Um dos conceitos mais importantes e que deve ser respeitado pelo produtor é o de que o café é um fruto e como tal merece um tratamento à altura dos prodígios que ele pode levar à xícara. Como fruto, ele faz parte do chamado grupo que somente amadurece enquanto estiver ligado à planta, ou seja, diferentemente do mamão e da banana, por exemplo, caso retirado antes de sua plena maturação, este processo fica interrompido definitivamente.
Café Mundo Novo
Com base neste primeiro e fundamental dado, muito do que se terá na xícara é resultado da escolha do momento para se proceder a colheita do café. Portanto, a tradicional máxima de "colher sempre com a maior quantidade de maduros" deve prevalecer. No entanto, essa máxima, também, pode ser entendida sob outro foco: colher sempre com a menor quantidade de verdes e imaturos! E por quê?
Ora, como se sabe, grãos verdes e imaturos conferem adstringência à bebida, que é a sensação de "pega" na língua muito parecida com o que uma banana ou um caqui verdes provocam. Essa adstringência, sendo uma sensação desagradável, é considerada, inclusive, como defeito, fazendo parte do famoso trio PVA - Pretos, Verdes e Ardidos da COB - Classificação Oficial Brasileira.
Deve ser lembrado que o chamado Cinturão de Café do Brasil se distribui entre os paralelos 14º Sul e o Trópico de Capricórnio e que boa parte das lavouras se encontra a uma razoável distância do litoral, fazendo com que fiquem sob influência de um padrão climático continental, e que nesta época do ano, após o solstício de inverno, a umidade do ar tende a cair rapidamente, conjugando-se com temperaturas mais baixas.
Este efeito faz com que os cafeeiros interpretem esses sinais como um aviso para se prepararem para um período de nova floração. Portanto, os frutos tornam-se peças indesejáveis e é quando se verifica com maior intensidade um efeito particularmente desastroso para as boas xícaras de café: muitos desses grãos não atingem a plena maturação e como se saltassem um período da vida, passam da fase verde-cana diretamente para o "passa".
Isso explica, em parte, porque esse tipo de grão com uma secagem forçada pela natureza tem aparecido com mais frequência nos últimos anos. Foram diversas floradas observadas ao longo do ano e frutos que não tiveram sua total maturação completada! A qualidade da bebida está diretamente relacionada com o teor de açúcares no grão. Simplesmente isso!
A maior quantidade de açúcares confere o principal atributo num café, que é sua doçura. Tal qual as frutas, as melhores são as mais adocicadas, quando estão perfeitamente maduras. Observe, agora, alguns dos benefícios que um fruto maduro leva à bebida:
• Doçura: cafés de bebida adocicada se enquadram como de "Bebida Mole" e "Bebida Estritamente Mole". São diversos os tipos de moléculas de açúcar presentes no grão, desde os de maior complexidade até os mais simples e de maior impacto de sabor, como a sacarose, glicose e frutose. Estes três últimos são responsáveis praticamente por toda a percepção da sensação doce pelo ser humano.
• Corpo: é a sensação tátil que uma bebida provoca em nossa boca, como algo que transmita densidade dentro de limites como oleoso ou aguado. Quanto mais adocicado é o café, maior corpo irá apresentar. Em parte isto se explica devido à caramelização dos açúcares que ocorre durante o processo de torra do café.
• Finalização agradável: a finalização é o atributo que se verifica após a ingestão da bebida, observando-se tanto sua persistência na boca, quanto a qualidade da sensação restante. É agradável ou áspera, por exemplo, ou deixa uma sensação de secura ou de frescor.
• Sabor: é aqui que se observa o grande ganho na bebida! O açúcar, que confere o sabor adocicado à bebida, potencializa os outros sabores básicos, principalmente a acidez. Assim, uma acidez cítrica, a mais presente em cafés brasileiros, ganha característica adocicada se o grão for colhido maduro, melhorando em muito a percepção desse atributo. Imagine a diferença entre chupar um limão e uma tangerina. Ambos possuem ácido cítrico em teores muito próximos, porém a presença do açúcar na tangerina modifica sua impressão, transmitindo que sua acidez é mais agradável.
Pela visão da Ciência dos Alimentos, o sabor doce possui um papel muito importante na melhora de alguns atributos sensoriais, sendo empregado industrialmente até como um corretivo de sabor. Naturalmente, há um limite para o seu emprego na indústria, principalmente quando começa a descaracterizar o produto original.
Outro dado interessante está na composição dos açúcares presentes no grão de café. Majoritariamente, são três os açúcares: a frutose, a glicose e a sacarose. A sacarose é um dissacarídeo, ou seja, é um tipo de açúcar formado por dois outros açúcares mais simples, no caso a glicose e a frutose. Estes são denominados monossacarídeos, os açúcares simples.
O Poder Adoçante de um açúcar, que é sua capacidade de conferir o sabor doce a um alimento, é estipulado dentro de uma escala onde a sacarose, que é o açúcar de cana, considerada como referência, apresenta Poder Adoçante igual a 1,0 (PA = 1,0).
A glicose, que é encontrada, por exemplo, no mel de abelhas, apresenta PA = 0,7. Ou seja, ela possui um poder adoçante 30% menor do que a sacarose. Enquanto a frutose, presente principalmente nas frutas, daí o nome comum de "açúcar das frutas", tem PA = 1,7. Sim, é 70% maior o seu poder adoçante do que a da sacarose.
Em geral, o teor total de açúcar é idêntico nas diversas variedades do Coffea arabica, porém a sensação de doçura das bebidas pode ser muito distinta em razão de como esse "Trio Doçura" está constituído! Algumas variedades têm em sua composição maior presença de frutose do que de sacarose ou mesmo glicose. É o caso em que o sabor final se apresenta mais adocicado, devido ao maior Poder Adoçante da frutose. Variedades amarelas têm a tendência de registrar maior presença da frutose nessa trinca.
Bourbon Amarelo
Pessoas treinadas conseguem perceber a diferença entre os tipos de doçura (sim, as percepções do sabor doce são variadas!), diretamente relacionadas com a estrutura molecular de cada açúcar. Apesar de possuírem o mesmo número de átomos de Carbono, Hidrogênio e Oxigênio, seu arranjo é diferente. Por exemplo, tanto a sacarose quanto a glicose possuem estrutura molecular assemelhada, tendo radicais hidroxilas e um grupo aldeído. Isso explica porque sua finalização apresenta longa persistência e, ao mesmo tempo, um toque ácido. Faça essa experiência com o mel de abelhas e o açúcar refinado, por exemplo.
A frutose, por outro lado, possui um radical cetônico (c=o) na região central da molécula. O resultado: seu sabor apresenta particular característica de frescor, típico das frutas, e, por isso mesmo, sua persistência é menor em relação ao da glicose ou sacarose.
Alguns médicos não recomendam muito o uso da frutose, que pode ser encontrada nas gôndolas de produtos dietéticos dos supermercados, aos diabéticos justamente devido ao seu poder adoçante maior e, principalmente, porque sua doçura de tão agradável chega a ser viciante, além do que leva ao acúmulo de gordura.
Em parte, o sucesso das variedades amarelas advém dessa interessante composição dos açúcares. Obviamente, existem diversos outros componentes que acabam interagindo na elaboração de um perfil de sabores mais complexo. Porém, a mensagem que fica é que o açúcar é o grande elemento do prazer no café. Pense nisso e capriche em sua colheita!