Nunca se gastou tanto dinheiro com café nos Estados Unidos. Em 2014, US$ 11 bilhões mantiveram o fôlego de um setor que, há pelo menos uma década, tem colhido uma série de boas notícias. A tendência para o futuro tampouco preocupa: estimativas apontam que, em 2016, os gastos chegarão a impressionantes US$ 13,6 bilhões.
Excelente notícia, correto? Mais ou menos. Embora os norte-americanos gastem cada vez mais em suas visitas às cafeterias e supermercados, o consumo de café no país está em queda. Relatório divulgado recentemente pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) mostra que, no período 2015/2016, 23,7 milhões de sacas de 60 kg serão ali consumidas, número cerca de 1% inferior ao total observado na temporada anterior.
Como explicar essa aparente contradição? Nos últimos dias, diversos textos publicados pela imprensa dos Estados Unidos oferecem uma explicação para tal divergência. A razão apontada é simples: o aumento do consumo de cápsulas de café.
Dados apresentados pelo repórter Roberto Ferdman, do jornal Washington Post, demonstram o avanço da opção entre os consumidores norte-americanos. As cápsulas, que em 2000 representavam apenas 0,06% das vendas de café no país, hoje correspondem a 34%. Embora as porcentagens variem um pouco em outros estudos, a magnitude da variação não deixa espaço para dúvida: estamos diante de uma verdadeira revolução na forma como os norte-americanos consomem a bebida.
Outro dado, apresentado pela Associação Nacional do Café (NCA), nos ajuda a visualizar a tendência. Em 2014, cerca de 15% dos norte-americanos possuíam uma máquina de café em cápsulas. O levantamento seguinte, realizado em 2015, sugere que essa porcentagem atingiu cerca de 25%. Embora o ritmo do crescimento das vendas dessas máquinas tenha diminuído nos últimos anos, espera-se que a parcela de usuários das cápsulas siga aumentando nos Estados Unidos.
Estaremos diante de uma moda passageira? Mantendo-se as condições atuais, é provável que essa tendência tenha chegado para ficar. Atingido o teto nos Estados Unidos, inúmeros mercados parecem propensos a migrar para o consumo de cápsulas. O crescimento, nesse sentido, deverá ser sustentando por uma expansão ao redor do globo, beneficiando-se da expansão da renda de milhões de consumidores nos países emergentes.
E por que um número crescente de pessoas adere às cápsulas? São muitos os motivos. Primeiramente, cápsulas de café "facilitam" a vida. Oferecem, ademais, a promessa de uma bebida idêntica todos os dias, caso essa seja a vontade de seus consumidores. Os mais inquietos tampouco se decepcionam: a crescente oferta de opções, muitas com nomes fantasia voltados a passar uma imagem de sofisticação, são capazes de acalmar momentaneamente os impulsos dos mais consumistas.
Conveniência costuma vir com um alto preço, porém. Com as cápsulas, não é diferente. Parcela importante dos aumentos nos gastos com café nos Estados Unidos se deve à venda dessa opção a consumidores ávidos por soluções rápidas. Nada muito diferente daquilo observado em cada uma das seções de um supermercado norte-americano.
Cápsulas de café são, ademais, bastante eficientes. Uma expressão comum entre especialistas no mercado norte-americano, reproduzida por Ferdman em sua análise, ajuda a dimensionar o tamanho da mudança. No passado, dizia-se que "a pia era o principal consumidor mundial de café". Com o advento das cápsulas, aumentou o controle sobre a quantidade e, com isso, diminuiu o desperdício.
Some-se a isso a preocupação com os níveis de cafeína, alimentada por uma parcela dos consumidores do país, e que estimula um menor uso relativo de café na confecção das cápsulas. O resultado é óbvio. Na prática, seus usuários estão comprando menos grãos do que os amantes do "café à moda antiga". Multiplique a tendência por milhões de usuários e os números apresentados no começo desse texto começam a fazer mais sentido.
E o cafeicultor, como fica nessa história? A emergência de alternativas como as cápsulas não é, necessariamente, uma ameaça ao elo mais fragilizado dessa história. Como em qualquer processo econômico, haverá vencedores e perdedores. Tudo dependerá, ademais, da evolução relativa de cada uma das variáveis em jogo. No pior dos mundos, a expansão nos gastos com café se descolaria cada vez mais das condições da oferta do produto, algo desastroso para os produtores rurais. No melhor deles, os cafeicultores seriam capazes de controlar de forma mais efetiva a criação de novas tendências na outra ponta da cadeia, reduzindo a distância entre suas carteiras e as dos consumidores.
Nem branco, nem negro: o mais provável é a emergência de um cenário "cinza". Em parte, isso já ocorre. Produtores capazes de estabelecer ações coletivas eficientes, focadas na difícil tarefa de administrar o relacionamento com os pioneiros nas transformação do setor, tenderão a figurar entre os vencedores. Isso é especialmente importante para a cafeicultura de montanha, tão pressionada pelos altos custos e com tanto potencial para o oferecimento de qualidade. Cooperação efetiva, entretanto, não faz mal a ninguém.
Existe, finalmente, espaço para que essa história, ainda que parcialmente, seja reescrita. Alguns sinais recentes mostram que a ascensão das cápsulas, até o momento incontestável, também tem o seu calcanhar de Aquiles. Essas, e outras questões ligadas a esse debate fundamental, serão abordadas nesse mesmo espaço, em breve. Enquanto isso, fica o convite para a participação de você, prezado(a) leitor(a), partindo dos dados aqui apresentados.