No entanto, o café, como várias outras commodities importantes da agropecuária brasileira, vive um momento extremamente delicado, em conseqüência principalmente de três fatores: a grave crise de preço e renda, que marcou o período 2001-2004; a desvalorização do dólar e a forte especulação do mercado.
O primeiro fator provocou forte descapitalização do setor. O câmbio, problema comum a todas as commodities, colocou o custo de produção e o preço de venda do café muito próximos, deixando o produtor sem margem de ganho. E, por fim, as especulações nas bolsas têm provocado grande volatilidade.
O período 2001-2004 se caracterizou por preços médios anuais extremamente baixos, entre US$ 43 e US$ 73 por saca (de 60 quilos) de café arábica, que representa cerca de 70% do café brasileiro. Esses valores estão muito abaixo do custo de produção, estimado, no mesmo período, entre US$ 70 e US$ 96 por saca para uma produtividade de 20 sacas por hectare, gerando perdas sistemáticas para os produtores. Portanto, durante quatro anos, os cafeicultores tiveram prejuízo (ver tabela abaixo) e o setor como um todo teve uma perda estimada acima de US$ 2,5 bilhões.
Fonte: Cooperativas associadas ao CNC
No final de 2004, houve uma recuperação dos preços do café no mercado mundial e o produtor começou a se capitalizar. Na época, esperava-se que se iniciaria ali um período de preços favoráveis, que asseguraria renda para o setor.
Entretanto, este período de preços remuneradores para os produtores brasileiros foi muito curto, terminando em junho de 2005, devido à forte desvalorização do dólar frente ao real, anulando os ganhos obtidos no mercado internacional. Ou seja, o cafeicultor amargou quatro anos de crise e teoricamente teve pouco mais de meio ano para recuperar o prejuízo. Passado esse período, os valores pagos pelo produto voltaram a cair.
A partir de julho de 2005, o preço da saca de café caiu significativamente, principalmente em função do dólar. No Sul de Minas Gerais, o valor médio de venda para o produtor no período julho de 2005 a março de 2006 foi de R$ 250,43 a saca, considerando os diferentes tipos de café comercializados. Se levarmos em conta que na venda o produtor tem um desconto de cerca de 4,5% (impostos, armazenagem e outras taxas), ele recebeu, neste período, cerca de R$ 239,16 por saca.
O custo total de produção de uma saca de café no Sul de Minas Gerais, calculado sob a coordenação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), num trabalho em parceria com as cooperativas, é de R$ 229,49 para uma produtividade de 25 sacas por hectare, a preços de novembro de 2005.
Essa produtividade está acima da média da região que, no último levantamento da Conab, realizado em março de 2006, foi de 21,13 sacas por hectare, obtida em um ano de alta produtividade e produção. Na safra do ano passado, que foi de baixa produtividade, a média nessa região foi de 13,59 sacas por hectare. A partir desses dados pode-se estimar que o custo médio real de produção seja ainda maior do aquele calculado pela Conab.
Portanto, verifica-se que, nos últimos nove meses, o produtor vendeu cerca de 70% de sua produção anual com uma margem de R$ 10 a saca (considerando-se o preço de R$239,16 menos o custo de R$229,49). Isso corresponde a uma margem líquida de 4,3% do custo de produção. Nessas condições, um produtor médio, com uma produção anual de 500 sacas de café teria uma renda líquida de R$ 5.000 por ano ou 1,2 salário mínimo por mês. É bom lembrar que 90% dos produtores produzem menos de 300 sacas por ano, ou seja, mais de 200 mil cafeicultores e suas famílias vivem com menos de um salário mínimo por mês.
Considerando o forte processo de descapitalização vivido pelo setor no período 2001-2004; o curto período de preços remuneradores ocorrido entre o final de 2004 e meados de 2005, insuficiente para assegurar a capitalização e saldar compromissos; e a situação dos últimos nove meses, em que custo de produção e preço de venda estão praticamente empatados, verifica-se que a cafeicultura, à semelhança de outros setores do agronegócio não tem renda suficiente para saldar seus compromissos.
Na verdade, se não houver uma política consistente que assegure renda para esta próxima safra que inicia a colheita em maio e, que sendo maior permitiria a capitalização do setor, uma parcela significativa de produtores deixarão o mercado, causando impacto negativo em mais de 1.900 municípios que têm o café como uma atividade econômica importante.
Corre-se, portanto, o risco de o setor simplesmente não conseguir sair da crise que o aflige há anos, entrando em um novo ciclo de quebra financeira que se refletirá, futuramente, com queda na produção, uma vez que, sem investimentos, não há aumento na produtividade.