As metodologias participativas, na qual se insere a Metodologia Participativa de Extensão Rural – MEXPAR, constituem instrumental metodológico facilitador das ações que envolvem processos de organização social, num contexto que tem como desafio, a construção de um modelo sustentável de desenvolvimento, o qual busca conciliar o manejo racional dos recursos naturais com a produção agrícola, em bases agroecológicas e a inclusão socioeconômica dos agricultores.
Ao trabalhar com metodologias participativas, é imprescindível que o foco das ações esteja nas pessoas e nas suas relações sociais, considerando e valorizando seus saberes, experiências acumuladas, crenças e cultura.
A utilização de recursos metodológicos participativos requer dos atores sociais um olhar crítico e investigativo sobre a realidade na qual se inserem, no sentido de compreendê-la e transformá-la, ou seja, partindo de uma realidade conhecida, definir e buscar alcançar uma realidade desejada pelos atores sociais envolvidos. Os profissionais que fazem a opção pelo uso de metodologias participativas devem assumir o papel de mediadores e facilitadores de processos dialógicos. O qual demanda desses profissionais, o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades metodológicas e tecnológicas e, ainda, o conhecimento e o comprometimento com os princípios que fundamentam os processos participativos.
A metodologia participativa de extensão rural - MEXPAR , elaborada por extensionistas da Emater (MG), contemplou em sua formulação, alguns princípios de educação defendidos por Paulo Freire, tendo como propósito o aprimoramento da extensão rural como prática educativa:
Respeito ao outro
O ser humano tem saberes, história, cultura e valores que devem ser reconhecidos e respeitados. Assim, o respeito à autonomia e à dignidade de cada um, a sensibilidade com as diversidades culturais, humanas, sociais, de grupo e raça, de idade, de vivências, de memória, constituem um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.
A natureza do homem
A essência da prática educativa está em reconhecer que o homem pode refletir sobre si mesmo e descobrir-se como ser inacabado que está em constante busca. O homem se sabe inacabado e por isso se educa. Em todo homem existe um ímpeto criador. O ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem. Somos seres sociais, históricos inacabados.
A educação é mais autêntica quanto mais desenvolve esse ímpeto ontológico de criar. Educar implica, portanto, em considerar o homem sujeito de sua própria educação. Por isso, ninguém educa ninguém. Ninguém educa a si mesmo. As pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo.
Coerência entre teoria e prática
O saber prático e o saber teórico são essenciais no processo de formação da consciência crítica, da visão de mundo. Para evoluir a leitura da realidade apoiada no senso comum (consciência ingênua) para uma análise crítica, a prática social tem que ser ampliada no seu pensar, no refletir. Ou seja, é preciso que os atores sociais envolvidos num processo educativo, tenham acesso e domínio da teoria da sua prática ou saber teórico.
A teoria sozinha sem a incursão até o concreto torna-se sem significado. É preciso que juntemos as duas coisas constantemente. Não há prática sem teoria e não há teoria que não se submeta ao ajuizamento da prática.
Postura investigativa
A prática educativa deve sempre estimular a curiosidade crítica. Estar sempre à procura da ou das razões de ser dos fatos. Deve estimular o exercício constante da capacidade de pensar, de indagar-se e de indagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de programar e não apenas seguir os programas propostos e impostos. Essa prática torna-se fundamental para desenvolver a capacidade do ser humano de avaliar, de comparar, de escolher, de decidir e, finalmente, de intervir no mundo.
Dialogicidade
A aproximação, fundamental numa prática educativa, se faz com o diálogo franco, adotando uma postura de reciprocidade no falar, ouvir e de receptividade em aprender. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise falar a ele. O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, em uma fala com o outro.
Aprendizagem
Aprender não é acumular conhecimentos. O que não é superável é a capacidade de aprender sempre. Só aprendemos quando aquilo que é objeto do conhecimento tem sentido na nossa vida. Temos que aprender com as experiências concretas. O importante é aprender a pensar.
Educação
A educação não é neutra. Tanto pode estar a serviço da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível das estruturas injustas, da acomodação dos seres humanos à realidade tida como intocável.
Educador
É o profissional que orienta que dá sentido, que constrói sentido, um organizador de aprendizagens. O educador tem a tarefa de orientar o processo educativo – mas como um ser que busca. Ele também é um aprendiz.
Dialética
A dialética é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação.
A referência à dialética está presente em toda a obra de Paulo Freire. É sempre utilizada na perspectiva da construção do espírito crítico e autocrítico, reconstruindo os caminhos da curiosidade. O método dialético estimula a revisão do passado à luz do que está acontecendo no presente; ele questiona o presente, em nome do futuro; o que está sendo em nome do que “ainda não é”.
A dialética permite reconhecer o saber da história como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente nos relacionamos nosso papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. A educação como especificidade humana, é um ato de intervenção no mundo.
A produção do conhecimento no método pedagógico de Paulo Freire é compreendida enquanto processo em construção. O saber se faz através de uma superação constante. O saber superado já é uma ignorância. Todo saber humano tem em si o testemunho do novo saber que já anuncia. Todo saber traz consigo sua própria superação. Portanto, não há saber nem ignorância absoluta: há somente uma relativização do saber ou da ignorância.
Nesse contexto, é necessário compreender que o destino do homem é criar e transformar o mundo, o que o coloca como sujeito da ação e favorece a formação da consciência e da capacidade de assumir responsabilidades - individual e coletiva. É preciso, portanto, que o mediador resgate na memória coletiva dos grupos, a sua identidade histórica socialmente construída, o que é essencial para o reconhecimento da capacidade criativa dos atores sociais na implementação do seu projeto de vida. É preciso que os grupos tenham consciência do passado para compreender o presente e, assim, projetar o futuro desejado.
Assim, a vivência das metodologias participativas, envolvendo mediadores e atores sociais, supõe a utilização de métodos e técnicas que possam contribuir para a realização de diagnósticos participativos com vistas ao planejamento das intervenções – programas e projetos. A MEXPAR, conforme descrito em Ruas (2006), adota o método de planejamento participativo e gestão social, o qual está estruturado em três momentos didáticos que orientam a ação do mediador, e ainda, um conjunto de técnicas coerentes com o referencial teórico e as especificidades da agricultura familiar (Figura 1).
Primeiro Momento – Conhecimento da realidade: É essencialmente um momento de aproximação, de estabelecimento de relações afetivas e de troca de informações pessoais e com o ambiente. É importante que nesse momento sejam criadas as condições para a elaboração coletiva do resgate histórico-social da comunidade. Se para o Técnico é fundamental conhecer a realidade do campo e seus sujeitos, para os Agricultores e Agricultoras é também fundamental conhecer o Técnico e Instituição à qual está vinculado.
O conhecimento da realidade compreende:
◦ Informações prévias sobre a realidade local;
◦ Aproximação e sensibilização da comunidade – intercâmbio de informações sobre a realidade dos agricultores, da comunidade e dos extensionistas;
◦ Realização de Diagnóstico Participativo por Campo de Desenvolvimento.
Segundo Momento – Organização da Ação: É o exercício coletivo do planejamento e constitui uma sequência do processo de reflexão sobre as questões que envolvem o projeto de vida da comunidade. Tem como ponto de partida as informações resgatadas na elaboração do Diagnóstico Participativo por Campo. É no momento da organização da ação que acontece a identificação dos grupos de interesse e dos parceiros. Esses grupos se estruturam em torno de projetos comuns.
A organização da ação compreende:
◦ Identificação e organização dos grupos de interesse (por temáticas);
◦ Negociação e elaboração de projetos e programas de desenvolvimento sustentável.
Terceiro Momento – Execução e Acompanhamento: Constitui a etapa de concretização das ações planejadas. Os grupos de interesse juntamente com os parceiros, assumem o controle do processo de execução, acompanhamento, avaliação e gestão social dos projetos.
A execução da ação e gestão social compreende:
◦ Execução do projeto;
◦ Formação /capacitação dos atores sociais;
◦ Acompanhamento e avaliação de projetos e programas
A implementação da metodologia participativa requer a utilização de algumas técnicas, as quais deverão ser apropriadas pelos mediadores e demais atores sociais. As técnicas são ferramentas que, utilizadas num contexto participativo, propiciam o trabalho criativo, a participação dos atores sociais, favorecer o processo de dialógico, a organização das ideias, o registro e a documentação dos resultados da discussão, negociação e planejamento.
Algumas técnicas utilizadas como instrumentos didáticos:
• Calendário Sazonal
• Caminhada Transversal
• Diagnóstico Participativo por Campo
• Descoberta Técnica
• Diagrama de Venn
• Eleição de prioridades
• Excursão/Intercâmbio
• Linha do Tempo
• Mapeamento Participativo
• Oficinas
• Unidade de Experimentação
Por fim, vale destacar que quando se trabalha metodologias participativas num contexto agroecológico, algumas premissas devem ser consideradas:
a) Atender a requisitos sociais: preservando e qualificando as relações entre os sujeitos e buscando melhores condições de vida e de bem-estar;
b) Considerar aspectos culturais: resgatando e respeitando saberes, conhecimentos e valores dos diferentes grupos sociais que serão analisados, compreendidos e utilizados como ponto de partida para o desenvolvimento local;
c) Cuidar do meio ambiente: preservando os recursos naturais ao longo do tempo, com a manutenção ou a ampliação da biodiversidade, melhorando a reciclagem de materiais e energia dentro dos agroecossistemas;
d) Apoiar o fortalecimento de formas associativas e de ação coletiva: promovendo a participação efetiva, possibilitando o maior empoderamento dos atores sociais, estimulando a autogestão;
e) Contribuir para a obtenção de resultados econômicos: observando o ponto de equilíbrio entre a produção e preservação da base de recursos naturais;
f) Atender requisitos éticos: compromisso com uma sociedade mais justa, pautada por relações igualitárias e fraternas, observando que a busca de sustentabilidade implica uma necessária solidariedade entre as gerações atuais e destas com as futuras gerações.