Numa linha industrial onde está sendo confeccionada, por exemplo, uma determinada peça, todas deverão ser semelhantes, porém nenhuma será perfeitamente igual. É aí que entra o conceito estatístico de "tolerância", que verifica se um determinado processo é mais, digamos, regular ou não se as medidas dessa peça estiverem dentro ou fora de uma determinada faixa de variação. Se admitirmos que nessa linha industrial estiver sendo fabricada uma peça no formato de um cubo onde o lado deve ter 10,0 cm, é razoável pensar que se essa medida ficar entre 9,9 cm e 10,1 cm estará dentro de uma faixa de tolerância admissível. A olho nu essa diferença se mostra muito pequena, passando quase despercebida, porém se esse cubo for acondicionado num caixa que tenha como medida interna exatos 10,1 cm, é bem provável que ele acabe não entrando caso sua medida principal ficar com 10,1 cm...
Dessa forma, podemos considerar que as medidas sempre admitem uma variação, cuja dimensão está correlacionada com o que se chama de precisão. Quanto mais precisa é uma medida, menor é essa variação e, portanto, menor deverá ser a tolerância para este caso.
Foto 1. Orquídea, Ensei Neto.
Se levarmos essa mesma visão para as coisas da Natureza, é possível observar que as formas vigentes seguem um padrão definido, porém apresentam uma tolerância aceitável que nos leva a concluir de forma grosseira que são praticamente iguais. Algumas orquídeas florescem em cachos e suas flores nos parecem iguais, mas quando observadas de perto, como nesta foto, as diferenças que expressam sua individualidade nos saltam aos olhos. Ou seja, tudo nos parece tão igual, mas é tudo muito diferente!
O conceito de semelhança pode estar ligado ao aspecto visual, como pode ser visto nas formas geométricas presentes em todo o espaço ou nas cores que permeiam tudo em nosso redor.
O homem moderno é essencialmente "visual", pois é o sentido mais explorado. Você já percebeu como as telas de TV "cresceram" das tradicionais medidas de 20" (vinte polegadas) para as de 50"? E que a tecnologia que vem ganhando incríveis avanços é a de 3D (= 3 Dimensões), que é como vemos o mundo? Neste campo tudo converge para a maior definição possível de imagem.
Os cardápios de lanchonetes e mesmo de alguns restaurantes apresentam fotos caprichadas dos pratos servidos como que saltando para nossa mesa! Isto faz sugerir ao nosso cérebro uma mensagem de que tudo aquilo é muito saboroso. Sim, somos muito "visuais"...
No entanto, quando há a perda desse sentido ou mesmo no caso de diminuição de sua capacidade, os outros se amplificam como forma natural de compensação. Por exemplo, perceba que ao ouvir uma música com os olhos fechados o som se apresenta mais envolvente e até é possível desvendar alguns instrumentos a princípio menos evidentes. A nossa audição possui uma capacidade impressionante de distinção de diversos timbres sonoros, apesar de estar situada em faixa muito mais estreita que a dos cães, a título de comparação.
Ao passarmos para as sensações como o Paladar e o Olfato, fica ainda mais evidente que cada coisa da Natureza possui sua individualidade.
Foto 2. Morangos, Ensei Neto
Verifiquemos o caso de um cesto de morangos, como os desta foto. Aparentemente todos maduros, quase de mesmo tamanho e forma. Mas, quanto ao sabor... Quando experimentados um a um, percebe-se uma variação de notas de sabor: alguns mais adocicados, outros com maior acidez. E quanto mais são testados, mais notável é a percepção de como são diferentes!
As frutas combinam todos os Sabores Básicos (que são Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami) juntamente com os Sabores Complexos, conferindo características particulares a cada uma. Essa incrível possibilidade de combinações de aromas e sabores faz com que possamos identificar um grande número de distintas frutas, por exemplo. Apesar das similaridades, é muito perceptível a diferença de sabores entre a nêspera e o pêssego.
Mesmo entre frutas de mesma espécie, é possível distinguir as distintas notas de sabor, como as que existem entre uma banana nanica e uma prata. Logo, é compreensível a influência da variedade na percepção das notas de aroma e sabor entre os vegetais em geral, pois há uma ligação direta com as características genéticas.
Essas características genéticas necessitam de determinadas condições ambientais para que possam se expressar de forma mais ou menos intensas, conduzidas pelo efeito de "adaptação", como observado por Darwin em situação extrema. É por isso que o clima tem influência decisiva no ciclo das plantas, constituindo um estudo específico, denominado Fenologia. Lembrando que, de forma simplificada na óptica científica, a Vida é um intrincado conjunto de reações químicas e bioquímicas, cuja velocidade é determinada pela combinação da temperatura e pressão ambiental, pode-se concluir que o clima é um elemento de extrema importância na produção agrícola.
O clima tem correspondência direta com a posição geográfica do cultivo, ou seja, no caso de quão distante está da linha do Equador, se em localidade elevada ou baixa, se a topografia é montanhosa ou lembra uma grande mesa, se está sob maior ou menor influência das massas úmidas dos oceanos. São muitas variáveis a serem consideradas, não?
Foto 3. Lavoura e Terreiro, Manhuaçu, MG, Ensei Neto.
Essa combinação de fatores climáticos determina a faixa de temperatura de uma determinada região, que é o indicador da aptidão local para cada cultura agrícola. Na realidade, um rigoroso estudo de aptidão deve levar em consideração a média das temperaturas máximas e mínimas, e não apenas a temperatura média "média", porque para plantas de características genéticas sofisticadas, como o cafeeiro, é mais relevante se conhecer a amplitude térmica de uma determinada localidade do que sua temperatura média. Isto se deve ao fato de que o cafeeiro, por exemplo, tem uma faixa de temperatura ótima, quando o seu desempenho é melhor. Em limites inferiores de temperatura, a planta entra em dormência ou hibernação (tão "inteligente" quanto os ursos...), assim como tem um deficit energético em altas temperaturas, quando consome mais energia para sua manutenção do que consegue produzir (assim como consumimos mais energia para nos resfriar no verão tórrido usando o ar condicionado). Essas plantas mais sofisticadas são mais sensíveis às variações climáticas, criando diferentes resultados, mesmo em locais aparentemente próximos.
Esse fino ajuste de temperatura que interfere diretamente no desempenho metabólico da planta (suas reações da vida...), ora acelerando, ora freando, determina o incrível arranjo de açúcares que deve ser formado como objetivo principal dos seus frutos: atingirem a plena maturação. É isso mesmo: todo fruto quando nasce quer se tornar perfeitamente maduro quando crescer!
É a compreensão desses dois conceitos que nos leva a fazer uma correta seleção da melhor variedade para um determinado local, ou seja, cada lugar deve ser ocupado pelo cultivar mais apto.
Porém, há um outro aspecto que não deve ser esquecido: o café é um exemplo perfeito de produto de "terroir", pois o conjunto solo-clima-varietal-manejo determina como ele irá se expressar. Assim, uma mesma variedade poderá apresentar diferentes expressões em cada localidade. Uvas viníferas "Cabernet Sauvignon" plantadas aos pés dos Andes geram vinhos com personalidade muito distinta daquelas que estão no Napa Valley, CA, USA, ou mesmo no brasileiro Vale dos Vinhedos, RS. Da mesma forma, um Mundo Novo plantado em Antigua, Guatemala, dará uma xícara com notas de aroma e sabor muito diferentes das de outro, cultivado em Franca, Mogiana/SP.
Se o clima, dentre o conjunto que determina o "terroir", é o elemento mais mutável, fica fácil de compreender porque pode se afirmar que as safras de café nunca se repetem ou são sempre diferentes, seja no aspecto quantitativo como no qualitativo. É interessante observar que sob o conceito de média aritmética pura e simples, o clima apresenta certa estabilidade, o que nos leva a crer em um padrão repetitivo ou de semelhança, porém ao se analisar de forma estratificada, as diferenças se evidenciam como no ajuste das máquinas de uma linha industrial. Medidas aparentemente semelhantes a grosso modo, quando verificadas de forma minuciosa mostram que suas diferenças podem ser maiores do que se imagina!
Portanto, é de se esperar que a cada ano os resultados na xícara sejam diferentes, mesmo que de forma sutil, o que pode ser empregado como estratégia para provocar o maior interesse do consumidor sobre as safras de café. As sofisticações conceituais devem ser adicionadas com o objetivo de estimular e promover o maior consumo através de maior conhecimento e informação, permitindo gradativamente agregar maior valor. Os produtos estabelecem posicionamento no mercado através do reconhecimento dos seus atributos pelo consumidor, percepção que, por sua vez, é resultado de intenso processo educativo. Os mercados se desenvolvem e estabelecem novos patamares de valores e serviços na medida que o consumidor se torna mais exigente. Isso ocorre em todos os setores e segmentos, como vinhos e as pastas de trigo de grão duro, entre os alimentos, também no surgimento de resorts, na hotelaria, ou mesmo com a única experiência de pilotar carros de Fórmula 1, como existe na Itália.
O ser humano é, antes de tudo, um ser "sensorial", movido à experiências com as sensações...
A compreensão das mudanças climáticas podem nos dar pistas valiosas para um manejo mais adequado da colheita e processo de secagem dos valiosos grãos de café, pois cada um deles tem correlação direta com as notas de aroma e sabor, juntamente com a composição de açúcares, que poderão ser percebidas na xícara e, assim, conquistar os "loucos" por café. Só que este é um tema para uma outra oportunidade...