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Por uma diferenciação benéfica aos produtores

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 06/11/2006

7 MIN DE LEITURA

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Muito se fala sobre os efeitos benéficos da diferenciação para a cafeicultura brasileira. Trata-se de um tema abordado de forma cada vez mais sistemática por analistas do setor, interessados em garantir maiores lucros aos agentes envolvidos nessa cadeia, além de uma melhor reputação para o café do Brasil, tradicionalmente tachado como uma bebida de baixa qualidade.

Sob o ponto de vista dos produtores de café, a diferenciação pode emergir como uma importante alternativa para o aumento das receitas, ao garantir preços mais altos e consumidores mais fieis.

É este um dos principais desafios para o setor no Brasil, uma vez que o consumo de café em nosso país vem sendo retomado após uma impressionante queda observada na década de 80, e que só pôde ser contornada com a adoção de políticas direcionadas ao longo dos últimos anos.

Conforme estudos apontaram, uma das principais razões para a queda de consumo per capita de café no Brasil se deu pela ausência de preocupação com a qualidade do produto vendido ao consumidor. As décadas de hegemonia do IBC e a política de tabelamento de preços retiravam qualquer incentivo para a produção de cafés de qualidade no país.

Pior que isso, este período ficou marcado pela existência de diversas combinações, sendo o café um mero detalhe em muitas delas. Predominava uma sensação de incerteza por parte dos consumidores, ao passo que entre as firmas atuantes no setor, o objetivo se resumia a cortar custos, ainda que às custas dos resquícios de qualidade ainda existentes.

Sob tal quadro, não é de se estranhar que o consumo per capita de café, que, ao longo da década de 60, estava por volta de 4,7 kg, se retraiu até parcos 2,3 kg em meados da década de 80 (gráfico 1). Para grande parte dos consumidores, predominava a noção de que o café vendido nacionalmente era de má qualidade, e que "café era tudo igual". Era então necessária, naquele momento, a busca de alternativas para a quebra de tal círculo vicioso, marcado pela queda do consumo, concorrência predatória e queda na qualidade.

Uma solução para este problema, qual seja, a adoção de critérios para a concessão do "Selo de Pureza ABIC", começou a dar resultados à medida que diferentes empresas passaram a se dar conta dos benefícios evidentes de um controle de qualidade mais estrito. Evidentemente, o fim do tabelamento de preços teve um papel igualmente importante, afinal com esta medida estava aberta a porta para o avanço da diferenciação no Brasil.


Fonte: ABIC (2005).

Gráfico 1 - Evolução do Consumo per capita de café no Brasil.

Uma vez que o "Selo de Pureza ABIC" é concedido aos cafés produzidos por determinadas torrefadoras, parcela considerável dos benefícios resultantes de tal denominação se mantém nas mãos dessas firmas.

Trata-se de uma medida sensata, afinal muitas dessas empresas são as mesmas que no passado adotaram como estratégia a comercialização de um café de baixíssima qualidade. Vale observar que o selo pureza não garante qualidade; o mesmo apenas diz que o café é puro, ou seja, não há misturas. (admite apenas 1% de impurezas).

No entanto, se observamos a cadeia do café com maior atenção, vemos que de nada adianta o esforço isolado de empresas torrefadoras se por parte dos produtores não existe uma mobilização adequada. Chama a atenção, portanto, o fato de tão poucas marcas de café no Brasil levarem em sua embalagem algum tipo de informação relacionada com as características de produção de café.

Ou seja, a ausência de informação diminui o papel dos cafeicultores em toda essa história, que a princípio deveria ser bem maior. Isso significa também menores lucros, já que algum outro elo da cadeia está levando a fama pela melhor qualidade do café brasileiro nesse período pós IBC. Nesse sentido, a grande questão a ser debatida é de que maneira os produtores podem abocanhar parcelas crescentes desses ganhos.

Nos países desenvolvidos, é notável a preocupação dos consumidores com a origem dos alimentos e os processos de produção utilizados, o que aproxima os produtores das gôndolas dos supermercados. No Brasil, por outro lado, esta preocupação ainda é incipiente, limitada a uma pequena parcela da sociedade.

Para analisarmos melhor este quadro, devemos levar em conta não apenas as características da cadeia no setor, como também as percepções dos consumidores desse produto. Afinal, são estes os responsáveis pela decisão de consumir esta ou aquela marca de café.

Para isso, foi realizada uma pesquisa em supermercados e cafeterias de bairros com um perfil de renda elevado na cidade São Paulo (ver resultados na tabela 1). O público alvo da pesquisa, composto por consumidores de café de renda alta, corresponde a parcela da população mais propensa a comprar cafés especiais.

Em primeiro lugar, percebeu-se que o principal local de consumo do café é o lar, seguido das cafeterias. No que se refere ao consumo doméstico, os resultados da pesquisa mostram que este é realizado diariamente para 41% dos entrevistados, enquanto o consumo esporádico em cafeterias é realizado por 51% das pessoas ouvidas. Um indicador de que campanhas realizadas em supermercados possuem um valor considerável, quando bem feitas.


Fonte: Pesquisa de Campo.

Tabela 1 - Local de consumo de café (%).

Entre os entrevistados, 5% afirmaram ser consumidores de café orgânico, o que representa um avanço se observarmos o histórico recente. Mais importante que isso foi o fato de cerca de 22% dos entrevistados terem afirmado que os cuidados com a terra e a ausência de agrotóxicos na produção eram fatores relevantes para a escolha no momento da compra do café, o que mostra que há ainda mais espaço para o crescimento desse filão no mercado brasileiro.

Chamou a atenção o desconhecimento dos consumidores acerca da existência de cafés fair trade, ou socialmente responsáveis. Para 73% dos entrevistados, essa noção era completamente desconhecida. Tal resultado reflete a ausência de campanhas específicas visando à divulgação do movimento fair trade no Brasil, ao contrário daquilo que é observado em todo o Primeiro Mundo. Por isso, é notável que a maioria esmagadora do café fair trade produzido no Brasil seja diretamente enviado para os países desenvolvidos.

Perguntados sobre as possibilidades de interferência positiva do cafeicultor na qualidade do café, os entrevistados apontaram diversos fatores que podem ser mais bem explorados no futuro. Além da preocupação com a utilização de agrotóxicos, já citada, para 9,3% dos consumidores consultados a escolha correta do local / região de produção do café influi para a qualidade do mesmo. Esse resultado demonstra que estratégias direcionadas nesse sentido podem ter espaço no futuro.

Também chamou a atenção a quantidade de entrevistados (18%) cuja principal preocupação se relacionava aos cuidados com o processo de produção, como boas práticas de cultivo e colheita. Para 13%, a escolha das mudas pode influir positivamente na qualidade do café.

No entanto, os principais resultados da pesquisa são aqueles relacionados ao principal atributo de diferenciação de determinada marca de café. Estes mostram que os consumidores, apesar de em muitos casos serem capazes de apontar elementos capazes de garantir um café de melhor qualidade, estão mais preocupados com outros fatores, resultantes em sua maioria de fatores consolidados em terras distantes do cafezal (tabela 2).

A marca da empresa torrefadora continua sendo o elemento mais relevante (39,11%), seguido da qualidade superior (29,67%) e do preço (18,22%). Entre os menores índices estão justamente os relacionados diretamente com a produção rural, ou seja, a produção sustentável (9,24%) e a produção orgânica (8,43%).


Fonte: Pesquisa de Campo.

Tabela 2 - Variáveis de decisão de escolha de compra em %.

Portanto, conforme vimos acima, são poucos os consumidores que dão importância às características de origem (territorialidade), ao modo de produção (orgânico) e sustentabilidade sócio-ambiental. A principal conclusão desse estudo é a de, embora o consumidor reconheça a importância do produtor para a qualidade final, a marca da firma torrefadora é o principal elemento diferenciador desse setor. Nada mais natural, afinal são poucos os cafés em cuja embalagem se encontram informações relacionadas ao processo de produção ou origem.

Tal qual se observa nos países desenvolvidos, há um espaço considerável para a atuação dos cafeicultores no sentido de fornecer informações sobre a origem de sua produção e os métodos utilizados na mesma. A nova realidade originada com a desregulamentação do setor vem fazendo com que um número cada vez maior de consumidores se dê conta das possibilidades de adquirir um café diferenciado seguindo alguns cuidados básicos na escolha do produto. Daí surge a oportunidade: garantir a estes consumidores informação capaz de fazer com que estes associem um café diferenciado a atributos relacionados ao cafeicultor.

Para os próximos anos, espera-se que campanhas coletivas garantam ao consumidor informações capazes de fazer com que o mesmo passe a considerar de forma determinante as características da produção rural no momento de compra. Sucessivas campanhas foram capazes de melhorar a reputação do café brasileiro no mercado interno, alavancando o consumo interno. Cabe agora ao setor buscar a valorização do café brasileiro, distribuindo ganhos entre todos os elos dessa importante cadeia.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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FREDERICO DE ALMEIDA DAHER

VITÓRIA - ESPÍRITO SANTO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 20/11/2006

Caros Maria Sylvia e Bruno Varella;

"Por uma diferenciação benéfica aos produtores" abre enorme oportunidade para uma discussão saudável e mais aprofundada da questão da qualidade enquanto a necessidade em repartir de maneira mais equânime os ganhos dessa "nova onda" no setor café, exatamente no que diz respeito à preferência e desejos do consumidor final de café.

Na minha percepção a consciência do esmero na produção está cada vez mais entranhada na cabeça do cafeicultor, especialmente aqui no estado do Espírito Santo.

O que o produtor de café, entretanto, não está conseguindo apreender é como ele vai fidelizar o consumidor, especialmente aquele com capacidade de pagar um preço melhor, que justifique todo seu esmero.

A fórmula de como fazer isso ainda nos parece complicada já que a produção do torrado e moído está cada vez mais concentrada com diminuição do número de torrefadores, enquanto a pulverização da produção é tradicionalmente grande.

A certificação por si só, a meu ver, não resolverá essa equação.

Há que se pensar numa multiplicidade conjunta de ações combinando certificação com marketing, descrição sucinta, e convincente, do processo produtivo nas embalagens do café levando ao consumidor algumas características de produção daquele café

Essa matéria de vocês é um bom ponto de partida para discussão de tão relevante tema.

Cordialmente,

Frederico de Almeida Daher

<i>Caro Frederico,</i>

Mais uma vez agradeço a sua leitura atenta do artigo. Concordamos que a questão é bem complexa e estamos apenas iniciando uma discussão. A grande interrogação é saber como transferir para o produtor os ganhos de agregação de valor.

Se os ganhos ficarem nos segmentos próximos ao do varejo os investimentos realizados pelos produtores não serão recompensados. Esta semana vou participar de uma discussão na FAO sobre inserção dos pequenos produtores e desenvolvimento espero trazer algumas idéias para discutirmos.

Abraços,

Sylvia Saes

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