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Redistribuição dos ganhos na cadeia de valor do café: missão possível?

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 31/07/2017

5 MIN DE LEITURA

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Ideias voltadas à redistribuição dos ganhos gerados na cadeia de valor do café são uma constante há décadas. Conforme demonstra o exemplo das políticas de estabilização de preços implementadas pelo Brasil durante um extenso período de tempo, os governos nacionais – e suas “ferramentas de Estado” – geralmente assumiram o protagonismo. Os esforços estatais também extrapolariam fronteiras.

Foto: Alexia Santi/Agência Ophelia
                             Foto: Alexia Santi/Agência Ophelia 

Desde a década de 1930, coalizões de países adotariam inúmeros arranjos com um objetivo semelhante. Basta lembrarmos que, motivados por cálculos de natureza geopolítica, os Estados Unidos promoveram programas que buscavam atenuar a incerteza sobre a remuneração dos cafeicultores tanto no plano regional quanto no multilateral.

Nesse sentido, uma das principais mudanças derivadas da desregulamentação do mercado internacional do café no final dos anos 1980 diz respeito a uma transformação progressiva de mentalidade. Aos poucos, os distintos agentes perceberam que qualquer projeto voltado à redistribuição dos ganhos na cadeia do café demandaria o uso de “ferramentas de mercado”. Um conhecido exemplo é o sistema Fairtrade, certificação que busca incentivar uma melhor remuneração ao café produzido por produtores familiares.

Volta e meia, porém, medidas bem intencionadas esbarram em uma questão fundamental: é possível provocar um choque estrutural nos padrões de distribuição do valor em uma cadeia agroindustrial sem lançar mão da intervenção governamental? Afinal, mercados são descentralizados, com milhões de agentes comprando e vendendo um produto diariamente. Por isso, o êxito de uma iniciativa como a certificação Fairtrade depende diretamente de sua capacidade de convencimento. Se poucas firmas ou cooperativas adotarem o padrão, perde-se qualquer esperança na promoção de uma mudança efetiva no padrão de organização das relações entre os participantes de um complexo nexo de compromissos e contratos.

Por outro lado, a descentralização típica dos mercados implica que qualquer adesão ao projeto deve ser voluntária. Sem a busca contínua por crescimento, seria difícil imaginar a constituição de um poder de barganha capaz de influenciar dramaticamente o padrão de distribuição de valor em uma cadeia. Daí a necessidade de conquistar o maior número possível de mentes e corações, convencendo-os da efetividade e viabilidade de uma ideia. Obviamente, atrair entusiastas para uma causa não raramente significa a busca por posições mais próximas das preferências – e da informação – detidas pelo consumidor médio. No caso do sistema Fairtrade, o convencimento progressivo viria com o relaxamento de objetivos iniciais. Mais especificamente, a busca pela adesão de grandes empresas levou a iniciativa a atenuar a luta pelo aumento da transparência nas relações entre os elos da cadeia do café.

A evolução do sistema Fairtrade angariaria uma série de críticas, assim como reações práticas. Chamada Café for Change, uma resposta recente utiliza recursos obtidos por meio de crowd funding para vender cafés especiais em uma página na Internet. O fundador da empresa, Fernando Morales de la Cruz, é ambicioso. Sua meta é a de competir diretamente com gigantes como a Nespresso, vendendo não apenas uma bebida de qualidade mas, acima de tudo, transparência. Na prática, a Café for Change pretende impulsionar um movimento que garanta a transferência aos cafeicultores de US$ 0,10 por cada xícara de café tomada nos países desenvolvidos. Segundo a organização, atualmente tal cifra é inferior a US$ 0,01.

Bastante crítico com o funcionamento do sistema Fairtrade, o projeto Café for Change fatalmente lidará com o desafio da expansão em meio à descentralização típica dos mercados. Por um lado, Morales de la Cruz acredita que a iniciativa contribuirá para que um número crescente de consumidores perceba o desequilíbrio atual na distribuição do valor gerado ao longo da cadeia do café. Entretanto, as pesquisas mostram que o consumidor médio gasta um escasso tempo obtendo informação sobre a bebida que consome. Dessa maneira, vale a pena questionarmos o que viria primeiro: consumidores melhor informados buscando alternativas “éticas” ou a ação direta de tais empresas para esclarecer o complexo cenário atual? E, caso seja necessário conscientizar o público, qual o custo da estratégia?

Ou ainda, para seguir estimulando a reflexão, serão iniciativas com as características da Café for Change capazes de oferecer uma ferramenta mais persuasiva de convencimento dos consumidores? Até que ponto tal habilidade depende do estabelecimento de coalizões com agentes dotados de uma visão de mundo distinta? No caso do sistema Fairtrade, a busca por maior relevância – e acesso à atenção dos consumidores – levou a uma aproximação com grandes empresas e o relaxamento da luta pela transparência nas relações entre os elos da cadeia do café. No caso do projeto Café for Change, dúvida relevante se refere à maleabilidade da meta de transferência de US$ 0,10 por xícara de café. Supondo a adesão de milhões de entusiastas à ideia, haveria a intenção de redistribuir um valor ainda maior? Será o desafio da desigualdade melhor explicado em termos absolutos ou relativos?

É bem verdade, a Café for Change emerge com o objetivo de competir com outras empresas. Por sua vez, sistemas como o Fairtrade têm a vocação de regular as ações dos participantes em um mercado. Por isso mesmo, talvez o projeto consiga contornar algumas das barreiras enfrentadas por sistemas de certificação. Ainda assim, enfrentará outros desafios típicos de uma empresa iniciante em um mercado bastante competitivo. Independentemente das respostas dadas por Morales de la Cruz e sua equipe nos próximos meses, não está claro qual seria o mecanismo que impediria a captura de sua mensagem de redistribuição dos ganhos. Afinal, em um sistema descentralizado inexiste qualquer garantia de que pessoas venham a obter informação de uma determinada fonte. Se os concorrentes reforçarem a mensagem de que também dão atenção para a transparência na relação com os cafeicultores, quem separará o joio do trigo? 

Se há algo que a discussão acima revela, é a importância das decisões dos consumidores para a concretização de mudanças em um determinado mercado. Explicar a milhões de consumidores que uma determinada empresa distribui melhor o valor gerado na cadeia de valor exige tempo, dinheiro e a atenção do público. Trata-se de uma missão difícil, para dizer o mínimo.

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BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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