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Hesitante Funrural

POR CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

CELSO VEGRO

EM 12/05/2017

6 MIN DE LEITURA

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Por Celso Luís Rodrigues Vegro*

Estabelecido por Lei Complementar n. 11, publicada em 26 de maio de 19711, instituiu-se o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), destinado a subvencionar os benefícios previdenciários: aposentadoria por velhice e invalidez; pagamento de pensão; auxílio funeral; serviço social e de saúde. No art. 3o da referida lei, o parágrafo primeiro considera trabalhador rural:
a) pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie;
b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho do membro da família indispensável à própria subsistência e exercício em condições de mútua dependência e colaboração.

Embora a alíquota de contribuição consista em obrigação tributária incidente sobre o produtor rural, seu recolhimento, conforme art. 15o da mesma Lei, é sub-rogado para o adquirente, consignatário ou cooperativa e pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos, vendê-los ao consumidor, no varejo ou adquirente domiciliado no exterior. Ao início dos anos 1990 (art. 25 da Lei n. 8.212/1991)2 instituiu-se “novo” Funrural (2,1% acrescido de 0,2% destinado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - Senar), incidindo a alíquota do tributo sobre o resultado bruto da comercialização dos produtos rurais em substituição à ocorrência sobre a despesa com a folha de pagamentos.

Em ação movida pelo Frigorífico Mataboi (Recurso Extraordinário - 363.852/MG)3, obteve-se junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 03/02/2010, decisão desobrigando-o, enquanto agroindústria adquirente, a reter alíquota do Funrural por sub-rogação sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural de fornecedores de bovinos para abate. Declarando, os juízes, a inconstitucionalidade da modificação da incidência do tributo para a receita bruta (penalizado pela indefinição de alíquota gravame) em substituição da anteriormente praticada sobre a folha mensal de pagamentos salariais. Os juízes, consensualmente, entenderam que:
a) não se pode criar fonte de custeio para a Previdência sem Lei Complementar que ampare tal modificação e;
b) a cobrança sobre a receita bruta implicava bitributação, pois sobre esse faturamento já incidia PIS/Cofins.

A partir dessa decisão criou-se jurisprudência (repercussão geral). Assim, diversas entidades de classe (sindicatos, associações, conselhos, federações - excetuando-se as cooperativas de produção) e empresas privadas de perfil limitado ou sociedade anônima, vinculadas à atividade agropecuária, obtiveram liminares contemplando aquele julgado, ou seja, concedendo amparo legal de não recolhimento do Funrural de 2,3% do empregador rural pessoa física no processo de comercialização de seus produtos ofertados ao mercado.

O julgado, entretanto, padeceu de interpretações jurídicas divergentes, trazendo insegurança tributária à temática, pois se aguardava, por parte do Poder Legislativo, definição de novo normativo para o assunto, uma vez que o tributo não foi extinto, mas tão somente adiada sua cobrança enquanto não se estabelecia regra precisa para sua operacionalização. Desse modo, as liminares obtidas para não incidência de Funrural sobre a receita bruta dos produtos comercializados por agricultores pessoa física, não os eximia do recolhimento sobre a folha salarial. Entretanto, tal diretriz não foi adotada por parcela das agroindústrias e exportadores, criando-se passivo tributário, particularmente, nas cadeias produtivas da carne bovina e do café, segmentos em que o emprego das liminares foi bastante disseminado4.

Em 30 de março de 2017, posicionamento do STF, concluindo julgamento de Recurso Extraordinário n. 718.874/RS5 (base das demais liminares obtidas para não recolhimento do Funrural de produtor rural pessoa física) julgou constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção. Tal posicionamento produziu, tempestivamente, largo passivo tributário6 associado à generalizada insegurança entre os adquirentes de matérias-primas agrícolas (excetuando-se as cooperativas de produção). Ao menos quatro situações relativas ao recolhimento do Funrural coexistiram7, 8:
a) produtores rurais sem liminares devem exigir dos respectivos compradores documentos comprobatórios do recolhimento do tributo;
b) produtores com liminares, mas que efetuaram o provisionamento contábil do tributo até decisão final – manter o procedimento;
c) produtores com liminares, porém sem provisionamento – iniciar depósito judicial da alíquota incidente sobre o faturamento bruto e;
d) agricultores sem ações ajuizadas manter o recolhimento.

A racionalidade econômica das empresas e dos produtores rurais portadores de liminares pressupõe o protelamento do recolhimento, pois mesmo sob o cenário de cassação desse diploma, a quitação do passivo poderá ser postergada, parcelada, com eventual redução/perdão das multas e possibilidade de financiamento público por meio de Refis. Numa espécie de gestão tributária às avessas, empresas portadoras de liminar obtêm vantagem competitiva espúria sobre a concorrência.

Entretanto, essa racionalidade confronta-se tanto com as leis que estabeleceram o teto para o gasto público como da de responsabilidade fiscal (que impede a concessão de vantagens tributárias sem que se ofereça correspondente ingresso ao Tesouro). Portanto, muito dificilmente a Fazenda/Receita concederão qualquer tipo de rebatimento na retroatividade da pendência tributária, excetuando-se concessão de eventual parcelamento (que pode se alongar por duas décadas). Ademais, favorecer o devedor seria profundamente injusto com aqueles que se mantiveram quites com suas obrigações tributárias.

Periódicos informam que intensa mobilização da bancada ruralista (composta por 220 deputados federais), pressiona o Executivo no sentido de editar medida provisória que viabilize o refinanciamento do passivo e possível perdão do 0,2% relativo ao Senar9. Ecos desse pleito reverberam no Executivo à medida que tal estoque de votos seja imprescindível para a continuidade das reformas. Sem margem fiscal para conceder benefícios e acuado pelos deputados, o governo encontra-se diante de desgastante dilema. O pleito, porém, sugere a remissão e o cancelamento de todo o passivo, tramitando nesse momento projeto de lei com esse escopo no Senado Federal no aguardo de emendas por parte da Comissão de Assuntos Econômicos10.

Na forma em que foi julgado no STF, o Funrural de 2,3% sobre a receita bruta reduz a receita dos produtores rurais, especialmente, dos de perfil familiar. O impacto dessa tributação deve transitar entre 15% e 20% da receita líquida dos estabelecimentos rurais, ou seja, percentual suficientemente elevado para provocar prejuízo econômico ao fim do ciclo de produção.

Portanto, a problemática do Funrural possui duas dimensões. A primeira que diz respeito ao ajuste do passivo existente (dentro daquelas quatro possibilidades) e uma segunda que se desdobra sobre a rentabilidade dos empreendimentos rurais. Estando a previdência acumulando déficits (segundo relata a autoridade fazendária) e situando-se no segmento rural um dos pilares desse déficit, dificilmente a sociedade vai aceitar medidas que o beneficiem demasiadamente. A pauta Funrural, dentro do governo federal, deverá exigir um grande esforço para encontrar posição de equilíbrio sem que prevaleçam posturas coercitivas, no limite, chantagistas.

1BRASIL. Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971. Institui o programa de assistência ao trabalhador rural, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 de maio de 1971. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp11.htm>. Acesso em: maio 2017.
2______. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da seguridade social, institui plano de custeio, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de julho de 1991. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm>. Acesso em: maio 2017.
3Íntegra da decisão pode ser visualizada em: Brasil. Supremo Tribunal Federal. Coordenadoria de Análise de Jurisprudência. Tribunal Pleno. Recurso Extraordinário, n. 363.852 Minas Gerais, de 3 de fevereiro de 2010. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610212>. Acesso em: maio: 2017.
4Informação obtida em encontro de dirigentes de entidades representativas do agronegócio brasileiro ocorrida no Conselho dos Exportadores de Café (CECAFE) em 14/04/2017.
5BRASIL. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 718.874 Rio Grande Do Sul. Supremo Tribunal Federal. Brasília, de 19 de agosto de 2013. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?do-cTP=TP&docID=4498715>. Acesso em: maio 2017.
6AOUN, L. A. Senador Caiado propõe cancelamento da dívida dos produtores com Funrural e ganha aplau-sos. Brasil: Rede Social do Café. Disponível em: <https://www.redepeabirus.com.br/redes/form/post?to-pico_id=67600>. Acesso em: maio 2017.
7CONSELHO jurídico do Instituto Pensar da Agropecuária. Funrural: Orientação do conselho jurídico do IPA. São Paulo: SRB. Disponível em: <https://www.srb.org.br/publicacoes/funrural-orientacao-do-conselho-juri-dico-do-ipa/>. Acesso em: maio 2017.
8VIDOR, D. B. Ainda sobre Funrural: incertezas após julgamento pelo STF. Brasil: Agrolink, 2014. Disponível em: <https://www.agrolink.com.br/georreferenciamento/coluna/ainda-sobre-funrural--incertezas-apos-jul-gamento-pelo-stf_387617.html>. Acesso em: maio 2017.
9ZAIA, C. Ruralistas se reúnem na semana que vem com a Fazenda para tratar do Funrural. Valor Econômico, Brasília, 5 maio 2017. Disponível: <https://www.valor.com.br/agro/4958162/ruralistas-se-reunem-na-semana -que-vem-com-fazenda-para-tratar-do-funrural>. Acesso em: maio 2017.
10BRASIL. Projeto de lei do senado n. 132, de 2017. Senado Federal. Ementa: Concede remissão e anistia totais para os produtores rurais pessoas físicas em relação às contribuições sobre a comercialização da produção rural, inclusive juros de mora, multas de mora e de ofício. Disponível em: <https://www25.senado.leg. br/web/atividade/materias/-/materia/129064>.

*Celso Luis Rodrigues Vegro é pesquisador do IEA (celvegro@iea.sp.gov.br)

CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

Eng. Agr., MS Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Pesquisador Científico VI do IEA-APTA/SAA-SP

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