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O próximo vilão pode estar morando ao lado

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 30/10/2008

4 MIN DE LEITURA

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"A conversão das fazendas de açúcar em fazendas de café tem concorrido também ali em São Paulo para o encarecimento dos gêneros alimentícios. [...] Quando o lavrador planta cana, pode também plantar e planta feijão, e alguns até plantam milho em distâncias maiores para não ofender a cana; e tudo vem excelentemente pelo preparo da terra para cana; e a limpa aproveita a tudo: isso acontecia no município de Campinas, cujas terras são mui férteis, quando seu cultivo era a cana, e em outros municípios que abasteciam a capital e outros pontos de gêneros alimentícios. Entretanto todo esse município de Campinas, e outros, estão hoje cobertos de café, o qual não permite ao mesmo tempo a cultura de gêneros alimentícios, salvo no começo, quando novo; mas quando crescido, nada mais se pode plantar, e mesmo a terra fica improdutiva para os gêneros alimentícios, talvez para sempre, salvo depois de um pousio de imensos anos".

O excerto citado acima, retirado do clássico de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil (p. 174), corresponde aos dizeres de José Manuel da Fonseca no Senado do Império, em 1858. Ao leitor desavisado, tal denúncia poderia mesmo soar descabida, principalmente tendo em vista o enorme barulho feito nos últimos meses com a questão da expansão das plantações de cana e seus efeitos para a oferta de alimentos no mundo. Como poderia alguém defender uma cultura que, na atualidade se encontra parcialmente associada com a fome de humanos? E, indo além, como fazê-lo em detrimento da cafeicultura e suas inúmeras potencialidades?

Exemplos como o mostrado acima apenas denotam a velocidade com que as mudanças são processadas em nosso planeta. Nos dias correntes, o café conseguiu se livrar de boa parte da má fama relacionada às culturas baseadas na monocultura e na grande propriedade. De forma crescente, a cafeicultura é ligada ao trabalho de milhares de pequenos produtores, gerando renda e dinamismo para extensas regiões do nosso território. Os outrora populares malefícios do café à saúde, repetidos insistentemente, vêm dando lugar aos resultados positivos de novas pesquisas na área. Nada mal para uma cultura de histórico de consumo de massa tão curto, e que em sua trajetória no território brasileiro já foi alvo de tantas controvérsias.

No papel de vilões, agora parecem caber melhor a soja, a pecuária, ou mesmo a cana, já citada. Do café, na atualidade são resgatados o potencial para a agregação de valor, a possibilidade de conciliação entre diversos padrões de inserção, o papel crescente da indústria e de novas formas de consumo, entre outros. Excelentes notícias para o setor, que pode planejar suas atividades com relativa tranquilidade, a medida que derruba preconceitos antigos. E porque não, um fato alentador para os vilões de agora, afinal a trajetória do café é um caso vivo de reabilitação perante os olhos da opinião pública. Afinal, da mesma forma como o aumento da consciência dos consumidores acerca das potencialidades do café abriu caminho para uma série de iniciativas interessantes no setor, algo semelhante poderia acontecer com outras culturas consideradas inimigas na atualidade.

De fato, nenhum bem cabe perfeitamente nas vestes de vilão unicamente por seus atributos; mais relevante parece ser a consideração do uso social de cada artigo, ou seja, a forma como cada atividade econômica se enquadra no todo. Por isso, não podemos nos esquecer que a ascensão da cana, por exemplo, se dá em um contexto no qual a utilização de energia pelas sociedades humanas se encontra atrelada a padrões do século passado, estando portanto defasada em relação ao nosso presente e futuro. E é justamente esse desalinhamento entre nossos problemas mais agudos e os remédios prescritos o que abre espaço para tanto barulho.

Exemplo disso vem de um importante interlocutor da cena internacional. Segundo Robert Zoellick, aquele que negociava com dureza a questão agrícola na OMC, e que agora comanda o Banco Mundial, "enquanto uns se preocupam em encher o tanque de seus carros, muitos ao redor do mundo se debatem para forrar o estômago". Tal dicotomia, apesar de soar exagerada no presente, principalmente tendo em conta o enorme potencial do Brasil para a produção agrícola por meio do aproveitamento de terras abandonadas ou mal utilizadas no atual momento, levanta questionamentos relevantes, principalmente em relação ao modelo de desenvolvimento econômico prevalecente e suas opções em temas como energia e transporte.

Em um cenário de crescimento populacional, aumento da importância da Ásia (e de seus bilhões de habitantes) e expectativa de importantes mudanças climáticas no planeta, há espaço para seguir com a mesma lógica de condução da economia, que privilegia o crescimento econômico e uma demanda por energia que, via de regra, não se preocupa com seus efeitos para o meio físico? Estaremos dando um destino apropriado para nossos esforços produtivos?

Em um momento marcado pelas expectativas de recrudescimento da crise financeira mundial, reflexões são ainda mais válidas. Constatadas as limitações de instituições que anteriormente gozavam de enorme prestígio, é fundamental estendermos nossas lentes a outros segmentos da vida cotidiana, e que igualmente podem constituir-se em verdadeiras bombas-relógio. Certamente, o problema da fome no mundo não depende da ênfase em uma cultura ou outra; da mesma maneira, por trás das críticas ao aumento da produção agrícola ligada ao setor energético, se encontra um complexo sistema absolutamente dependente desse movimento para seguir em movimento.

Medidas pontuais podem até trazer seus resultados no curto prazo; no entanto, a manutenção de certos padrões faz com que a tarefa do legislador, regulador ou empresário seja ainda mais dura, e pior, marcada pela sucessão de ações paliativas. Pior, não evitam que, em um futuro não muito distante, heróis se tornem vilões subitamente, muitos deles nossos companheiros cotidianos. Refletir acerca do papel de um segmento específico para a nossa sociedade e apontar as suas desvantagens não faz sentido algum quando desacompanhada de uma ampla discussão acerca dos próprios limites dessa sociedade. E essa lavagem de roupa suja, ao que parece, anda faltando em nosso frágil planeta.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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ENSEI NETO

PATROCÍNIO - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 31/10/2008

Prezada Silva,

Muito interessante a abordagem. Parabéns!
Na realidade, o tempo mostra simplesmente que a dinâmica é a tônica da Natureza, quando cada tempo tem o seu vilão e mocinho, mas que, num breve futuro, podem mudar substancialmente de posição.
Assim, somente com visão holística podemos compreender essas sutis alterações que, quando somadas, alteram profundamente a realidade.

Grande abraço
Ensei Neto

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