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A desafiadora e interminável busca do sabor regional - 1

POR ENSEI NETO

GIRO DE NOTÍCIAS

EM 19/11/2012

7 MIN DE LEITURA

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Iuri Gagarin foi o primeiro astronauta do mundo. Em abril de 1961, então com 27 anos, oficial da força aérea soviética e habilidoso piloto de caças MiG, foi selecionado para fazer o primeiro giro orbital tripulado na diminuta nave Vostok 1.

Já em órbita, ao avistar nosso planeta, disse a famosa frase: A Terra é azul!

A beleza do nosso planeta é realmente exuberante, como é comum hoje se ver em incríveis fotos tiradas de satélites. Uma esfera azulada entremeada por um mutante mosaico branco de ampla tessitura, que são as nuvens em constante movimento na atmosfera, lembrando com perfeição uma bola de gude!

Ao se fazer uma aproximação, ficam mais evidentes formações multicoloridas emergindo dentre um grande manto azul marinho, que são os vários continentes. Continuando a aproximação, pode-se cair num país qualquer ou, melhor ainda, numa região que apresenta uma magnífica floresta tropical ou uma insinuante cordilheira de montanhas. É interessante observar que conforme a distância de observação diminui os detalhes de topografia se tornam mais claros, quando diferenças, antes ínfimas, se agigantam.

Quando a altitude de observação para o olhar humano fica a poucas centenas de metros, a topografia nos parece com contornos mais precisos, permitindo distinguir, por exemplo, o desenho de uma lavoura de café. Mas é ao andar por uma lavoura que fica fácil perceber como cada planta tem sua individualidade, por mais semelhantes que possam parecer entre si.

Assim são as coisas da Natureza, principalmente no caso de plantas mais, digamos, inteligentes, como o cafeeiro.

As árvores frutíferas são as mais sofisticadas dentre os vegetais, pois respondem com maior intensidade às alterações de clima e manejo, fazendo manifestar os efeitos sem qualquer sutileza em seus frutos. Essa pouca sutileza na verdade é uma característica altamente desejável, pois é o típico sinal de que se trata de um Produto de Território*.

Desde o final do Século XX, como parte de estratégias de sofisticação e de valorização do café, um movimento de comparação com o vinho se tornou bastante forte.

No Brasil a primeira região cafeeira a trabalhar na demarcação territorial e, consequentemente, na tipificação de sua produção foi o Cerrado Mineiro.

Com base nos processos de Denominação de Origem de vinhos portugueses e franceses, as entidades do Cerrado, na época capitaneadas pelo CACCER - Conselho das Associações de Cafeicultores do Cerrado, num esforço pioneiro fizeram a demarcação da área de produção que envolvia 55 municípios localizados no Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e Noroeste de Minas. Em 2005 teve sua Indicação de Procedência outorgada pelo INPI.

Em 2011 foi a vez da Serra da Mantiqueira - Aba Mineira obter sua IP, abrangendo 22 municípios e parte do famoso Circuito das Águas, onde se encontram São Lourenço, Lambari e a pequena, mas famosa, Carmo de Minas. Com uma área muito menor que a do Cerrado Mineiro, além de uma topografia muito distinta (montanhas aqui, planalto lá), e do particular clima Subtropical de Altitude, a condução dos cafezais da Serra da Mantiqueira possui muito pouca mecanização.

Finalmente, em novembro de 2012, o Norte Pioneiro do Paraná, de localização eminentemente Subtropical (em sua grande parte com Latitude Sul maior que o do Trópico de Capricórnio), recebeu sua IP.

A grande questão após a demarcação territorial é identificar o Sabor Regional, que caracteriza cada IP. E aqui começa uma busca que pode simplesmente não ter fim, dependendo do foco que cada organização regional adotar.

Um Produto de Território pode ser definido como aquele que recebe influência direta de uma intrincada combinação das condições geográficas (solo e clima), da botânica (variedades empregadas) e do manejo na produção, cujo resultado, a princípio, são sabores típicos.

Voltemos um pouco ao Zoom que propus de olhar a Terra do espaço até caminharmos por uma lavoura de café. No meio do caminho já é possível perceber que a topografia ganha contornos muito específicos a partir de alguns poucos quilômetros de distância.

Numa região montanhosa como a Serra da Mantiqueira pode-se notar a multiplicidade de faces de insolação (da "Noruega" ao "Soalheiro" como dizem os amigos de lá...) e do regime de chuvas de um vão a outro, isso sem falar nas muitas variedades plantadas, apesar da presença maciça do Bourbon e do Mundo Novo.

Ao se olhar região do Cerrado Mineiro, sua grande extensão territorial impõe um notável mosaico de climas e realidades topográficas. Nessa IP, onde os extremos de Norte a Sul tem mais de 600 km de distância, o desafio de se encontrar uma bebida característica que represente simultaneamente ambientes marginais de quase semi árido, como o Vale do Urucuia, e os de clima semelhantes ao do Sudeste de Minas Gerais, como Araxá, é muito maior.

Como é possível conciliar esses diversos sabores tão distantes entre si?

Se for lembrado que para identificar consistentemente as características sensoriais médias dos cafés dessas duas Origens, por exemplo, é necessário que alguns parâmetros se tornem consistentemente estáveis, o que é quase impossível pelo fato de ser Café, um típico Produto de Território e que é, portanto, sujeito aos humores do clima!

Cada Safra é efetivamente uma Página da História. Por mais que se acredite que exista um padrão climático numa região, a verdade é que em cada ano o clima se comporta diferentemente, muitas vezes de forma sutil, outras nem tanto.

A saída encontrada pelo Cerrado Mineiro, na época, foi o de estabelecer como referencia um padrão médio de qualidade, que através de uma avaliação sensorial pela Metodologia SCAA começava nos 75 pontos SCAA. Bingo!

Dessa forma, haveria espaço para absorver os desvios climáticos de cada ano, bem como contemplaria com maior tranqüilidade a média da qualidade produzida na região.

Ledo engano pensar que numa região se produza somente cafés espetaculares. Nada como uma velha e boa análise estatística para desmistificar isso.

Assim como no caso das mais importantes Denominações de Origem de Vinhos, caso do Vinho do Porto e do Vinho Regional do Alentejo, de Portugal, ou de Bordeaux e Champagne, da França, é usada como referência uma qualidade sensorial mediana. Naturalmente, conforme a qualidade sensorial melhora, o produto é alçado a uma classe superior.

O grande risco de se buscar um sabor magnífico e espetacular logo de saída para representar sensorialmente a bebida de um café de uma IP é que o resultado pode nunca representar a região!

É sofisma pensar que o supra sumo é representativo.

Estatisticamente cafés de alta qualidade compreendem uma pequena fração do que é produzido em qualquer propriedade, enquanto que cafés excepcionais, ainda mais refinados, não passam de meros 1% a 3% do produzido. Ou seja, um sabor excepcional estaria representando no máximo um micro lote de um produtor...

O refinamento técnico de um lote de café o torna cada vez mais distante da média, ficando a léguas de um modelo de representatividade real.

Ao se levantar a bandeira de uma região, automaticamente deve existir um sentimento de coletividade, que se valida caso todos estejam efetivamente representados. O sentido de coletividade é sempre representar a média!

Na verdade, Produtos de Território estão muito mais ligados aos Produtores do que às Regiões, pois é a sua sensibilidade em interpretar dos sinais da Natureza, combinada com um bom domínio técnico, que se traduz na obtenção de excelentes produtos ou, no caso, excelentes cafés.

Entretanto, há ainda um outro ponto delicado a se considerar, a partir do qual o Vinho e o Café mostram porque são diferentes: o Vinho é um produto de consumo pronto, que passou por um processo industrial completo, enquanto que a semente do café é simplesmente uma matéria prima. Até chegar à xícara, quando será apreciado por um ávido consumidor, a semente precisa passar ainda por processo industrial (a Torra), antes mesmo do serviço de extração.

Este é o grande nó que as origens produtoras de café não tem conseguido desatar, pois cada torrefação nos diferentes países consumidores, que são, afinal, os grandes compradores internacionais de excelentes cafés, dá o seu Toque Humano através de cada profissional conhecido por Mestre de Torra.

Sim, cada Mestre de Torra trabalha de forma particular, cada qual em seu país, usando equipamentos e técnicas próprias. É daí que surgem os sabores que se expressam distintamente em cada xícara, seja nos Estados Unidos, no Japão, na Dinamarca ou na Austrália, apesar de terem saído de uma mesma Origem.

Um mesmo lote de café pode apresentar sabores muito diferentes em cada destino depois de torrado e extraído. Isso é tão certo quanto o fato de cozinheiros de dois restaurantes prepararem um prato usando os mesmos ingredientes. Os resultados são sempre distintos, pois cada um fará a sua interpretação das matérias primas e fará uso de técnicas próprias, como parte da criatividade humana!

Ou seja, o Café como um Produto de Território, então, não passa de simples matéria prima?

Se assim for, o sabor típico de uma Indicação de Procedência ou Denominação de Origem de Café será sempre um sonho inatingível pelos produtores?

E agora, José?


* Hoje em dia prefiro usar a palavra Território (afinal, temos uma boa palavra em nossa língua!) e o termo Produto de Território como correspondentes à francesa Terroir.

ENSEI NETO

Especialista em Cafés Especiais.
Consultor em Qualidade e Marketing, Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Produtos & Novos Mercados.
Juiz Certificado SCAA e Q Grader Licenciado.

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ALBINO JOÃO ROCCHETTI

FRANCA - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 30/11/2012

Obrigado, José Adauto, de Marumbi - PR, terra boa,outrora hospedeira de grandes Perobas, que abatidas deram lugar a muitos cafezais do Norte Paranaense, no fim da década de 40 e início da de 50!


Pois então uma voz paranaense se levanta para apoiar uma voz mineira!


Muito obrigado, e vamos sustentar a verdade: que o nosso café é muito bom há muito tempo!


Faltou a gente fazer o que os colombianos fizeram : levar esta verdade para o mundo.


Albino.
JOSÉ ADAUTO DE ALMEIDA

MARUMBI - PARANÁ - PROVA/ESPECIALISTA EM QUALIDADE DE CAFÉ

EM 30/11/2012

Albino,seu questionamento esta correto.

Hoje , muitos provadores estão "misturando" a tradicional  prova comercial (...mole, dura, riada, rio...) com a prova para Cafés Especiais (...BSCA,gourmet...) onde  se avalia muitos outros atributos do café.

Tem muita gente "sonhando só com cafés especiais" e esquecendo o tradicional, que é  o mais produzido, consumido  e exportado.

ALBINO JOÃO ROCCHETTI

FRANCA - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 29/11/2012

Sou nascido em família de cafeicultores e continuo na atividade, como pequeno cafeicultor em Itamogi - MG e como eng. agrônomo na região de Franca - SP.


Cresci e me formei ouvindo falar que nosso café (da famìlia) e do Brasil era de ótima qualidade


Tive um tio diretor do extinto IBC e um irmão classificador de café, também do extinto Instituto: e eu sempre via as planilhas de seu trabalho, com altas porcentagens de bebida mole, em cafés da região mogiana mineira (de Poços de Caldas até Passos).


Noto que os cafeicultores desta região não pioraram os métodos de preparo pós colheita, até o melhoraram.


Pergunto então: porrque hoje não alcançamos os mesmos padrões de classificação?

Mudaram os métodos de classificação? - mudaram as exigências? - piorou a técnica dos provadores que não se arriscam a atestar que determinado café é mole? - ou é tudo orquestrado para desvalorizar o nosso produto enquanto ele etá nas nossas mãos e só ganha boas notas após comercializado??? - Eu só gostaria de entender...


Albino João Rocchetti - Franca - SP.
LUIZ SIMONI

UMUARAMA - PARANÁ - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 29/11/2012

A uniformidade de lotes de café limpo tem variação após o benefício. Agora, falando-se em torra aí a uniformidade acaba.

Antigamente torrava-se até os grãos ficarem próximo da cor preto. Pois rendia mais no coador. Mas em compensação expõe mais o amargo.

Bebedor de café exclusivamente de Minas, ao provar um café paulista ou paranaense pode provocar confusão ao definir um bebida dura. Foi o que aconteceu com os cafés comprados pela CONAB, quando na primeira prova após a entrega dos cafés 150 lotes paranaenses e paulistas foram desclassificados. Aí sugeriu-se uma mesa redonda entre provadores paulistas, paranaenses, mineiros e da BMF. Aí, grande parte dos lotes foram aprovados.
JOSÉ ADAUTO DE ALMEIDA

MARUMBI - PARANÁ - PROVA/ESPECIALISTA EM QUALIDADE DE CAFÉ

EM 22/11/2012

Parabéns pela matéria!

Realmente, "um sabor excepcional estaria representando no máximo um micro lote de um produtor..." e , completo : em determinada safra.

Existe muito sonho de Marketing  em cima de um café com " aroma e sabor milagroso"...não podemos esquecer que cada safra tem uma característica ímpar por causa das condições climáticas e da fisiologia da planta.



EDUARDO CESAR SILVA

LAVRAS - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO

EM 20/11/2012

Prezado Ensei,



Parabéns pela "aula" sobre indicação de procedência. Achei discussão sobre a dificuldade em determinar o "sabor típico" de cada região muito interessante.



Com relação ao questionamento no final, eu não saberia responder. Mas a ideia apresentada pelo colega Rodrigo Gava é interessante.



Abraços,

Eduardo
RODRIGO GAVA

ITATIBA - SÃO PAULO - PROVA/ESPECIALISTA EM QUALIDADE DE CAFÉ

EM 19/11/2012

Caro Ensei, sua matéria é sensacional. Acredito que uma discussão sobre o marketing do café especial possa existir aqui. Minha proposta é a seguinte: o que você acha de uma ação feita por um produtor, o qual faz parte desta realidade de IP, DOC, e Produto de Território, onde o mesmo projete uma espécie de denominação de perfil do seu produto, ou seja, um rótulo com a mais rica e detalhada descrição do seu produto, bem como projeções de perfis de torra em relação aos possíveis perfis de sabor e métodos de extração que melhor possam destacá-los. Será que a participação e a exposição de uma cadeia de profissionais como classificadores, degustadores, mestres de torra e também baristas, todos comprometidos na valorização e expansão de um produto, poderiam atingir patamares e perspectivas mais amplas de projeção de uma marca que necessita cada vez mais de ser valorizada e conhecida? Gostaria de saber faz sentido para você?

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