Minha apresentação versou sobre como as estratégias de colheita podem ser utilizadas para melhorar a vida dos colhedores de café nos países produtores. O tema foi considerado controvertido por muitos dos presentes, porém sua relevância fez com que fosse mencionado por outros palestrantes durante o evento. Um dos corolários de minha apresentação é que os colhedores de café têm uma qualidade de vida muito melhor no Brasil do que nos países concorrentes, inclusive naqueles países que dizem ter uma cafeicultura muito sustentável, um termo muito em voga hoje em dia.
Vejamos como as demais tendências abordadas na Conferencia Mundial do Café podem afetar a cafeicultura brasileira. Sabe-se que a valorização do Real em relação ao Dólar e outras moedas fortes está corroendo a rentabilidade dos produtores brasileiros de café, especialmente os de Arábica, cuja produção é majoritariamente exportada. Os produtores de Conilon, que vendem quase toda sua produção para os torradores domésticos e as indústrias de solúvel a valores acima dos preços internacionais, estão muito menos expostos aos efeitos adversos do Real valorizado. Também se sabe que o agronegócio Cafés do Brasil sempre demonstrou uma habilidade única de se reinventar em tempos de crise e de se recuperar de obstáculos considerados intransponíveis. Foi o caso das geadas, da ferrugem, do aumento dos custos de mão de obra, etc. A ameaça atual é a taxa de câmbio desfavorável. Mas ainda há oportunidades a explorar.
Embora algumas tendências discutidas na Conferência Mundial possam parecer mais ameaça que oportunidade para a cafeicultura brasileira, como, por exemplo, o aquecimento global, é interessante que reflitamos sobre o assunto. Além das mudanças climáticas, outras tendências que podem favorecer os produtores brasileiros de Arábica são: o crescimento consistente da demanda mundial por café; a estimativa de escassez de cafés lavados; e o mercado crescente de créditos de carbono.
Vamos primeiro focar nas mudanças climáticas. Se a maioria das áreas com café no Brasil forem realmente afetadas pelo aumento de temperatura e pelos padrões erráticos de chuva, as estratégias de adaptação ora em discussão podem gerar oportunidades interessantes. Sem pensar nas novas variedades de café sendo desenvolvidas para enfrentar as possíveis mudanças climáticas, o sombreamento de áreas existentes pode não somente ter impactos positivos na qualidade dos grãos que serão produzidos, mas, mais importante, gerar renda adicional a partir das árvores usadas para sombra, com produção de frutas, especiarias ou mesmo de madeira. É claro que o sombreamento trará redução de produtividade, mas a aplicação de fertilizantes − um dos principais componentes do custo de produção de Arábica no Brasil − também diminuirá. Três quartos do café produzido no Brasil é cultivado em solos de média a baixa fertilidade, que serão beneficiados pelo sombreamento.
Já que os 2,1 milhões de hectares com café existentes hoje no Brasil não são sombreados, exceto por testes de campo e alguns projetos recentes em andamento, a absorção de carbono pelo sombreamento será enorme, em verdade maior que em qualquer outro país produtor de café. A oportunidade de se gerar créditos de carbono será imensa e bem vinda para aliviar os custos de reconversão à cafeicultura sombreada.
Os padrões erráticos de chuvas, que já foram realidade durante as florações de 2008 e 2009, se tornarão mais gerenciáveis conforme o Brasil caminhe progressivamente para a colheita mecânica. Se, devido aos altos custos de mão de obra, é impossível ter mais de uma rodada de derriça manual, a colheita mecânica torna viável 2 ou 3 rodadas, com impactos positivos na qualidade. Esta prática também facilita a colheita de maiores porcentagens de cerejas maduras e favorece a produção de mais café lavado.
Um fato desconhecido para a maioria das pessoas, pois não é divulgado nas estatísticas cafeeiras, é que o Brasil consolidará, em 2010, sua posição como segundo maior produtor de cafés lavados do mundo, atrás apenas da Colômbia. Se o aquecimento global pode, a médio prazo, acelerar a tendência de se despolpar mais café e fazer mais cereja descascado (CD) no país, a atual escassez de lavados já acelerou esta tendência no curto prazo. Os prêmios de preço para o cereja descascado brasileiro e para os lavados aumentaram substancialmente nos últimos 6 a 8 meses e criaram uma grande demanda por novos equipamentos de via úmida. O Brasil está progressivamente cavando um espaço no "blend mundial" para seus cafés cereja descascado e lavado, com atenção especial para os blends de espresso.
Uma das mensagens mais fortes da Conferência Mundial do Café foi que, no curto prazo, a demanda não é um problema, mas a oferta pode vir a ser, especialmente para alguns Arábicas. Se o maior produtor do mundo tem sua competitividade em cheque, de onde virão as soluções? Será que os preços reagirão a fim de abrir o apetite dos produtores de Arábica no Brasil e em outros países para que aumentem sua produção? Se os preços não reagirem, a questão será se e como o Brasil tirará novamente o coelho da cartola!