Foto: Costa Coffee/PA Archive - Milhonária. Língua de Gennaro Peliccia vale US$ 15 milhões
Mas o que há de realmente especial no corpo dos provadores? O ser humano nasce com milhares de papilas gustativas na língua e milhões de receptores olfativos no nariz (ambos vão se perdendo ao longo dos anos, mas essa é uma outra história).
Por razões genéticas, certas pessoas possuem aptidão olfativa ou gustativa exacerbada. São privilegiados que têm o dom de perceber aromas e sabores imperceptíveis para a maioria. Gente capaz de distinguir variedades de cogumelos frescos pelo cheiro; caminhar pela rua sentindo o perfume da manteiga derretida que estava no pão do café da manhã; o odor do asfalto (não o novo, quente, o do velho mesmo); e que nota muito mais num copo de cerveja que o amargor da bebida - de fruta seca à azeitona, conforme o caso.
Essas situações não são fictícias. Fazem parte do cotidiano de pessoas que ficaram famosas por conta de paladar ou olfato excepcionais. O italiano Gennaro Pelliccia, provador das cafeterias Costa, caminha pelas ruas sentindo cheiro de manteiga.
Tecnicamente, o nariz e a língua de todos eles não apresentam grandes diferenças em relação aos das pessoas comuns. O que distingue um grande provador não é apenas "o dom de perceber". É uma combinação entre a sensibilidade do indivíduo e a capacidade que seu cérebro tem de associar, armazenar e acessar essas informações. Em outras palavras, não basta sentir o perfume. É preciso reconhecê-lo e poder lembrar dele.
"Esta é uma capacidade que se adquire com a prática", explica Josy Carolina Pontes, mestre em ciências e doutoranda em neurociências do Laboratório de Neurofisiologia da Unifesp. "O que conta para o treinamento de uma superlíngua ou um supernariz, além da aptidão genética, é a intensidade da atividade cerebral", diz o neurocirurgião paulista Yann Motta.
Especialista em degustação de cafés, Ensei Neto ressalta a grande diferença entre perceber sabores e interpretá-los. "A interpretação é um processo educativo que envolve treinamento, vocabulário e, muitas vezes, o repertório cultural", diz.
Quer dizer, para que o cérebro seja capaz de identificar determinado aroma ou sabor é preciso que eles tenham sido armazenados na memória. Você só vai conseguir reconhecer o perfume de uma rosa se já tiver cheirado uma rosa anteriormente e registrado o perfume em seu banco de dados olfativo.
Os supernarizes e superlínguas são exceção. As estatísticas mostram que apenas metade das pessoas consegue fazer a distinção básica do paladar, que significa separar doce, salgado, ácido e amargo. Segundo Ensei Neto, pesquisas indicam que 25% das pessoas vivem num extremo e outras 25% no outro. De um lado, aqueles que têm uma percepção baixa dos sabores básicos. E de outro, a elite, os 25% dotados de paladar apuradíssimo, chamados de supertasters. Esses não só percebem os sabores como são capazes de identificá-los em diferentes concentrações e de maneira conjugada. E fazem esta capacidade valer ouro.
A reportagem é do jornal O Estado de S.Paulo, resumida e adaptada pela Equipe CaféPoint.