma coisa e é essa alguma coisa que joga a taxa para 20% ao ano. Esta taxa é inviável para a cafeicultura cobrir com a produtividade e os preços atuais.
Na verdade, 60 a 70 % das CPR´s não são oficiais. São apenas de gaveta, junto as traders que têm condição de captar recursos no mercado internacional. Apenas, no caso de não cumprimento da entrega do produto pelo cafeicultor é que feito o registro, para que título passe a ser executável. A CPR tem funcionado assim e, também por isso, é que são poucos os registros.
Voltando às opções. O investidor muitas vezes não tem interesse nos mercados de opções porque ele necessita de títulos que possam circular, que tenham possibilidade de endosso.
Por outro lado, quando se faz uma aplicação em mercados futuros é interessante não se fazer uma operação "seca". O interessante é casar futuros e opções sobre futuros.
CaféPoint: É feita uma opção na ponta contrária à dos futuros?
Celso Vegro: Faz-se uma combinação entre os dois derivativos que permite aproveitar as altas e se proteger das baixas. Ou seja, se um produtor está vendido no mercado de futuros a um dado valor, ele faz uma opção de compra neste valor.
Vamos supor que, hoje, em agosto de 2006. a cotação da saca de café esteja a 120 dólares, para janeiro de 2007. Há duas hipóteses, o mercado cair ou subir. Então, supondo que o indivíduo esteja vendido no mercado de futuros a 120, se o mercado cair, ele recebe os ajustes e está protegido. Se subir, ele paga os ajustes e não aproveita a alta.
O que se faz, então, é comprar uma opção de compra, pagando um prêmio, digamos, de cinco dólares por saca. Então, seu preço passa a ser cento e vinte e cinco (120 do café e 5 do prêmio). Se o mercado subir, além deste valor - para 150, por exemplo, ele exercer a opção de compra, pagando os 120 pelo café e revende no mercado físico, ganhando 150, menos 120, menos 5 (do prêmio), ou seja, 25 dólares, no mercado de opções.
Como ele já tinha obtido, no mercado de futuros, os US$ 120, de seu café, fechadas as duas operações, acaba recebendo US$ 145 por saca, dos quais, logicamente, serão descontadas as comissões da corretora, que devem dar algo em torno de 5%. Ou seja, combinando as duas operações, seria possível ao produtor se proteger de uma possível baixa e aproveitar mais de noventa por cento da alta.
Pode parecer um tanto complicado, mas, no fundo, é uma operação simples que permite eliminar o risco de preço, arcando, para isto, apenas com os custos do prêmio e das comissões.
CaféPoint: Para as corretoras deve ser uma operação muito simples?
Celso Vegro: Com certeza. E para os produtores, ou industriais, no sentido inverso, também se torna muito simples se forem assessorados por uma corretora.
Se fosse dada maior ênfase neste aspecto de uso do mercado de opções como minimizador dos riscos do mercado de futuros, ele deslancharia no Brasil. Mas, por outro lado, o próprio tamanho restrito do mercado de opções limita seu uso e faz com que quem opera nos mercados de futuros procure outras ferramentas de gerenciamento de risco.
CaféPoint: Para que se possa usar o mercado de opções é necessário que haja alguém interessado em atuar no sentido oposto?
Celso Vegro: Sim. No mercado de futuros, menos que cinco por cento dos contratos terminam em liquidação física. Já no de opções, esta é obrigatória. Por isso, pouca gente trava nestes dois mercados. Mas eu creio que as cooperativas, por exemplo, poderiam começar a trabalhar nos dois porque elas têm condições de liquidar no físico.
É, talvez, uma questão de educação do mercado. Precisa que BM&F, ou nós mesmos, aqui no IEA, difundamos mais estas idéias, informando o setor sobre ferramentas que estão disponíveis para utilização e podem ser de grande valia para os produtores, as cooperativas e os industriais.
CaféPoint: Eu gostaria de voltar um pouco na situação do industrial que não tem cultura de utilização de contratos de opções. Num quadro como o atual, em que é eminente uma alta nas cotações do café, se abrem boas oportunidades para industriais que façam bom uso de opções, não?
Celso Vegro: Pois é. Atualmente, o mercado de café está travado, com os produtores a espera da alta nas cotações. Caso apareça alguém oferecendo opções com um preço alguma coisa, talvez 10, 15%, acima das cotações atuais, com certeza, conseguiria comprar bastante café e se proteger da alta que deve vir adiante. Se combinar com mercado de futuros, fica protegido até de possíveis baixas, conforme discutimos.
CaféPoint: Ele teria que contemplar o seu custo de produção para saber quanto poderia oferecer?
Celso Vegro: Sim, ele não pode lançar ou comprar opção a qualquer valor apenas porque acredita que o mercado vá subir. Mas, no quadro atual, em que há quase consenso de que as cotações estão muito baixas em relação aos fundamentos do mercado, a chance é muito grande de que, na liquidação de uma opção lançada para o final do ano, os preços do mercado físico estejam bem mais altos do que o valor pelo qual o industrial conseguiria lançar sua opção hoje.
Na verdade, apesar das altas recentes, o mercado, hoje, está muito mais baixo do que no primeiro semestre do ano passado quando o quadro de oferta era muito menos crítico.
CaféPoint: Está acontecendo o que foi especulado naquela época, mas parece que o mercado reage mais à especulação do que à realidade?
Celso Vegro: Na verdade, está ocorrendo isto mesmo. É o que eu chamo de auto-engano ou talvez seja que o afã em torno do petróleo está tão grande que os fundos esqueceram do resto do mundo. Em relação ao pico, do ano passado, o café poderia perder alguma coisa no preço, talvez cair de R$ 350 para trezentos, mas os fundamentos de oferta e demanda mundial não deram sustentação ao movimento que levou os preços a chegar a R$ 200, só agora, voltando à casa dos R$ 240.