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O problema não é só da oferta

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 17/10/2008

7 MIN DE LEITURA

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Nosso último texto, assentado sobre uma pergunta retórica, rendeu muito mais do que esperávamos. Acompanhar a participação dos leitores dessa coluna constitui-se no principal benefício da participação de um portal como o CaféPoint. Cada testemunho aqui postado serve de oxigênio extra, que garante a sobrevida de nossa participação nesse site. Afinal, caso escrevêssemos sem a perspectiva de um diálogo, todo o esforço seria inútil, e portanto sem sentido.

Acerca das opiniões externadas na última quinzena, gostaríamos de fazer alguns comentários. Assim como funcionou desde o princípio, o objetivo desse texto é o de fomentar o debate entre os mais variados agentes da cadeia, de acordo com a nossa percepção, talhada no cotidiano acadêmico. Obviamente, as opiniões aqui expostas representam apenas um ângulo de problemas que, via de regra, se caracterizam pela complexidade.

Podemos nos queixar do mundo, e até mesmo discordar visceralmente de suas bases. No entanto, de determinados fatos é impossível fugir, e a negação da necessidade de atuação, aferrando-se a posturas defensivas, apenas adia o momento da decisão, para prejuízo geral. Fato é que, mantidas as tendências atuais, a posição atual do Brasil fatalmente trará consequências para a forma como nos inserimos no comércio mundial de café, em todas as suas formas. O ponto aqui parece ser: o que queremos para o nosso futuro? Vale o risco de mudar as regras?

Em primeiro lugar, o próprio significado do termo drawback é muitas vezes esquecido, o que gera prejuízo enorme para a qualidade do debate. Sendo um regime especial de importação, o drawback se destina a beneficiar indústrias brasileiras interessadas em atingir o mercado internacional. Nesse sentido, a flexibilização das regras atuais se destina a garantir nossa competitividade lá fora, mas não chegaria a afetar nossa posição no mercado nacional.

Um mercado interno consolidado já é uma realidade para nós, a ponto de exportarmos nosso know how na prática da promoção do consumo. Por mais que sonhemos com a ampliação contínua da demanda interna, é evidente que esse movimento possui seus limites, ou seja, não cresceremos eternamente. Assim, é fundamental que busquemos uma presença ainda mais ativa e diversificada na esfera internacional, algo que, dadas as tendências do mercado na atualidade, pedem ser medidas como a flexibilização na questão do drawback.

O café vietnamita é uma realidade, e o Brasil tem que competir com esse duro adversário, estejam ou não suas fronteiras abertas. Não nos esqueçamos que a produção do Vietnã é destinada a abastecer o mercado internacional, ou mais especificamente, as muitas fábricas abertas na última década em diversos países. Quando o debate do drawback é trazido à tona, a preocupação de fundo é a da manutenção da competitividade de nossa indústria frente a um número crescente de concorrentes, muitos deles localizados em lugares onde não existe um único pé de café!

Evidentemente, é do interesse de nosso setor produtor uma indústria forte, e tal realidade passa pela identificação dos principais desafios enfrentados por cada elo da cadeia, e qual a margem de manobra frente a cada um desses pontos. No momento, impedir a entrada de café importado no Brasil significa permitir o processamento do mesmo em outro país.

Vietnã: vilão ou vítima?

Muito se fala sobre a relação entre a vantagem vietnamita na produção de café robusta e o desrespeito generalizado a padrões sociais e ambientais. No entanto, seria o Vietnã realmente um vilão nesse história toda? Ou alternativamente, o papel do país nesse enredo caiba mais nas características de vítima? O que pouca gente percebe, quando se põe a falar sobre a cafeicultura vietnamita, é que a porcentagem de ganho dos vietnamitas, quando considerada toda a estrutura de comercialização do café lá produzido, desde o cafezal até a ponta do varejo, é mínima.

A parcela maior desse bolo, composta pelos ganhos com campanhas de marketing, venda ao consumidor final, desenvolvimento de novos produtos, entre outros, se encontra concentrada na mão de países como os EUA, a Itália e a Alemanha. Não apenas isso: nos últimos anos, o café barato do Vietnã tem possibilitado a rápida expansão das fábricas de café solúvel ao redor do mundo, beneficiando países que até bem pouco tempo nem sequer sonhavam em ganhar com o café.

Sob nosso ponto de vista, o descolamento entre as práticas internacionais e a rotina brasileira trazem gargalos que tenderão a se aprofundar no longo prazo. Afinal, sonhamos ou não com uma fatia maior do bolo? Na absoluta ausência de soluções mágicas ou acordos globais visando a estabilização dos preços, o mais viável parece ser seguir o que outros países estão fazendo, e com sucesso.

Reclamamos diariamente da falta de agregação de valor em nossa cafeicultura, mas nos esquecemos de um detalhe: isso só será possível quando o setor como um todo esteja plenamente fortalecido e com mais liberdade para atuar.

Discurso e prática

Vez ou outra, surge na imprensa uma queixa norte-americana ou européia daquilo que eles consideram ser dumping ecológico ou social: a utilização de padrões trabalhistas e ambientais precários para levar vantagem no comércio internacional. E aqui o Brasil é tão vilão como o Vietnã ou a China, pelo menos se nos baseamos nos olhares estrangeiros, indiferentes às óbvias diferenças existentes entre os marcos legais e ao alcance da fiscalização em cada caso.

Dessa constatação decorre um perigo enorme, qual seja, o da fixação de parâmetros unilaterais para a abordagem de questões como a linha divisória entre práticas civilizantes e o mundo dos bárbaros. Até porque, com raras exceções, a comunidade internacional falha quando busca coordenar-se, e quando o faz, se prende a concessões feitas sob medida para agradar gregos e troianos, ou melhor, a "civilização" e a "barbárie".

Alguns dos princípios mais arraigados do sistema multilateral de comércio exemplificam esse quadro. Em toda a sua história, as nações vinculadas ao arcabouço do GATT/OMC foram, via de regra, reticentes quanto à inclusão de padrões sociais ou ambientais estritos nas regras multilaterais. Nesse tópico, a posição histórica do Brasil se caracteriza pela cautela, justificável quando analisada à luz da política externa nacional e de nosso esplêndido descaso histórico com os temas ambientais, por exemplo.

Dado o objetivo desse regime, qual seja, de garantir a ampliação gradativa do comércio internacional, tal orientação não causa estranheza. E por isso, a adoção de padrões unilaterais, longe de representar uma punição aos principais usuários de más práticas sociais ou ambientais, acaba funcionando mais como uma proteção nacional. Talvez um país do tamanho dos EUA até seja capaz de amedrontar pequenos Estados dependentes de apenas um ou dois produtos para manter sua balança comercial; porém, esse não é o caso do Brasil, infelizmente.

Nossa eventual reprovação às práticas equivocadas do Vietnã não trazem efeito prático algum para a dinâmica do comércio internacional do café, que segue as linhas traçadas acima. Os problemas na oferta podem até existir, mas aqui a culpa é principalmente da demanda, que compra o café sem maiores escândalos, na esperança de garantir o seu lucro ao final da operação. Lucro este que financia a dinamização crescente de um setor que não pára de crescer, para nossa tristeza, que ficamos cada vez mais longe desse movimento.

O próprio respeito a padrões mais adequados do ponto de vista social, por exemplo, pode dar margem à agregação de valor por parte de produtores atentos a isso. Aqui, voltamos ao tema das certificações e seu potencial de auxiliar a cafeicultura no processo de educação progressiva dos consumidores. Inclusive, conscientização parece ser a palavra-chave nessa questão, afinal todos sabemos que alguém deve necessariamente pagar a conta, e o bom senso indica que a confiança dos consumidores em melhor situação sócio-econômica é a melhor saída nesse caso. Já no nível interestatal, estamos aqui tratando de uma questão política, cujos desdobramentos renderiam quantidade considerável de artigos.

Distintas responsabilidades

O Brasil é uma democracia, e dentro dela os mais díspares grupos de interesse têm o direito de organização e defesa de suas posições. No caso do café, por exemplo, é evidente que nem mesmo entre os distintos elos da cadeia é possível a conformação de um alinhamento automático, dado que os interesses de cada segmento muitas vezes não coincidem. Nesse sentido, é salutar que cada lado defenda o seu ponto, na esperança de garantir que suas demandas não sejam ignoradas.

Entretanto, do ponto de vista da implementação de políticas públicas, um olhar mais amplo é vital para o sucesso. Infelizmente, a comunicação entre os órgãos do governo federal é ainda precária, de modo que a abordagem a diversas de nossas mazelas é feita de forma parcial, e portanto ineficiente. Em meio a burocracias fechadas em si mesmo, a filtragem dos interesses setoriais antecede a utilização de instrumentos voltados exclusivamente a lidar com o curto prazo, como se o principal objetivo do governo fosse controlar as paixões momentâneas dos grupos mais influentes da sociedade.

País em desenvolvimento, eufemismo para nossos inúmeros gargalos, o Brasil possui mais prioridades do que meios de atuação. Por isso, escolher aquilo que é mais importante entre os temas importantes é fundamental; beneficiar determinados grupos com os remédios de sempre tem se mostrado uma prática pouco efetiva, perpetuando problemas seculares em nome da velha saída da socialização das perdas.

Medidas como o drawback podem até prejudicar alguns agentes, porém a esperança dessa iniciativa reside em seu potencial de dinamizar ainda mais a cafeicultura brasileira. Evidentemente, há questões políticas envolvidas nesse debate, e não podemos nos esquecer, por exemplo, das barreiras tarifárias que nossa produção enfrentaria lá fora. No entanto, quem disse que seria fácil?

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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