Passados 79 minutos, o placar marcava um resultado surpreendente. Nem o torcedor mais pessimista esperava que a Alemanha abriria 7 gols de vantagem sobre o país do futebol, que, ainda por cima, jogava em casa. Para muitos, estávamos diante de um pesadelo ou de uma piada de mal gosto. Nada disso, porém: não só perdemos feio, como nossa derrota começou bem antes do apito inicial.
Qualquer explicação para o massacre sofrido pelo Brasil leva, em algum ponto, a uma triste constatação: nossos cartolas se notabilizam pela ineficiente gestão dos recursos detidos pelo setor. Qualidade individual, sempre tivemos. Falta-nos, porém, habilidade social de criar - ou importar - avanços organizacionais capazes de traduzir tamanho talento em produtos melhores. Talvez tenhamos inventado o tal "jogo bonito" mas, graças à nossa incompetência, capturamos uma parcela decrescente do enorme valor criado pelos campos de terra batida ao redor do país. Pior, há quem questione nossa capacidade atual de criar valor, tamanha a dificuldade de encontrar jogadores para determinadas posições.
O interessante dessa história toda é que o futebol reproduz, ainda que de maneira imprecisa, nossa rotina. Na agricultura, por exemplo, o fato de termos recursos com potencial - localização geográfica, oferta de água, etc. - não implica o seu uso de maneira eficiente. Em consequência, observamos o aprofundamento de uma brecha entre "Alemanhas", unidades capazes de aliar potencial e gestão adequada, e "Brasis", produtores que tinham tudo para dar certo, mas acabam tropeçando na desorganização.
Os motivos para tal disparidade são diversos e complexos. Entre as razões para isso, as peculiaridades inerentes aos processos de aquisição de novas técnicas gerenciais, por um lado, ou de uma tecnologia de ponta, por outro, jogam papel importante. No segundo caso, geralmente estamos diante da seguinte opção: adquirir um pacote oferecido por uma empresa ou pelo governo ou manter o processo produtivo atual? Graças a décadas de aprendizado, a decodificação desse conhecimento é feita de forma cada vez mais efetiva, permitindo que tenhamos diversas "receitas de bolo".
Gestão, por sua vez, não se limita à transferência de uma "receita". Embora parte desse conhecimento possa ser adquirido, barreiras explicam os limites para a plena detenção de melhores técnicas gerenciais. O mais óbvio é o nível de educação do receptor, mas, provavelmente, o ambiente institucional e aspectos culturais sejam variáveis ainda mais fundamentais. Em outras palavras, tanto o conjunto de regras disponível quanto a forma como interpretamos a vida em sociedade ajudam a explicar a emergência de "Brasis" e "Alemanhas". A grande questão aqui, cuja resposta segue aberta, é a seguinte: até que ponto vizinhos ou cidadãos de um mesmo país são igualmente afetados por limitações institucionais ou culturais?
Retomando a analogia que abre o presente artigo, no futebol, para que haja uma goleada é preciso que um time seja muito superior ao outro. Na economia é parecido! Em um contexto marcado pela heterogeneidade, os administradores eficientes têm ganhos ainda maiores. A explicação é simples: imagine que, de toda a riqueza gerada por uma cadeia agroindustrial, uma parcela seja utilizada para manter a "roda girando". Estes são os custos relacionados à burocracia, por exemplo, ou derivados da busca da melhor opção para a comercialização da produção. Ou seja, estamos falando de riqueza que, de certa forma, é dissipada, pois sua utilização é necessária para manter a cadeia em funcionamento.
Um dos trunfos do administrador hábil é a sua capacidade de abocanhar parte dessa riqueza que, em unidades menos eficientes, é usada para manter a "roda girando". Quando maior a heterogeneidade, maiores as oportunidades no curto prazo. E, para os perdedores, uma certeza: no longo prazo, quando mais produtores se aproximarem de um padrão de gestão mais eficiente, mais difícil será sobreviver na atividade. Evoluir, nesse sentido, é um imperativo.
Ocorre que esse processo não é linear. Culpa, entre outras coisas, das influências culturais que explicam a resistência a mudanças. Não raramente, a adoção de modelos ineficientes dura mais do que o esperado, sustentado por proteções artificiais ou pela inércia da maioria. Nem a barreira mais alta, entretanto, dura para sempre. Seja no futebol ou na economia, nosso desafio para as próximas décadas será encontrar um equilíbrio entre aquilo que nos diferencia e o uso das experiências que deram certo em outros países ou nos vizinhos mais competitivos. Caso contrário, uma parcela dos produtores rurais sofrerá destino semelhante ao da seleção brasileira.