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O legado do Dr. Ernesto Illy

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 14/02/2008

5 MIN DE LEITURA

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Em sua obra clássica intitulada "O príncipe", Nicolau Maquiavel apresenta duas noções, quais sejam, virtù e fortuna, para interpretar a passagem de monarcas pelo trono de seus Impérios. De forma sintética, a primeira palavra se referiria à capacidade do soberano em enfrentar as inevitáveis turbulências, bem como adaptar-se a novos contextos. Já no que se refere ao segundo termo, Maquiavel faz referência à deusa romana da sorte para apresentar fatores cujo surgimento se dão de forma aleatória na vida dos seres humanos.

Diversas leituras desta clássica obra já foram realizadas, com os mais diversos graus de competência. Aqui, as lições do velho mestre serão levadas em conta com um propósito específico em mente. Entre empresários, certamente fortuna e virtù são dois elementos essenciais. Controlar o contexto é impossível, de modo que aproveitá-lo, e saber se adequar ao mesmo são as chaves para o sucesso. Determinadas épocas se mostram mais generosas que outras, daí surgindo os grandes Impérios; no entanto, demonstrações de talento são fundamentais também nos momentos de desafio.

No último dia 03, faleceu em Trieste o Dr. Ernesto Illy. Seu legado para a cafeicultura é maior do que muitos pensam, e certamente se manterá em voga por um longo tempo. Basicamente, o Dr. Illy percebeu antes da maioria algo que nos dias atuais soa óbvio aos ouvidos dos agentes do setor: qualidade deve ser a meta. Suas ações influenciam a todos na atualidade, ainda que indiretamente, e no caso do Brasil este fato é claro. Basta citarmos a evolução na consciência de milhares de cafeicultores, no redirecionamento dos investimentos de parte dos empresários, entre outros.

Atuando em um segmento no qual a preocupação central na maioria dos casos passa pela redução de custos, Ernesto Illy poderia ter seguido caminho semelhante. No entanto, sua aguçada percepção fez com que, desde o princípio, as atenções de seu negócio estivessem voltadas para a satisfação dos consumidores. A grande sacada do Dr. Illy foi justamente perceber o enorme potencial da diferenciação de mercado, em um momento no qual todos falavam do café como uma commodity. Enquanto alguns de seus colegas dedicavam horas de trabalho buscando formas de baratear seus cafés, em alguns casos até mesmo descaracterizando os mesmos, o Dr. Illy confiava em uma mudança, buscando meios de fazê-la acontecer.

Pode-se afirmar que o Dr. Illy teve sorte de ter uma idéia justamente em um momento no qual determinado grupo de consumidores se mostrava aberto a tal. No entanto, a implementação deste plano não foi nada fácil. Seus planos de oferecer um café com qualidade superior esbarravam principalmente na imprevisibilidade da oferta de café adequado para tanto. Produzido em países em desenvolvimento, o café não contava com qualquer padrão na maioria dos casos. Problemas climáticos, falta de crédito, instabilidades políticas, este era o quadro enfrentado pelo príncipe de nosso enredo. O mundo dos consumidores endinheirados certamente guardava pequena relação com a outra ponta da cadeia, e a sofisticação parecia esbarrar em limites claros.

Um desafio em especial tomou horas a fio do Dr. Illy nos anos 70. As remessas de café enviadas da África eram em alguns casos caracterizadas por um odor que prejudicava a qualidade do café produzido, inviabilizando o ideal de previsibilidade tal buscado pela Illy. Oferecer um produto diferenciado significa, necessariamente, a idéia de que o valor pago a mais significa a ausência de surpresas desagradáveis. Consumidores em geral são conservadores, e não saem por aí gastando em algo no qual não confiam plenamente.

A solução para o problema veio então por um caminho muitas vezes evitado por empresários neste setor: gastos para a melhoria da produção. Anos de investimentos em pesquisa na Alemanha levaram à descoberta dos motivos para o problema: uma doença decorrente das fezes de um inseto da região, cuja existência em um único grão de café seria capaz de contaminar grande quantidade de produto. O que poderia ser considerada uma missão impossível por dezenas de empresários acomodados, foi farejada como uma oportunidade extra pelo Dr. Illy. Sua fixação pelo oferecimento de um café de qualidade fez com que sua empresa se dedicasse a pensar intensamente em formas de viabilizar tal sonho.

Empresa nenhuma é capaz de produzir tudo aquilo que necessita. Nesse sentido, escolher os aliados adequados e costurar alianças benéficas a todos os lados no momento certo são fundamentais. Neste caso, o desenvolvimento de uma máquina dotada de avançada tecnologia para a época foi possível graças à associação com uma empresa inglesa com expertise capaz de viabilizar a invenção. O primeiro resultado desta associação, colhido no médio prazo, foi a obtenção da patente de uma máquina que hoje é utilizada por inúmeras empresas em todo o mundo. Isso sem falarmos da óbvia abertura de possibilidades para o controle eficiente do café recebido.

A invenção de uma máquina específica para a resolução do problema é apenas um passo; saber usá-la é tão importante quanto. Inclusive, nas palavras do dr. Illy: "Este aparelho é semelhante a um Stradivarius (famoso violino, reconhecido mundialmente pela qualidade de sua música. Embora custe cerca de 2 milhões de dólares, se mal utilizado seu som seria apreciado somente por gatos". A solução para este novo desafio veio na forma de mais investimentos, dessa vez no treinamento dos empregados. Fato é que a Illy nunca mais foi a mesma após essa busca, e sua inserção privilegiada nos mercados mais sofisticados de café guardam enorme relação com esses primeiros casos.

Neste caso específico, a solução encontrada pelo Dr. Illy juntamente com os seus colaboradores passava pela utilização de recursos científicos e a associação com mão de obra especializada. Porém, este primeiro exemplo mostra um olhar direcionado a uma variável somente amplamente levada em conta nos últimos anos: a produção. Até o ponto em que a decisão pela adoção da tecnologia foi tomada, especulou-se muito em torno de soluções alternativas, e nelas fica clara a preocupação do Dr. Illy com o cuidado dos cafeicultores, e da capacidade que os mesmos possuem em muitos casos de dar uma contribuição marcante para o sucesso de qualquer iniciativa.

O Dr. Illy, cuja empresa se fez famosa no Brasil devido aos concursos de qualidade, foi um homem preocupado com todos os aspectos da produção. Sua confiança cega no papel da qualidade para a cafeicultura acabou estimulando direta e indiretamente milhares de produtores, elevando os mesmos a altos patamares de excelência. Casos como este só confirmam a grandiosidade do legado deste homem que é um grande exemplo para a cafeicultura.

Faleceu o Dr. Ernesto Illy, porém seu exemplo ficará presente ainda por longo tempo. O mundo da cafeicultura nunca mais foi o mesmo depois dele, e certamente seu exemplo inspirará uma série de empreendedores nas próximas décadas, cujo ímpeto pela adequação frente ao surgimento de oportunidades influenciará toda uma cadeia. Fato é que nem todo agente é dotado de um olhar visionário, e a inovação é limitada em qualquer contexto; no entanto, uma vez dado o alerta, se negar a enxergar os novos tempos pode ser perigoso.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 19/02/2008

Prezadas Sylvia e Bruno,

O passamento do Dr. Ernesto deixa-nos um gosto pungente. Não existem palavras e exemplos que possam homenagear um ícone da grandeza desse eminente empresário e cientista. Mutuamente, precisamos nos apoiar, para que esse sentimento de orfandade não tolha o necessário espírito para perseverar no esforço de ampliação da base do conhecimento sobre o café.

Abçs
Celso Vegro

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