Marco Antônio dos Santos: Acabo de ler sua análise sobre a possibilidade de geadas e gostaria de perguntar o seguinte:
Se me lembro bem, o Dr. Angelo Paes de Camargo e seu filho Dr. Marcelo Bento Paes de Camargo realizaram uma pesquisa mostrando os dias da ocorrência das 20 piores geadas registradas e a sua relação com os fenômenos La Niña e El Niño,e este trabalho mostrou que a geada aqui, para nossa região não tem muito a ver com estes fenômenos, pois acorreram geadas em períodos de ocorrência tanto de um como de outro, assim como, quando não se observava nenhum dos dois fenômenos, portanto, gostaria de saber porque o senhor acha que só ocorre geadas em tempos de neutralização? Se os inúmeros trabalhos mostraram algo diferente.
Celso Oliveira: Obrigado pela consulta, Sr. Marcos.
As discussões sobre qualquer assunto sempre são muito bem-vindas. Acabam fazendo com que todos reflitam mais profundamente.
Procurei o trabalho do Dr. Ângelo Paes de Camargo, mas, infelizmente, obtive apenas algumas citações e o título deste trabalho: "Geadas severas na região cafeeira de Campinas-SP de 1891-2001 e sua relação com o fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS)"
Não posso falar muita coisa sobre o trabalho. Gostaria de lê-lo. Se o senhor tiver uma cópia, por favor, mande-me. O Dr. Ângelo é um grande estudioso. Já tive a oportunidade de participar de uma palestra sua e ele realmente é muito bom na área.
Entretanto, minha afirmação tem como base a dinâmica da atmosfera. E este pensamento é compartilhado por vários meteorologistas da Somar e de fora da empresa. Posso citar os nomes de Paulo Etchichury, que sempre participa do Canal Rural, nos finais de semana. Também cito o Prof. Doutor Pedro Leite da Silva Dias, que, além de meteorologista renomado, chegou a esta conclusão, através de observações em sua fazenda de café no sul de Minas Gerais. E por último, cito o meteorologista Jon Davis, dos EUA. Este meteorologista é muito famoso por suas previsões e consultorias para as mais diversas commodities, mundo afora.
Pois bem, o El Niño é um aquecimento anormal nas águas do Oceano Pacífico Equatorial. Este aquecimento anômalo faz com que as temperaturas do ar na linha do Equador fiquem ainda mais altas que o normal. A diferença nas temperaturas entre o Pólo e Equador gera ventos fortes em altitude chamados de Corrente de Jato. Se a diferença das temperaturas aumenta, este vento fica mais intenso (o CaféPoint disponibiliza mapas com as Correntes de Jato, clique aqui para vê-los).
Este vento sopra de oeste para leste e tem a característica de desviar/estacionar os sistemas frontais sobre o sul da América do Sul. Quanto mais intenso este vento, maior será a capacidade de bloquear o avanço das frentes frias. Se a frente fria não consegue passar pelo bloqueio, a chance de entrada de massa de ar frio intensa diminui.
Pode gear com o El Niño? Claro que pode! Inclusive já tivemos eventos esporádicos deste tipo. Entretanto, afirmo que a freqüência de entradas de frentes frias é menor, logo o risco também é menor.
E a La Niña? O que ela faz? A La Niña é um esfriamento anormal nas águas do Oceano Pacífico Equatorial. Ao contrário do que muitos pensam, os efeitos atmosféricos gerados pela La Niña não são inversos ao do El Niño.
As frentes frias acabam passando pelo Brasil, porém a maioria acaba passando pela costa. Vemos uma defasagem na onda atmosférica, responsável pela propagação dos sistemas frontais. A maior parte dos sistemas acaba avançando pela costa do Brasil, gerando temperaturas baixas e muita umidade (situação desfavorável à ocorrência de geadas).
Afirmo, mais uma vez: É claro que, tanto em situações de El Niño como de La Niña, uma ou outra massa de ar frio acaba avançando de forma continental, aumentando o risco da formação da geada. Porém, também afirmo que o risco deste fenômeno acontecer é menor.
Então, em que situação o risco é maior? Na situação neutra/transição da atmosfera. Neste caso, não há nenhum fator que imponha mudança da trajetória das massas de ar frio. Elas acabam avançando pelo continente com maior freqüência. Portanto, o risco aumenta. Não que obrigatoriamente ocorra geada, mas o risco aumenta.
O gráfico feito pelo meteorologista Jon Davis, em 2003, coorrobora o que eu afirmo. As estrelas indicam os últimos eventos de geadas no cinturão cafeeiro do Brasil.
Aliás, neste gráfico leva-se em consideração as principais áreas de café do Brasil, que estão no sul de Minas Gerais. Lembro que a latitude e, sobretudo, a longitude do sul de Minas Gerais é diferente da de Campinas. Portanto, as condições para formação de geadas também são diferentes.
Isto demonstra também que temos trabalhos que apontam para caminhos diferentes. Existem trabalhos que apontam para uma falta de correlação e outros apontam para uma correlação.
Este gráfico mostra que a maioria dos eventos de geadas ocorreram em uma fase de transição entre o El Niño e a La Niña, quando as temperaturas do Pacífico estavam entre 0.7°C acima da média e 0,7°C abaixo da média.
Este gráfico foi gerado por Jon Davis, porque, na época, havia uma expectativa da entrada de uma massa de ar frio intensa em 2004, situação de neutralidade climática.
Por último, gostaria de deixar claro que em nenhum momento afirmei no CaféPoint que ocorriam geadas apenas com uma situação de neutralidade. Apenas afirmo sobre os riscos e acredito que o risco de um evento deste tipo é mais alto nas épocas de transição/neutralidade.
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