Essa divisão, comum na agricultura, facilita aos produtores conhecerem cada uma de suas lavouras que, dentro de uma mesma propriedade, crescerão em solos mais úmidos ou arenosos, estarão em altitudes e localização diferenciadas, recebendo maior ou menor intensidade de sol e vento, estarão mais próximas de cursos-d´água que outras. Juntam-se a essas peculiaridades as características da variedade cultivada, a tecnologia investida na lavoura, as intempéries da safra vigente e, enfim, o resultado de todas essas combinações na bebida.
Colcha de retalhos
O produtor José Roberto Canato esmiuçou sua fazenda em uma centena de microtalhões para garantir qualidade e rastreabilidade à produção. A Monte Verde, localizada em Carmo de Minas, na Serra da Mantiqueira, Sul de Minas Gerais, possui 128 hectares de lavouras, com 626 mil pés de café, entre bourbon amarelo, mundo novo, catuaí, catucaí, icatu amarelo e acaiá. "Cada pedaço de terra da fazenda tem necessidades diferentes, em relação aos adubos, defensivos, poda e colheita. O mesmo café que tenho plantado aqui [aponta para onde estamos] revela-se um pouco mais doce ou um pouco mais cítrico que o que está logo ali, adiante", explica o produtor. Ele dividiu as lavouras em 12 grandes talhões, cada um com subdivisões que separam os cafeeiros em poucos hectares, onde existe uniformidade em todas as condições produtivas.
Quando o café de uma dessas pequenas áreas apresenta um potencial de altíssima qualidade, passa a receber uma atenção maior, quase artesanal, potencializando a expectativa criada. O conceito de microlote está intimamente ligado à agricultura de precisão e à rastreabilidade do café em todas as etapas de produção. É assim que Canato seleciona seus cafés campeões, como o quarto lugar do último Cup of Excellence do Brasil.
Os brasileiros também podem apreciar seus microlotes em cafeterias de São Paulo (SP), como a Suplicy Cafés Especiais, que adquiriu 126 sacas de um café similar ao do Cup, mas de peneira 14/15, o mokinha, que é oferecido coado; e de Curitiba (PR), como a Lucca Cafés Especiais, que adquiriu 57 sacas de bourbon amarelo, o terceiro lugar do concurso de qualidade da Emater-MG na categoria natural. O blend internacional da italiana iIllycaffè ganhou, na última safra, 27 sacas de um catuaí amarelo, cereja descascado, do talhão Morro Redondo; enquanto a suíça Nespresso aproveitou alguns bourbon amarelo para o seu Grand Cru Dulsão do Brasil.
As outras casas de café nacionais que têm interesse pelo cardápio de microlotes da Monte Verde têm de disputá-lo ainda com clientes internacionais. Hoje a trader CarmoCoffees, do degustador Jacques Carneiro, é responsável por exportar grande parte da produção da fazenda.
Com sabor de chocolate
Cafés exclusivos, de séries limitadas, sempre chamaram a atenção. Se forem excepcionais, melhor ainda. Mercados mais maduros no consumo de café, como os países escandinavos, os Estados Unidos e o Japão, são os maiores importadores de microlotes de todo o mundo, inclusive brasileiros. Para encontrá-los, garimpam em fazendas produtoras de safra em safra ou estabelecem parcerias comerciais com traders que fazem essa primeira etapa de seleção, para finalizá-la por meio de cupping das amostras.
O português Mané Alves, degustador e mestre de torra do Coffee Lab Internacional - situado em Vermont, Estados Unidos -, lembra que o conceito de microlote tem dois componentes: um de qualidade e um de quantidade, que estão correlacionados. Se antes ele ficava frustrado quando não conseguia comprar novamente um café que tinha apreciado, hoje se superou: "No Coffee Lab não compramos por costume, compramos os cafés que achamos bons".
O engenheiro-agrônomo e pesquisador Gérson Silva Giomo, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), explica que o instituto quer oferecer aos produtores um leque maior de variedade genética. "O mercado de cafés especiais hoje não está procurando cafés com gosto de café, mas de frutas, com aromas de chocolate e baunilha", brinca, mas com razão. Segundo ele, 80% do café produzido no Brasil hoje é mundo novo ou catuaí, e para conseguir um melhoramento, é necessária uma base genética diversificada.
Limpos, doces e frutados
No Brasil ou no exterior os compradores estão cada vez mais exigentes na busca pela qualidade e nuances específicas de sabor, corpo e aroma dos grãos nacionais.
A dinamarquesa The Coffee Colective tem uma relação comercial direta com a fazenda brasileira Daterra, de quem adquire o rótulo Sweet Collection para compor o blend de espresso da casa, que muda periodicamente. "O Sweet Collection não é um microlote, mas uma mistura de diversos microlotes que são provados separadamente para compô-lo. Nós visitamos a Daterra pelo menos uma vez por ano e eles nos deixam provar cada um deles", diz Klaus Thomsen, barista campeão do mundo (2006) e um dos quatro integrantes do coletivo.
Klaus explica que a ausência de defeitos é a característica mais valorizada por eles, seguida de doçura e de sabores frutados.
Outros compradores de cafés especiais, como a norte-americana Intelligentsia Coffee & Tea, adquirem cafés brasileiros todo ano, mas optam por trabalhar com traders: "Nós escolhemos nossos cafés provando as amostras em cuppings", afirma o CEO Doug Zell. Os microlotes adquiridos pela Intelligentsia são mais que pequenas porções: "São cafés de um talhão específico, de uma fazenda específica e que têm uma qualidade excepcional na xícara: 92 ou mais, na nossa avaliação".
Enchendo contêineres
A trader Brazilian Estate Café Corporation (Beccor), localizada em Oregon, nos Estados Unidos, é uma verdadeira vitrine para o café brasileiro. Seu idealizador, Bruno Souza, enxergou uma oportunidade no mercado quando percebeu, há quase uma década, a dificuldade de valorizar o café brasileiro no exterior e, principalmente, o custo para o comprador de importar poucas sacas de café.
Alinhado com o então emergente setor de cafés especiais, Bruno passou a importar contêineres de microlotes. Produtor do Cerrado Mineiro e degustador, neste ano Bruno provou 230 amostras de cafés especiais brasileiros e, sabendo o que o mercado comprador queria, selecionou 60 para encher três contêineres, todos com microlotes de 10, 20 e 60 sacas. Na carteira de clientes, mais de 25 Estados norte-americanos e canadenses que têm acesso a um produto diferenciado.
De uma safra para outra, investimentos em tecnologia apontam novos polos de referência, enquanto uma dedicação cada vez mais artesanal desabrocha preciosidades isoladas que chegarão aos consumidores de outras regiões do mundo não só como uma xícara de café excepcional, mas também como experiência cultural.
A matéria é do Portal Espresso, resumida e adaptada pela Equipe CaféPoint.