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O café na terra da cerveja

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 19/10/2006

7 MIN DE LEITURA

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Qual a bebida mais consumida na Alemanha? Ao ouvir essa pergunta, provavelmente a grande maioria dos brasileiros responderia: cerveja. Ainda que esta seja um símbolo dos alemães, dados do Deutsche Kaffeeverband nos mostram que é o café a principal bebida consumida neste país de 82,5 milhões de habitantes.

Apesar de representarem dois artigos de grande popularidade entre os alemães, é complexo comparar esses dois setores, afinal são diversas as peculiaridades de um e de outro. A tradição alemã no exemplo da cerveja dá lugar a uma política extremamente bem organizada no caso do café, capaz de garantir aos alemães uma cômoda posição no mercado mundial de cafés industrializados, como também viabilizar o abastecimento de matéria-prima, algo fundamental para um país sem condições de produzir café.

Principal importador de café verde brasileiro, a Alemanha é também referência mundial quando o assunto é a exportação de café torrado e moído. O que mais chama a atenção é a capacidade que os alemães possuem de obter ganhos expressivos apesar de não possuírem um único pé de café em seu território. Conforme veremos, isso se deve a uma série de fatores conjugados, cujos resultados são evidentes.


Primeiramente, o consumo de café na Alemanha é bastante alto. Em 2005, o mesmo foi estimado em 6,1 kg per capita de café bruto, algo em torno de 2 a 3 xícaras por dia. Entre os jovens, o interesse pelo café é igualmente crescente, sendo uma tendência o aumento no consumo do café espresso e do café creme. Apesar de ainda serem importados principalmente da Itália, é evidente o crescimento do consumo de espresso de produção nacional. Para termos uma idéia disso, a produção alemã desses produtos aumentou quase 5 vezes entre 2004 e 2005.

Tradicionalmente comprado em supermercados ou lojas especializadas, o café vem se aproveitando do desenvolvimento das telecomunicações para alavancar suas vendas. Principalmente para os cafés especiais e sustentáveis, é crescente a importância da Internet na promoção do produto e na venda do mesmo. Em um país com tão boa infra-estrutura como a Alemanha, não é de se estranhar tal movimento.

Em segundo lugar, a indústria do café na Alemanha é extremamente bem organizada. As torrefadoras locais possuem uma posição bastante sólida no mercado, fundamentada pela tradição das mesmas e administração cuidadosa. A Alemanha é a terra da Tchibo, uma das cinco principais indústrias de torrefação do mundo, e que, além disso, possui por volta de 800 filiais em todo o território do país, servindo café aos consumidores locais. De resto, outras 800 cafeterias contribuem para o consumo fora do lar no país, em um movimento que tem tudo para crescer ainda mais. Por exemplo, no ano de 2005, cerca de 80 Coffee Shops foram abertas em território alemão.

Finalmente, um tema especialmente delicado é o das tarifas de importação praticadas em toda a União Européia, cujo exemplo alemão é ilustrativo. A chamada Kaffeesteuergesetz, ou Lei do Imposto sobre o Café, estabelece os impostos para cafés e derivados provenientes de país situados fora do espaço da UE. Assinada em 1993, ou seja, em plena época de fechamento das negociações para a criação da OMC, essa lei é uma prova de que o protecionismo europeu não somente se deve a manutenção de um quadro construído em décadas longínquas, mas a uma política organizada ainda no presente.

A cada quilo de café torrado importado de um país de fora da UE é adicionado um imposto de 2,19 euros. Para os cafés solúveis, esse imposto é ainda mais alto, de 4,78 euros por cada quilo importado. Os casos supracitados são os clássicos, mas é importante lembrarmos que existem impostos especiais também para produtos com determinado teor de café por kg, em um complexo mecanismo construído ao longo das últimas décadas com um objetivo principal: impedir a entrada de grandes quantidades de café torrado e moído e solúvel no mercado alemão.

Isso se soma às tarifas alfandegárias existentes no bloco, da ordem de 7,5% para o café torrado não descafeinado, e de 9% para o café torrado descafeinado e para o café solúvel. Como já não é novidade para ninguém, não há tarifa de importação o café verde. Nada mais coerente, conforme veremos.

Conforme demonstram as estatísticas, a Alemanha obteve êxito em seus anseios. Apenas 5% das importações alemãs correspondem a cafés industrializados, sendo uma parcela considerável dessa fatia abocanhada pelos italianos. O Brasil, que em 2005 exportou apenas 142,7 toneladas de café torrado não descafeinado e 1,7 toneladas de café torrado descafeinado para os alemães, está longe de ser um ator relevante nesse segmento.

É importante lembrarmos que a razão pela qual são os italianos os principais fornecedores de café industrializado para a Alemanha se deve não apenas aos benefícios advindos do fato de pertencer a União Européia, mas também porque a indústria deste país se associa a uma imagem de café de enorme qualidade, apreciado pelos alemães.

Os dados expostos acima contrastam com outros números interessantes. No mesmo ano, o Brasil exportou 254.757 toneladas de café verde para a Alemanha, sendo o principal vendedor do grão para o Estado europeu. Esse volume corresponde a praticamente o total exportado por Colômbia e Vietnã juntos! Em meados da década de 90, os alemães passaram a ser os principais compradores de café brasileiro, ultrapassando os EUA.

Na verdade, ao passar a vender mais para a Alemanha, pouca coisa mudou para o Brasil. Especializado na venda de café commodity, o produtor brasileiro depende, sobretudo, das cotações do café no mercado internacional, não importando para onde vá seu café após a colheita. A pequena produção de cafés especiais em terras brasileiras reforça ainda mais essa questão. O fato é que nos últimos 10 anos, a Alemanha ganhou cerca de 2,8 bilhões de dólares com a venda de café torrado, cifra considerável para um país sem a menor condição de colher café em seu território.

Esta constatação é ainda mais preocupante quando observamos o aumento das barreiras ao café industrializado brasileiro em outros países além da Alemanha. Avançando em direção ao Leste Europeu, essas restrições não apenas impedem nossa presença em diversos mercados de grande relevância para nossa indústria, como também estimulam o estabelecimento de indústrias nesses países.

Nesse sentido, é importante termos em vista o estrago que o exemplo alemão produz para o Brasil. Não só é bloqueada a entrada em um mercado chave, como também abre-se um precedente perigoso para a adoção de políticas semelhantes em diversos outros países, que ainda que não tenham a mesma pujança econômica da Alemanha, podem impedir as exportações brasileiras.

Portanto, poderíamos enumerar diversas razões para o fato de estarmos tratando da Alemanha nesse espaço. Uma indústria tradicional e bem remediada financeiramente. Uma posição geográfica favorável, estando próxima de diversos centros consumidores de grande relevância. Um mercado consumidor consolidado, e que possui altos índices de consumo per capita. Uma estrutura tarifária bastante protetora, capaz de evitar a entrada do café industrializado no país. Como vimos acima, são diversos os fatores que fazem da Alemanha uma potência quando falamos de café.

No entanto, o que esperar do Brasil? Após analisar todas as estatísticas acima, é evidente que a questão do protecionismo na União Européia é uma das principais travas ao incremento das vendas de cafés industrializados para países como a Alemanha. Apesar da dureza inerente a esses mercados, caracterizados pela forte competição entre empresas consolidadas, nada é pior que a existência de tarifas e outras barreiras. Afinal, estas impedem mesmo o estabelecimento de interessados na exploração desse mercado, e nesse ponto não será nem a diferenciação, ou o marketing que resolverão o problema brasileiro. Depende em grande medida da diplomacia a obtenção de acordos na matéria, capazes de reverter esse quadro.

Posto tudo isso, resta finalmente uma provocação. Estaria o Brasil preparado para competir com a indústria alemã de café industrializado em um cenário marcado pela ausência de barreiras comerciais? Ou estaríamos fadados a exportar eternamente nosso café verde em grão, que apesar de não gozar da melhor reputação possível é ainda o principal motor do segmento cafeeiro no mundo? Afinal, não somos capazes de competir nem mesmo com nosso próprio café verde exportado para a Alemanha. Uma vez comprado, o café nas mãos dos alemães é re-classificado e exportado com maior valor agregado.

Sejam quais forem as respostas dadas a essa questão, alguns pontos devem ser salientados. Uma vez que a competição em mercados como o alemão é bastante feroz, a competitividade nos preços é fundamental para o sucesso de qualquer iniciativa, não importando qual o nicho de mercado explorado. Marketing também joga um papel importante, e este é um ponto no qual o Brasil vai caminhando aos poucos, conforme os avanços dos últimos anos bem mostram. No entanto, sem a queda de barreiras, exercícios como os feitos acima dificilmente sairão da teoria.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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ALEMAR BRAGA RENA

VIÇOSA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 29/11/2006

Maria Sylvia e Bruno,

É difícil não comentar os seus artigos, verdadeiras e salutares provocações.

Todos nós, envolvidos com o café brasileiro, temos a obrigação de contribuir para modificar esta situação odiosa. Mas esperamos que aqueles(as) realmente em condiçoes de tomar decisões leiam artigos assim e neles se inspirem, para atitudes mais concretas.

Parabéns.
FREDERICO DE ALMEIDA DAHER

VITÓRIA - ESPÍRITO SANTO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 06/11/2006

Caros Maria Sylvia e Bruno Varella,

De muito boa lavra a matéria com o título: " O Café na Terra da Cerveja".

O protecionismo alemão, como de resto o protecionismo europeu ao café industrializado por eles é inaceitável num mundo globalizado e cada vez mais competitivo.

Aonde está a diplomacia brasileira, que não consegue desfazer esta situação totalmente desfavorável à comercialização do nosso café torrado e moído e do solúvel?

Continuar tendo a Alemanha como grande comprador do café brasileiro é muito importante, mas necessitamos ter condições alfandegárias menos restritivas, ou sem nenhuma restrição, para podermos conseguir exportar mais café industrializado.

A cafeicultura brasileira evoluiu muito, o parque industrial do torrado e moído também, as industrias do solúvel estão se modernizando, e algo precisa ser feito urgentemente pelos nossos negociadores internacionais, para quebrar as amarras contra o café industrializado brasileiro.

Cordialmente,
Frederico de Almeida Daher
Superintendente do CETCAF

<i>Caro Frederico Daher,</i>

Concordamos inteiramente com as suas observações e agradecemos a gentileza. É uma pena que o Brasil ainda não consiga se impor da forma que deveria nas negociações internacionais. Entretanto, acreditamos que há uma crescente preocupação tanto por parte do setor privado como da diplomacia brasileira em adotar ações mais firmes. Isso pode ser exemplificado pelas negociações do algodão. Ou seja, acho que estamos caminhando.

Atenciosamente,

Sylvia e Bruno

MURILLO FORESTI JUNIOR

EM 02/11/2006

Com certeza é um assunto que teremos que tratar mais cedo ou mais tarde:

Agregação de valor a nossa matéria-prima barata.

Não vejo outra saída a não ser estarmos mais perto do mercado internacional, com entrepostos de nossas cooperativas em locais estratégicos. Oferecendo nosso produto lá fora, a pronta entrega, já conseguiríamos eliminar atravessadores da cadeia, o que geraria um diferencial para nossa classe produtiva.Temos que mudar nossa maneira de comercializar nossa produção.

Em vinte anos que trabalho com café, sempre ocorreu o seguinte: Trabalhamos 365 dias/ano, com todos os riscos da produção e quando estamos com nosso café colhido, limpo e pronto para comercializar na cooperativa, vendemos para o primeiro atravessador, não agregamos nada e somos meros produtores de matéria- prima para outros ganharem em nossas costas.

Murillo Foresti Junior
Gerente de exportaçao da Cooperativa dos Exportadores de Cafe do Sul de Minas (COEXCAFE)

<i>Caro Murillo,</i>

Agradecemos a sugestão. Em breve vamos elaborar um artigo sobre agregação de
valor e ganhos para o produtor.

Atenciosamente,
Sylvia e Bruno
OSMÁRIO DOS SANTOS SIMOES

SERRA - ESPÍRITO SANTO - TRADER

EM 19/10/2006

Belíssima e oportuna matéria!

A pergunta que fica para toda a cadeia produtiva do café é:

Até quando ficaremos alimentando parques industriais de outros países com nossa matéria prima?

Independente de qual seja o país importador, temos que agregar valor a nosso produto.

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