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Filantropia lucrativa?

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 04/01/2016

4 MIN DE LEITURA

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Por Bruno Varella Miranda, mestre em Administração pela USP e doutorando em Economia Agrícola pela Universidade de Missouri - Columbia

Recentemente, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou a doação de grande parte de sua fortuna. A transferência de 99% das ações detidas pelo empreendedor a uma fundação dedicada às causas sociais adicionará algumas dezenas de bilhões de dólares à filantropia. Juntamente com outros integrantes do seleto grupo de indivíduos mais ricos do mundo, Zuckerberg ajudará a movimentar um setor emergente: o dos projetos de desenvolvimento financiados com recursos privados.

É bem verdade, a filantropia está longe de ser um fenômeno recente. Há mais de 100 anos, empresários como Andrew Carnegie já dedicavam enormes somas de dinheiro à construção de bibliotecas e universidades. Outros, como o Barão Hirsch, tiveram um papel fundamental na promoção da emigração de judeus perseguidos no Império Russo para a América. Chama a atenção, porém, o nível de confluência entre filantropia e empreendorismo nos dias atuais.

De fato, Andrew Carnegie não propunha algo exatamente novo a ser feito com seus milhões de dólares. Bibliotecas existem há milênios, de modo que sua intenção era a de estender um serviço básico a um número crescente de usuários. Zuckerberg parece pensar distinto. Em sua carta, chega a citar o objetivo de uma humanidade livre de doenças! Deixado de lado o exagero, é evidente que o criador do Facebook almeja uma posição na fronteira do conhecimento, financiando soluções para alguns dos principais problemas contemporâneos. Para tanto, não apenas cooperará, como competirá com empresas e governos ao redor do globo.

Nesse sentido, será interessante observar como as doações de indivíduos como Zuckerberg influenciarão a economia como um todo. Caso bilionários decidam investir pesado na descoberta de novos tratamentos, concorrerão com aquilo que grandes empresas farmacêuticas já fazem. De que maneira se posicionarão nesse novo nicho? Buscarão algum tipo de retorno ao investimento, ainda que inferior ao esperado, a fim de potencializar o esforço original? A mesma lógica vale para o desenvolvimento de pesquisas destinadas a promover a adaptação aos efeitos da mudança climática. Serão capazes de lidar com as pressões de companhias multinacionais com décadas de experiência no desenvolvimento de fertilizantes e sementes?

Outro aspecto curioso dessa tendência diz respeito ao papel do Estado. Quando o assunto é pagamento de impostos ao governo dos Estados Unidos, Zuckerberg não parece muito empolgado. Afinal, o Facebook tem seguido a tendência de buscar na Irlanda um refúgio seguro - e com baixa tributação - para seus lucros. O mais provável é que a atividade filantrópica de Zuckerberg não melhore a situação atual. Assim, o empreendedor terá plena capacidade de decidir o que fará com sua fortuna. Parece justo a princípio, mas a história é mais complexa.

Para entendermos os dilemas potenciais derivados de tal cenário, faz-se necessário lembrarmos do papel dos impostos em uma sociedade. No Brasil, infelizmente tendemos a esquecer sua real função, tamanho o impacto de sucessivos escândalos de corrupção na credibilidade do Estado. Nas típicas democracias ocidentais, porém, a ideia é simples: ao governo, cabe estabelecer um sistema tributário, cuja arrecadação será destinada de acordo com o resultado eleitoral. Em outras palavras, caberá aos representantes do povo alocar o dinheiro dos impostos seguindo o programa de governo vitorioso.

Muitos dirão - com alguma razão - que na prática a banda toca uma melodia diferente. De fato, distorções existem. Tais desvios, entretanto, não anulam a regra. Não por acaso, partidos de esquerda e direita existem ao redor do mundo, representando prioridades distintas. Se com as "facilidades" atuais já é difícil colocar projetos em práticas, sem impostos seria ainda mais difícil que levassem adiante seu plano de governo.

Antes que você, prezado(a) leitor(a), comemore a perda de poder dos políticos, lembre-se que tal movimento implica que o seu voto também se verá diminuído. Mais especificamente, de nada adiantaria escolher uma prioridade em um processo eleitoral se a capacidade de investir em mudanças na sociedade se concentrar nas mãos de alguns poucos bilionários. Zuckerberg pode ser muito inteligente, mas não é onisciente. Logo, seria um prejuízo para a sociedade substituir as preferências determinadas por uma maioria pelas prioridades de alguns poucos.

Os argumentos acima levam a história a um extremo que talvez não vejamos. O exercício é proposital. Carregando nas tintas podemos observar melhor o papel de cada agente na organização da sociedade. Ao assumir a função de fomentar a transformação em áreas não cobertas por sua empresa, Zuckerberg e os outros "bilionários caridosos" oferecerão um prato cheio para os analistas nas próximas décadas. Apenas para ficar no exemplo mais chamativo da carta citada acima, o Facebook não desenvolve remédios na atualidade, ao contrário de instituições de pesquisa públicas ou de empresas privadas especializadas na atividade. Partindo dessa realidade, será a Iniciativa Chan Zuckerberg uma parceira ou uma concorrente?

A pergunta acima não deveria interessar apenas eleitores ou potenciais competidores. Os acionistas do Facebook certamente adorarão entender melhor o modelo de filantropia adotado por Zuckerberg. Um movimento atabalhoado, potencialmente danoso para o futuro da empresa, poderia resultar na perda do valor de suas ações e, consequentemente, em menos recursos para a caridade. Em resumo, antes que a humanidade se veja livre de doenças, milhões de posts provavelmente serão escritos descrevendo os acertos e erros dessa interessante iniciativa. Respostas precisas para tantas dúvidas, somente o futuro poderá oferecer.

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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