De maneira geral, a cultura de pouca preocupação com a diferenciação do produto predomina um entre os cafeicultores brasileiros, mais interessados em exportar grandes quantidades para o exterior. Mesmo no que se refere à industrialização da commodity, somente agora começa a surgir a preocupação dos empresários de buscar o fortalecimento de suas marcas a nível nacional. Este quadro se reflete no tímido crescimento do mercado de cafés especiais no Brasil, abaixo das médias observadas em outros países.
Parte deste quadro é herança do cenário observado até o início da década de 90, marcado pela forte regulação do setor cafeeiro em todo o mundo. No Brasil, o respeito às quotas, acordadas internacionalmente, aliado ao tabelamento governamental dos preços criava um quadro de desestímulo para aqueles que quisessem investir na melhoria da qualidade de seu produto. Somente nos últimos quinze anos, é que vêm se observando uma nova dinâmica dos agentes do setor, mais voltada para atender às demandas dos consumidores, o que traz grandes benefícios e desafios a todos.
Com a estabilidade econômica e a desregulamentação do setor a indústria é hoje capaz de planejar de forma mais efetiva suas estratégias de mercado, buscando o melhor preço e o café ideal para sua finalidade. Por sua vez, os cafeicultores passaram a ter que lidar de forma cada vez mais intensa com o desafio de oferecer um produto com qualidade diferenciada, em um contexto marcado pelo aumento na oferta superior ao da demanda. Pesquisa recente conduzida pela CNA apenas confirma esse quadro de crescente preocupação dos produtores de café com a diferenciação de seu produto.
Falta de informação = pouca fidelidade
No entanto, ainda que iniciativas tenham sido tomadas nos últimos anos em diversas frentes para melhorar a qualidade do café que chega ao consumidor, estas ainda são em grande parte incipientes e falham em uma questão chave: a falta de publicidade. O fato é que a grande maioria dos brasileiros não é capaz de compreender plenamente a diferença entre um café especial e um tradicional, tomando suas decisões de acordo com o melhor preço.
Inicialmente, é importante ressaltarmos que nem mesmo a definição "café especial" é livre de controvérsias. Não há dúvidas de que estamos falando de um produto com qualidade diferenciada, resultado de uma série de cuidados especiais tomados desde o seu cultivo, passando por sua industrialização e empacotamento. No entanto, a falta de parâmetros homogêneos para esta categoria somente contribui para dificultar o esclarecimento junto aos consumidores. Ou serão todos capazes de compreender diferentes parâmetros técnicos, muitos deles complexos para os próprios envolvidos no setor?
Analisando as vendas mensais de cafés tradicionais e especiais de 2001 a 2004 em uma grande rede varejista de São Paulo, chegamos a algumas conclusões interessantes. Se por um lado se observa um substantivo aumento das vendas de cafés especiais em relação aos concorrentes tradicionais (134,7%, contra um decréscimo de 11,1% no segundo caso), por outro se observa que os primeiros tiveram uma redução de 3,8% em seu preço médio, em comparação a uma alta de cerca de 50% observada no segundo caso. Para termos uma idéia melhor, a diferença de preços entre cafés especiais e tradicionais, que em 2001 era de 102,5%, despencou ao longo dos anos seguintes até chegar a 31,8% em 2004.
Este quadro nos mostra o quanto o sucesso na venda de cafés especiais no Brasil ainda depende de fatores que vão além da capacidade do país produzir com qualidade. Longe de possuir uma fatia de mercado cativa, o setor de cafés especiais tem seu desempenho vinculado ao diferencial de preços em relação a seus concorrentes tradicionais, o que a princípio não deveria ocorrer. Afinal, os custos mais altos de produção dos cafés especiais fazem com que a sustentabilidade desse segmento dependa da manutenção de um nível de preços que estimule sua produção.
Entretanto, estes mesmos dados também trazem resultados alentadores. O aumento no consumo de cafés especiais no período, ainda que estimulado pela queda no diferencial de preços, deixa claro que o brasileiro está sim interessado em comprar um café de qualidade, buscando, com as informações que possui, fazer a melhor escolha. O desafio para os próximos anos consiste, então, em fazer com que o consumidor opte pelos cafés especiais também em contextos de valorização desse produto em relação ao seu concorrente tradicional.
Da mesma maneira que foi possível ao Brasil aumentar o consumo interno de café nos últimos anos, sendo o país hoje uma referência na delineação de estratégias para esse fim, é fundamental uma maior ênfase na questão da diferenciação no mercado nacional. É sabido que a maior parte da produção brasileira de café se destina ao exterior e que as barreiras existentes em todo o mundo para produtos da cadeia com valor agregado fazem com que a venda do café verde seja estimulada.
No entanto, um país que detém 13% do consumo mundial deveria dar maior atenção também ao mercado nacional, buscando a exploração mais efetiva desse novo nicho de mercado, por sinal o mais dinâmico. Até mesmo em relação ao mercado do café verde, falta o mesmo trabalho de marketing que alçou o café colombiano ao status atual. Como diversos exemplos nos mostram, o Brasil já aprendeu a massificar o consumo de café e a produzir em enorme quantidade. O que falta agora é buscar melhores remunerações por isso.
A publicidade e o aumento das oportunidades para o setor
Não apenas é necessário convencer o consumidor que vale a pena pagar mais por um café diferenciado nos supermercados, como também se deve buscar um incremento no consumo de café fora do lar, agregando a este hábito o mesmo argumento. Nesse sentido, a experiência das cafeterias no hemisfério norte nos traz lições importantes. A expansão do consumo de cafés especiais ao redor do mundo ganhou força principalmente à medida que estas redes se expandiam, investindo pesadamente em propaganda. Apesar da abertura de diversos coffee shops no Brasil nos últimos anos, percebe-se ainda uma fraca associação entre esses estabelecimentos e a oferta de um café diferenciado.
O mercado norte-americano de cafeterias é provavelmente o melhor exemplo dessa realidade. Nos EUA, se observa uma profunda segmentação do mercado, fruto de décadas de campanhas direcionadas de publicidade. A partir deste esforço, foi aberto o caminho para o crescimento de empresas especializadas na venda de cafés especiais ao grande público, detentoras não apenas de um café de qualidade, como também de marcas poderosas, que passaram a fazer parte da rotina dos norte-americanos.
A Starbucks, certamente, serve de modelo para este ramo. Nos últimos anos, a empresa fundada por Howard Schultz praticamente dobrou sua participação no mercado norte-americano, estimado em US$ 8,4 bilhões. Isso sem contarmos o peso que a marca possui hoje em grande parte do planeta, associada sempre a um café de qualidade, o que lhe garantiu a liderança no mercado mundial de cafeterias.
O que mais impressiona na Starbucks não é a quantidade de café vendida pela empresa. Basta lembrarmos que a líder de vendas no mercado dos EUA é a Dunkin' Donuts, com cerca de 2,7 milhões de xícaras de café vendidas diariamente. O que, sim, chama a atenção é a capacidade que a Starbucks possui de inserir na cabeça dos consumidores a idéia de que seu café é especial e por isso vale cada centavo de seu preço. Evidentemente, uma série de fatores explica o sucesso da Starbucks, entre elas, a qualidade de seu produto. No entanto, a propaganda é um fator fundamental de diferenciação da marca.
Não por acaso a Starbucks é hoje a principal anunciante do setor nos EUA. Seus anúncios estão por toda parte, bem como suas lojas, que aumentam em um ritmo impressionante. A rede investe pesadas somas para garantir a melhor infra-estrutura possível a seus clientes, a ponto de disponibilizar, entre outras coisas, internet sem fio em cada uma de suas lojas. Com isso conseguem atrair um número cada vez maior de consumidores, interessados não apenas no café servido como também nas comodidades disponibilizadas.
Ainda que o nível de renda dos brasileiros não se compare ao dos norte-americanos ou europeus, há espaço para o crescimento do segmento de cafeterias no país, principalmente nas grandes cidades. Basta lembrarmos do enorme número de jovens brasileiros, com hábitos bastante semelhantes ao de qualquer adolescente do mundo ocidental. De qualquer maneira, as estatísticas atuais já deveriam ser mais que suficientes para estimular uma maior agressividade no setor. Afinal, se o brasileiro já consome café em tamanha quantidade, porque não agregar valor a este hábito, trazendo benefícios ao setor e aumentando a satisfação dos consumidores?