Por Celso Vegro*
A ciranda de analistas do mercado de café acionou seus alto-falantes para oferecer, aos agentes atuantes neste agronegócio – particularmente aos cafeicultores –, suas narrativas para a recente escalada das cotações do produto no mercado internacional. Talvez a torcida organizada do Corinthians possua análises melhores para explicar a má fase do time do que os brothers que se empoleiram nas mesas de debates sobre o assunto nos seminários daqui e de acolá.
As premissas que articulam as análises são pouco elucidativas. Explicações pautadas por: mudanças climáticas - perfeito; geopolítica internacional - golaço; estoques exíguos - sem dúvida; colapso logístico - real; demanda crescente - exato; irrelevância do ciclo de produção cafeeira no Brasil - formidável. Todavia, o mais decisivo dos fenômenos nem sequer é mencionado. Na macroeconomia, o elemento determinante de qualquer tipo de tentativa de interpretação da evolução dos preços é a velha conhecida e ainda indomável inflação.
As mercadorias (café é uma dentre tantas) exibem um comportamento para os preços segundo dinâmicas relacionais. Um preço não se descola de qualquer outro impunemente. A alavancagem dos preços de uma mercadoria (geralmente o petróleo) contamina todo o sistema de formação dos demais preços, pois as relações de paridade tendem a buscar um novo reequilíbrio – que pode, inclusive, atuar pressionando as cotações, como é a situação atual da soja. É assim, também, para a escalada das cotações do robusta nos mercados, induzindo um realinhamento nas cotações do arábica tanto nas praças internacionais quanto no mercado doméstico.
Nas nações, o maior terror enfrentado pelos gestores da política macroeconômica consiste em reunir mecanismos para evitar o pior dos mundos, qual seja, a instauração de dinâmica inercial para a escalada inflacionária, pois, invariavelmente, sem a mobilização dessas ferramentas de controle o final do túnel é a hiperinflação (por acaso é um final sem fim, tipo poço sem fundo). Também, a dosimetria, tanto para o movimento de elevação dos juros como para sua baixa, é quase impossível calibrar. Veja você a sinuca de bico em que estão inseridos os responsáveis pela política macroeconômica de um país.
Nos últimos três trimestres, a inflação manteve tendência de alta na economia estadunidense, por exemplo, modificando a perspectiva dos especuladores que passaram a apostar na alta do dólar – consequentemente, depreciando todas as demais moedas. Já o mercado de trabalho, no Brasil, contabiliza recordes na contração de postos com carteira assinada (com preços dos serviços descolados do núcleo da inflação), apesar do aperto monetário comandado pelos gestores do Bacen (Banco Central do Brasil).
Retomando o mercado de café, existe uma relativa paridade de preços entre os dois tipos (quase que perfeitamente substituíveis na composição de misturas), ou seja, cotações do robusta guardam relação com as do arábica tendo em conta dois elementos: 1) maior produtividade do primeiro frente ao segundo, e 2) maior produção global do segundo frente ao primeiro, embora a cada nova safra aumente a participação relativa do robusta na oferta total. Essa paridade relativa não deve ser traduzida como inexistência de flutuações dos preços, mas como referência na construção de cenários futuros para o comportamento das cotações.
Devido à maior produtividade do robusta/conilon (cerca do dobro da média do arábica), a paridade média do período considerado foi de 0,562%, ou seja, pouco menos de duas sacas de robusta para cada saca de arábica. Mas a relação dos preços entre arábica e robusta passa por ajuste ao longo do tempo, constatando-se que há um ajuste positivo em favor do robusta (figura 1). As flutuações continuam permeando a trajetória de ambos, mas a tendência é que os preços do robusta representem, a cada ano, um percentual maior do preço do arábica.
Quais as razões que levam à formação de preços de robusta mais alavancadas no longo prazo do que as do arábica? As explicações são inúmeras, passando por: maior demanda asiática pelo café solúvel; remoção de subsídios para os agricultores após o acúmulo de déficits fiscais dos Estados que implementaram ações de contenção/mitigação da pandemia em seus territórios; governos liberais com abolição do controle de preços; valorização do dólar, com encarecimento da importação dos insumos empregados nas lavouras dos países produtores; excesso de demanda após o retorno à “normalidade” da demanda; mais emprego e renda em alta na maior parte dos países, etc...
A inflação do robusta é uma tendência consolidada. A mudança do eixo Atlântico para o eixo Pacífico nas transações envolvendo a bebida reestruturou os padrões para a formação dos preços (bolsas de NY e de Londres), pendendo a balança para o tipo robusta e, com isso, inflacionando suas cotações para júbilo do arábica que, em função dos preços relativos e da parcial substituibilidade entre os grãos na formação das ligas, beneficia-se do movimento de preços.
Ainda que o Brasil venha a assumir, em breve, a liderança também desse mercado, a pressão sobre o robusta/conilon será mantida, pois o ritmo de aumento da demanda desse tipo de café é firme e sua produtividade média, mais portentosa, oferecendo aos torrefadores e solubilizadores razões econômicas que os levam a preferir essa mercadoria, inflacionando seus preços.
O autor agradece o apoio recebido na elaboração do banco de dados de Leonardo Massao Nakam, engenheiro de instrumentação, automação e robótica e assessor técnico III do Instituto de Economia Agrícola (IEA).
*Celso Luis Rodrigues Vegro é engenheiro agrônomo, mestre e pesquisador científico VI do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Para falar com o autor, escreva para celvegro@sp.gov.br