Isto se deve em parte porque em nosso país as principais regiões produtoras estão razoavelmente distantes da linha do Equador, mais próximas do Trópico de Capricórnio e, portanto, viabiliza o plantio a pleno sol. O cinturão do café brasileiro se estende do paralelo 14° sul ao Trópico de Capricórnio, que está a 23° sul.
A partir da segunda metade do século XIX, o nosso país se firmou como um agressivo produtor de café, destacando-se pelas grandes propriedades, que gerou o "Baronato do Café". Nos outros países, tanto os africanos quanto os localizados na América Central, as áreas cafeeiras estão muito próximas à linha do Equador.
Apesar da inclinação da Terra em relação ao seu eixo Norte-Sul, que estabelece os ciclos das 4 estações ao longo do ano, a insolação na faixa equatorial é sensivelmente mais intensa do que se próximo aos trópicos. Essa inclinação, no entanto, parece um pequeno, porém maravilhoso, truque da Natureza, pois cria um período em que os dias têm maior duração em relação à noite, "o verão", enquanto que no inverno essa relação se inverte. Ambos são entremeados por períodos transitórios, quando há um equilíbrio entre o tempo de luz e o de escuridão, que são a primavera e o outono.
Esse efeito se intensifica quando nos afastamos da linha do Equador. Por exemplo, já nos círculos polares é possível ver o fantástico fenômeno do "sol da meia-noite" no solstício do verão, que corresponde ao dia mais longo do ano e, literalmente, o sol não se põe. Por outro lado, na faixa próxima ao Equador a duração do dia é praticamente a mesma durante o ano todo.
Ao se combinar um fotoperíodo particularmente regular ao longo do ano com um regime de chuvas bem distribuído, comum nas áreas das florestas equatoriais, o resultado é uma profusão de floradas de café. Por não existir propriamente um período frio, como o inverno, os cafeeiros das regiões equatoriais têm o seu crescimento estimulado constantemente pela boa insolação e as constantes chuvas. É por isso que nos países produtores da América Central, na Colômbia e nos países do leste africano o efeito de múltiplas floradas ao longo do ano é comum, obrigando os cafeicultores à prática da colheita seletiva.
Como a umidade do ar se mantém alta, inclusive com muita chuva, formas alternativas para a secagem do café tiveram de ser desenvolvidas para se evitar as fermentações indesejáveis, chegando-se no processamento via úmida antes da secagem dos grãos colhidos.
A lógica envolvida no processo com descascamento é a de que se eliminando a casca, evita-se a fermentação alcoólico-acética, que faz com que os açúcares se transformem sucessivamente em álcool e ácido acético, este como base do vinagre. Também, com os grãos cobertos apenas pelo pergaminho, a área necessária para a secagem diminui, economizando-se "pateos", como os centro-americanos denominam os terreiros.
A degomagem feita em tanques com água geralmente tem o pH por volta de 4,50, e, num processo que dura entre 18 e 24 horas, faz com que os açúcares da polpa, que também contém pectina, se modifiquem através da fermentação lática, que é a predominante. A acidez da bebida do café resultante desse processo se deve ao incremento do ácido lático, que se sobrepõe ao ácido cítrico tradicionalmente encontrado.
A escolha do processamento por via natural no Brasil se deu por diversas questões, mas, provavelmente, a mais importante foi porque este facilitava o foco de alta escala nas grandes fazendas. O Brasil sempre vendeu imagem de grandes propriedades, grandes estruturas nas fazendas e extensas lavouras.
Nas regiões de montanha, como as Matas de Minas, que tem Manhuaçu como seu pólo, devido à alta umidade presente mesmo no período de inverno, coincidente com o da colheita, fez com que a região fosse conhecida pelos cafés com bebida rio e bebida riada decorrentes do aparecimento de grãos com fermentação fenólica.
Infelizmente, não há acordo: grãos em estágio passa que ficam em ambiente de alta umidade, se re-hidratam e o ataque bacteriano se faz impiedoso. O sabor fenólico surge sem retoques. E isso pode ocorrer em qualquer região, como na extremamente seca região do oeste da Bahia. Lá, devido à obrigatoriedade da irrigação, sendo que o sistema por pivô central é a predominante, é normal o aparecimento de xícaras riadas caso não sejam observados cuidados especiais na operação.
Conforme comentei em artigo anterior, o surgimento de equipamentos para o descascamento de cerejas, que deu origem ao nosso "CD", provocou um impressionante impacto na qualidade dos Cafés do Brasil. Regiões de montanha, que com seu clima úmido no período da colheita raramente ofertavam cafés com boa qualidade, simplesmente tornaram-se celeiro de exóticas bebidas que hoje cativam o mundo consumidor.
O fato de se manter a mucilagem ou ter sua retirada por sistema mecânico, faz com que as alterações de bebida como ocorrem num "Full Washed" (com degomagem ou demucilagem em tanque de fermentação) não aconteçam, fazendo, então, predominar o intenso sabor adocicado dos frutos perfeitamente maduros.
Dessa forma, o processo de "CD" é muito interessante por ressaltar algumas notas de sabor absolutamente exóticas, como já vem sendo observados em cafés produzidos, por exemplo, na hoje famosa Serra da Mantiqueira, além das regiões da Serra do Caparaó e Poços de Caldas.
Obviamente, o emprego de varietais de grande potencial de qualidade de bebida, como as diversas linhagens amarelas, desde que perfeitamente adequadas a cada micro-clima, torna ainda mais evidente a nova geração de exóticos cafés brasileiros.
Mas, será que o natural perdeu o seu lugar ao sol?
Na realidade não.
Por incrível que pareça, a produção de um excelente natural envolve maior domínio de técnica de secagem do que o CD, pois cada grão cereja é um pequeno universo!
Sim, comparo a um "pequeno universo" porque cada grão comporta-se como um "sistema fechado", ou seja, as diversas reações bioquímicas podem ocorrer de forma independente, desde que grandes interações externas não se verifiquem. Por exemplo, amontoar grãos cerejas por um longo período é o caminho mais fácil para perder a qualidade. A combinação de solução açucarada (polpa ou mucilagem), calor e falta de oxigênio (devido à amontoa) dá início à fermentação alcoólico-acética.
A casca do café ao proporcionar esse sistema fechado conduz a uma seca mais lenta do que se o grão estivesse apenas com o pergaminho, fazendo com que a concentração de aromas do grupo que é denominado "caramelização do açúcar" se intensifique. É esta a razão da bebida encorpada que grãos naturais bem preparados proporcionam.
Ao contrário do que muitos pregam, um café produzido em condições geográficas específicas mantém sua alta acidez mesmo se for processado por via natural. Não é o processo de secagem que define a intensidade da acidez cítrica de um dado café, mas a combinação dos fatores geográficos.
Geneticamente, as plantas possuem o mesmo potencial para produção de grãos de alta qualidade, porém, estes acabam se expressando diferentemente em função dos elementos como solo e clima.
Portanto, naturais bem preparados produzem bebidas, como tenho acompanhado, com grande doçura, fundo com notas achocolatadas e de caramelo em impressionante equilíbrio com elevada acidez cítrica. E não é nenhuma surpresa.
Regiões com clima mais seco durante o inverno brasileiro, como a Alta Mogiana e o Cerrado Mineiro, são particularmente indicadas para a produção desses fantásticos naturais. Obviamente, há que se ter maior compreensão do processo e também do ponto de maturação, devendo-se evitar a mistura com grãos imaturos, que provocarão indesejável adstringência.
Nessas origens, por exemplo, o processamento de "CD" é uma opção do produtor, seja para otimizar o uso das instalações de recepção e secagem de café, seja por objetivo comercial. Nas regiões montanhosas, o "CD" é uma necessidade, devido aos problemas climáticos que surgem no período de colheita.
Finalmente, uma observação: o tal do "bóia" necessariamente não é um "natural".
Lembre-se que o café é um fruto e sua bebida será de alta qualidade se for colhido após atingir sua plena maturação, que deve ser preservada ao máximo durante a secagem. Os grãos "bóias" da fase inicial da colheita, que nos lavadores tomam caminho diferente dos cerejas, são normalmente aqueles que não atingiram o ponto de maturação completo ou, como acontece em grãos de ramos com seca de ponteiro, há um "salto" de fase do verdoengo para o passa, não passando pela fase madura. Esses grãos, denominados de "imaturos" ou com a chamada "seca forçada", conferem sabor amargo de base adstringente.
O café "natural" é aquele que uma vez cereja foi colhido e seco corretamente. Portanto, um correto "natural" é um "bóia", mas nem todo "bóia" é "natural".
Simples.
Mas com resultados exuberantes na xícara!