Na safra passada observa, o IBGE e a CONAB, dois órgãos oficiais, divulgarem previsão de safra com uma pequenina diferença de mais de 5.000.000 de sacas. Esta diferença é tão pouco significativa, que ela é equivalente a safra do México.
Este ano vem o questionamento feito pela OIC a respeito das 10.000.000 de sacas de café que dá de diferença entre as estimativas de safras anteriores feita pela CONAB e os estoques existentes. No site do escritório Carvalhaes, do dia 19 de novembro de 2007, assim relata:
"O diretor-executivo da Organização Internacional do Café (OIC), Néstor Osorio, questionou o Ministério da Agricultura sobre os dados estatísticos da cafeicultura brasileira. Para Osorio, os números referentes à produção, exportações, consumo e estoques não fecham as contas, se comparados à realidade do mercado. "A diferença é 10 milhões de sacas", concordou o secretário de Produção e Agroenergia do ministério, Manoel Vicente Bertone. que participou do 15 Encafé, promovido pela Indústria Brasileira da Indústria do Café (ABIC), em Ipojuca (PE), na semana passada"...
Mais uma notícia nesta semana, foi a divulgação que a safra de café brasileira, ano base 2008/09, terá um piso de 47,6 milhões de sacas e um teto de 49,9 milhões de sacas. Esta notícia mexeu com os meus brios e conseguiu me fazer indignar, mesmo neste terrível momento de depressão pelo qual estou passando em razão do falecimento do meu amado pai em menos de um mês, que me deixou sem vontade de fazer nada. Como dói a perda de um ente amado.
Uma divulgação de uma safra deste tamanho é dizer para todos os agrônomos sérios, que entendem e trabalham com a cultura do café, que nós não sabemos nada à respeito da cultura.
Trabalho aqui na Universidade Federal de Viçosa com extensão universitária e faço visitas a diversos municípios com estudantes de agronomia dos últimos períodos e acompanhamos a injúria das lavouras causada pelo déficit hídrico e posteriormente aquela magnífica florada.
Corri por vários municípios da região da Zona da Mata de Minas Gerais e também municípios da região do leste de Minas, apenas citando alguns municípios: Ervália, Araponga, Canaã, Viçosa, Paula Cândido, São Miguel do Anta, Teixeiras, Raul Soares, Caratinga, São Pedro dos Ferros, Manhuaçú e outros.
Tirei várias fotos, inseri duas bem representativas das maiorias das lavouras que visitamos. Fotos essas tiradas com os meus estagiários na maioria das lavouras nos vários municípios que trabalho.
Fotografia tirada no município de Ervália, MG
Fotografia tirada no Município de Canaã, MG
Tiramos fotos de lavouras com uma excelente florada, para posteriormente voltar com os meus alunos e mostrá-los que aquela florada, na verdade, não significaria produção. E realmente não vingaram.
Embora a data das fotos seja de 11/01/2005 elas, na verdade, foram tiradas no final de outubro deste ano. Ao programar o calendário da máquina um dos estudantes fez a programação errada.
Como as plantas estavam muito desfolhadas e muito estressadas, na tentativa de perpetuar a espécie, elas floriram ao máximo. Mas a florada não se traduz em frutos, pois a planta não tem folha em condições aptas para fazer fotossíntese. Além desses aspectos, até eu que tenho um conhecimento maior em economia rural do que em fisiologia, sei que café armazena carboidratos nas folhas e se não tiver folha adulta, ou pelo menos num tamanho de ¾ do seu tamanho final, ela não está pronta para fazer fotossíntese em quantidade suficiente para que a fotossíntese líquida seja positiva. Aí estas folhas passam a ser um dreno ao invés de ser uma fonte.
Em resumo, o que interessa é fotossíntese líquida. De nada adianta a planta ter uma florada espetacular se a relação de folhas viáveis para fazer fotossíntese no somatório da planta não for suficiente para, no equilíbrio geral, ter uma fotossíntese líquida positiva.
Outro aspecto a ser observado e é importante de ressaltar é que numa planta muito desfolhada a ilusão de ótica de uma grande florada fica muito evidente, pois nas lavouras muito desfolhadas se tem uma impressão de que a quantidade de flores é muito grande. Assim além da florada não ser lá aquela "Brastemp", uma grande parte dela iria abortar - como abortou - e os ramos produtivos (plagiotrópicos), também secam, no sentido da ponta para o tronco (ortotrópico).
Fotografia da região de Franca, tirada do peabirus
Ora, será que mesmo com todo o problema climático e déficit hídrico bem acima de 200mm, o Brasil terá ainda uma safra tão estrondosa?
Segundo vários órgãos de pesquisas citados a seguir: EMBRAPA (2007), CECAFÉ (2007), ABIC (2007) e AGRIANUAL (2007), o Brasil possui em torno 2.300.000 ha plantados com a cultura do café. Para efeito de cálculo e formulação de hipótese, para o Brasil colher uma safra de 47,6 milhões de sacas, se fizer uma conta absurda, imaginando produção em todos os 2.300.000 ha de café plantados, obtém-se uma produtividade de 20,69 sacas por ha.
Dando prosseguimento ao raciocínio, se a produção futura for 49,9 milhões de sacas e fazendo a mesma hipótese e cálculo do parágrafo anterior, terá que se ter uma produtividade de 21,69 sacas por ha.
Vejam bem, no Brasil, a produção este ano foi em torno de 32,5 milhões de sacas. Supondo-se aqui o absurdo de produção em todos os 2.300.000 ha de café, obtem-se assim uma produtividade média de 14,13 sacas por ha. Para se saltar de uma média de 14,13 sacas por ha para uma produtividade de 20,69 sacas por ha, a produtividade terá de crescer 46,42 %. Se considerarmos a produtividade de 21,69 sacas por ha, a produtividade de café terá de crescer 53,35%, ou seja, um incremento de 15,10 milhões de sacas se considerarmos o limite inferior e um incremento de 17,40 milhões de sacas em relação ao limite superior da previsão de safra divulgada.
Então, no Brasil não houve falta de chuva. Tudo que lemos nos meios de comunicação divulgada pelas estações meteorológicas espalhadas por várias regiões cafeeiras estavam completamente fora da realidade e todos os centros de pesquisas e os pesquisadores, viajando para um lugar distante do planeta terra.
Tudo que nós, agrônomos, estudamos de fisiologia de café está equivocado. O nosso mestre professor de fisiologia vegetal, o brilhante Prof. Rena terá que voltar novamente para a creche, e o primário e assim reescrever os seus compêndios.
Está certo que reduzimos a área plantada de café no Brasil, conforme se pode observar nos gráficos abaixo. Tivemos um aumento da produção de café, significando que nos últimos anos, no Brasil, as pesquisas e o deslocamento da cultura para regiões, onde se utiliza irrigação e tecnologia de ponta, resultaram num aumento de produtividade.
Clique no gráfico para ampliá-lo.
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O que me parece é que os técnicos de várias empresas ficam somente em suas salas utilizando métodos estatísticos sem ir ao campo verificar o que está acontecendo. Ou utilizam somente fotografias de satélites e ao observarem, após algumas chuvas, as lavouras enfolhadas, deduzem que a frutificação será alta e por conseqüência o Brasil irá abastecer o mundo, as exportadoras e as indústrias de torrefação. Por sinal, é uma meia dúzia que irá continuar a lucrar exorbitantemente sem transferir nada aos produtores.
Está certo que em determinadas regiões novas, produtoras de café, em vários estados tais como Bahia, Minas Gerais e Espírito santo, há uma nova geração de cafeicultores altamente tecnificados e capitalizados.
Estes produtores produzem café utilizando-se intensivamente o capital e irrigam suas lavouras e as nutrem equilibradamente e as manejam de forma tal que conseguem altíssimas produtividades. No entanto, há de se ressaltar que estes mesmos produtores produziram café no ano passado e como suas produções não oscilam muito, a produção destes não influi também, na safra deste ano.
Mas, mesmo onde há irrigação, o longo período seco combinado com as altas temperaturas que se teve no inverno e a alternância de dias muito quentes e noites muito frias e umidade relativa muito baixa, certamente afetou também estas lavouras altamente bem cuidadas e privilegiadas.
Outro aspecto a ser levado em consideração é que a cafeicultura nacional é basicamente cultura de pequenas propriedades. Nos quadros abaixo, pode-se observar que em todos os estados maiores produtores, com exceção da Bahia, mais de 50% da área plantada com café é numa área de até 50 ha.
Ao observar uma estrutura fundiária com essas características, pode-se concluir que em virtude da crise pela qual passa a cafeicultura nacional, nos últimos cinco/seis anos, fez com que a maioria dos cafeicultores se descapitalizassem e se endividassem. Assim, em razão disso, estes produtores, com algumas exceções, não tiveram condições econômicas de utilizarem o máximo de insumos. Conseqüentemente, a produtividade dessa grande maioria é baixa.
Se aliarmos a descapitalização da maioria dos produtores - que também tem pouco acesso ao crédito - e a diversidade climática deste ano, como ter um aumento de produtividade tão expressiva?
Estrutura fundiária (área em mil ha) cultivado com café nos principais estados produtores
Clique na tabela para ampliá-la.
Estrutura fundiária da cafeicultura no Brasil (área em mil ha)
Ora bolas, se até em Araponga que fica perto do céu e possui uma condição edafoclimática das mais favoráveis para a cultura do café a planta sentiu, imagine em demais regiões.
Outro aspecto a ser considerado é o avanço da phoma em várias lavouras e em vários municípios. A cada ano se percebe um crescimento muito grande dessa doença, que tem causado muitos prejuízos à produção de café no Brasil.
Toda vez que vejo esse variado desencontro de informações à respeito da cafeicultura brasileira, vejo que a cadeia agroindustrial do café, no Brasil - que tem sido analisada por vários pesquisadores dentre eles: Zylberstajn (1993), Ponciano (1995), Saes e Farina (1999), Vieira et al (2001), Leite (2005) e por último Rezende et al (2007) - é bem estruturada e ao mesmo tempo descoordenada. Sem falar em uma série de outros trabalhos, tanto em jornais, como na internet e demais meios de comunicação especializados em café, que também tem estudado a contínua mudança pela qual a cafeicultura está passando e passou nos últimos anos.
Em todos os estudos da cadeia agroindustrial do café, de uma forma geral, percebe-se que ela até que é bem estruturada. Em compensação a coordenação dela é uma coisa de dar em doido. Vejamos alguns exemplos:
• A classificação oficial de café do Brasil é em função da qualidade da bebida e do tipo. O nosso café é classificado em relação a qualidade de bebida como Mole, Duro, Rio, Riozona. O tipo, que é em função dos defeitos, como 05, 06, 07 etc.
• Na bolsa de Nova Iorque (CSCE), o café, tipo padrão, utilizado como base de negociação e para formação dos preços é o contrato tipo "c". Nestes contratos o que se comercializa são cafés lavados e descascados originários dos países da América Central e da Colômbia.
• Na bolsa de São Paulo o café tipo padrão utilizado como base de negociação e para formação dos preços é o café tipo 06, bebida dura.
• Já as exportadoras exportam diversos "blends" como exemplo: Washed Brasil (estritamente mole), folger A (estritamente mole) folger B (mole), folger C (duro com 2 xícaras riadas) e vários outros blends.
É uma assimetria geral de informação. O preço do café é uma incógnita. Não há clareza de informação aos produtores. Até mesmo nos cafés especiais. Somente as empresas compradoras sabem o que querem em termos de qualidade.
Na cadeia há um grande número de intermediários e a informação aos produtores, que deveria ser uma ferramenta capaz de dar sustentabilidade e transparência ao comércio de café de forma a torná-lo mais justo, é toda distorcida.
Voltando à divulgação da futura safra, é consenso geral de que haverá quebra em relação ao que se esperava para a safra futura a ser colhida no próximo ano. Esta quebra está estimada numa variação de 20% a 30% por várias pessoas e também instituições de pesquisas e muitas das empresas sérias e idôneas da cadeia café.
É também consenso de que colheríamos de 50 a 55 milhões de sacas de café na futura safra, caso não houvesse o problema climático que houve no Brasil. Um prolongamento do período da seca provocando déficit hídrico acima de 200mm nas regiões produtoras, combinado com altas temperaturas durante o dia e baixas temperaturas durante a noite e baixíssima umidade relativa.
Se juntarmos os dois números e admitirmos uma média de 25% de quebra e uma produção média esperada de 52,5 milhões de sacas, tem-se uma produção para o próximo ano em torno de 39,37 milhões de sacas de café e uma produtividade média, considerando-se toda a área com café no Brasil, de 17,11 sacas por ha.
É um número razoável se considerado o tamanho do estrago feito às lavouras. Em relação a safra colhida este ano, representa um incremento em torno de 7 milhões de sacas e um aumento em torno de 21% tanto na produção quanto na produtividade.
Para finalizar, uma vez conversando com um amigo, grande conhecedor da cultura de café e do mercado de café -excelente eng. agrônomo - ele me disse que um exportador assim falou para ele em uma conversa informal a muitos anos atrás. ´Considere toda a cadeia agroindustrial do café como um prédio de três andares em forma de uma pirâmide, com uma base bem larga. Em cima, no topo está uma meia dúzia de indústrias torrefadoras. No meio estão algumas dezenas de empresas exportadoras. Em baixo, na base larga, estão os milhares de produtores de café. As empresas do terceiro andar sabem tudo sobre o mercado e o manipula. As empresas do segundo andar sabem quase tudo sobre o mercado e além de manipulá-lo, também o distorce. Em baixo estão os produtores que não sabem nada do que está se passando nos andares superiores e assim não têm nenhuma informação, nem de mercado e nem de preço´.
Realmente, o exportador deu para o meu amigo uma verdadeira aula de como funciona o mercado de café, sem fazer nenhum estudo empírico e ou teórico da cadeia agroindustrial do mesmo. É por isso que sai, de tempos em tempos, informações deturpadas e maldosas para com os produtores e geralmente, nos períodos de reação de preço do café.