Dentre os incontáveis planetas que permeiam o Universo, o nosso se destaca por reunir condições muito especiais para o surgimento da vida como conhecemos. Algumas teorias apontam que durante sua fase de berçário, se assim podemos dizer, o planeta Terra era um impressionante caldeirão químico contendo substâncias básicas como a água e o metano sob ação de grande energia gerada durante as intermináveis tempestades. Com o tempo, outras substâncias surgiram a partir das diversas reações químicas e que foram precursoras de outras mais complexas. Com mais alguns milhões de anos à frente, surgiram as primeiras manifestações de vida.
As formas de vida primitivas eram basicamente constituídas de uma única célula, que ao sofrer efeitos do rústico ambiente experimentaram muitas combinações e recombinações genéticas que resultaram em outras formas mais complexas, muitas das quais estão ainda presentes em nosso planeta.
Sabe-se que o processo evolutivo das espécies tem dois componentes fundamentais e que estão fortemente vinculados: Genotipia e Fenotipia. O primeiro relaciona-se com a carga genética nativa de cada indivíduo ou sua hereditariedade, enquanto que o segundo é a manifestação física dessa hereditariedade, que pode ser influenciada pelo ambiente onde esse indivíduo vive.
Tendo como prima distante a planta da bela Gardênia, o cafeeiro pertence ao Gênero Coffea da Família das Rubiáceas, que possui um enorme número de espécies (mais de 6.000 !). Porém, economicamente, duas são as mais importantes comercialmente: a Coffea arabica e a Coffea canephora.
Há uma longa discussão entre os botânicos sobre quantas e quais seriam as verdadeiras representantes desse Gênero, um vez que existe uma variação muito grande de tamanhos e formas das plantas. No entanto, hoje o comércio de café está completamente estruturado a partir destas duas espécies. Veja algumas das mais importantes diferenças entre elas:
Assim como despertou discussões entre os botânicos, há uma outra muito calorosa, principalmente entre os produtores brasileiros de café, que é o emprego das duas espécies num blend industrial de café.
A grande maioria dos cafeicultores brasileiros cultiva a espécie arabica em todo o Cinturão Brasileiro do Café, que vai da Bahia ao Norte do Paraná. Alguns líderes, recentemente, chegaram a cogitar a criação de uma associação de produtores de café arabica.
A espécie canephora tradicionalmente é cultivada nas áreas baixas do norte do Espírito Santo e em Rondônia. A ENCAPER - Empresa Capixaba de Pesquisas e Extensão Rural do Espírito Santo, integrante do Consórcio Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras, tem realizado primoroso trabalho no desenvolvimento e compartilhamento de tecnologias de produção e secagem, com forte foco na qualidade dos grãos de Conilon. Experimentos vêm sendo realizados também em Minas Gerais e São Paulo, onde a cultura se mostra promissora e faz parte de uma aposta de grandes grupos empresariais.
Na realidade, os países produtores de café podem ser classificados em 3 grandes grupos: produtores de grãos exclusivamente da espécie arábica (Colômbia e Peru, por exemplo), majoritariamente da espécie canephora ou robusta (Vietnan e Costa do Marfim) e produtores de ambas as espécies (Brasil e Índia).
Depois das grandes geadas ocorridas no Brasil em 1994 e que prejudicou extensa área produtiva, um ciclo de elevados preços se seguiu até 1999, estimulando o aumento de produção via novos plantios principalmente pelo Vietnan, que em poucos anos alcançou o posto de segundo maior produtor mundial de café, à frente da Colômbia, e o de maior produtor mundial de robusta. Este foi um dos fatores que contribuiu fortemente para o processo de substituição de grãos de arábica nos blends de indústrias da Europa, Japão e América do Norte, pois estes se mantiveram com valores equivalentes ao dobro dos de robusta em boa parte desses anos.
A questão mais delicada pela perspectiva de mercado está na composição dos blends industriais, cuja esmagadora maioria de produtos disputa espaço nas gôndolas dos supermercados.
Nesta conhecida arena, onde produtos de consumo do mesmo segmento disputam acirradamente seu espaço, boa parte dos freqüentadores se caracteriza pela sua sensibilidade aos preços. Isto quer dizer que, em momentos que a economia de um país passa por turbulências, há um evidente movimento de substituição por produtos de uma determinada categoria por outros mais em conta pelos consumidores. Este é também o perfil típico de consumidores de classes econômicas C e D, que são muito mais racionais nas compras que os das classes A e B.
Manter preços competitivos no varejo foi uma das razões para que o ritmo de crescimento do consumo do café em todo o mundo se mantivesse vigoroso desde então. É possível verificar que há anos os preços de café no grande varejo vem se mantendo praticamente estável.
Portanto, a produção crescente de robustas, muito mais produtivos e com menor custo de produção que lavouras de arábica, permitiu a manutenção de consumidores cativos e a entrada de tantos outros novos, mesmo com menor poder aquisitivo, ao longo destes anos.
Deve ser observado que todos os grãos, de qualquer espécie e variedade que sejam, tem seu papel relevante no mercado e que o crescimento de consumo se faz através de todos os seus segmentos, desde os mais competitivos aos mais sofisticados. Ou seja, apesar da grande diferença sensorial que um Conilon e um Bourbon podem apresentar, cada um tem o seu espaço no mercado, fato bem mais evidente na composição dos blends industriais.
Daí a existência de um efervescente movimento preocupado em aprimorar os atributos sensoriais dos robustas em todo o mundo, seja no maior cuidado durante a colheita e secagem, seja na introdução de processos que podem melhorar seu sabor final. Isto tanto é verdade que recentemente a Nespresso, divisão de cafés sofisticados da gigantesca Nestlé, lançou uma cápsula onde foram empregados grãos de Robusta em grande proporção: o Kazaar.
Considerado como seu blend de maior intensidade de sabor, recebendo um inédito índice "12" numa escala que no máximo sempre se manteve no índice "10", é composto de grãos arabica do Cerrado e em maior parte por dois robustas, um Conilon brasileiro e outro raríssimo Robusta da Guatemala. Certamente, esta é a informação que mais causa espanto, uma vez que aquele país centroamericano é famoso pelos sofisticados sabores dos seus grãos arábica vulcânicos vindos de cultivos à grandes altitudes.
Na realidade, a Guatemala possui algo como 2% de sua produção de Robusta, localizada em sua Costa Pacífico, na região de Retalhuleu. Produção pequena e rara, o suficiente para ganhar "status" de exótico.
Este é um caso extremo, estruturado num modelo de consumo sofisticado, mas que apresenta notável quebra de paradigmas.
Há que se tranqüilizar, por ora, pois em termos sensoriais, um blend misto arabica-robusta ou single de um Catuaí Amarelo, por exemplo, continuarão agradando muito mais, porém, este é um claro sinal de que um Conilon ou Robusta bem preparados podem surpreender...
A criatividade humana desconhece barreiras, podendo, numa obstinada busca pelo novo, encontrar e proporcionar experiências a princípio excitantes que se tornam, com o tempo, em sucesso duradouro. Veja que até recentemente ingredientes culinários como as lesminhas de árvores encontradas no Pará ou mesmo prosaicas plantinhas como a mineira Ora-Pro-Nobis eram empregadas por pessoas simples em suas refeições do dia a dia. Hoje, são elementos valorizados graças ao trabalho de grandes Chefs que os descobriram e propuseram novos preparos.
Elevar variedades da espécie canephora a um patamar de alto luxo como fez a Nespresso foi um lance de grande ousadia e, ao mesmo tempo, uma firme aposta na mudança da percepção e compreensão do consumidor quanto aos conceitos clássicos de qualidade de café.
Portanto, tudo depende de como mentes criativas e mãos habilidosas podem transformar algo que supostamente é um produto de segunda classe em um prato ou bebida inesquecíveis.
O que importa é o piloto e não o carro...
Levando-se em conta que a capacidade humana de pesquisar e desenvolver novos produtos desconhece fronteiras, é possível acreditar que ainda há muito o que surgir num cenário cafeeiro onde os principais atores são os grãos de arabicas e robustas. Porém, isto tudo nos leva a uma profunda reflexão do papel que a qualidade do café cru oferecido no mercado, independente da espécie ou variedade, tem e que mudanças que a tecnologia incorporada pode provocar junto aos produtores, à indústria, ao comércio e aos consumidores.
* foto de Divulgação, NESPRESSO, 2010.