Um aspecto interessante dessa história é a de que, uma vez descoberto o malfeito, todos falam de crise. Em outras palavras, o que choca é a incerteza que sucederá a atual onda de notícias, e não tanto o fato de que, possivelmente por décadas, nossa principal empresa estatal foi um alvo fácil para o estabelecimento de convenientes alianças entre o poder público e o privado. Talvez não seja tão difícil entender a razão de tal comportamento: para muitas organizações, a "competitividade" dependia diretamente dos recursos desviados da Petrobras. Partidos políticos e construtoras, para citar apenas os protagonistas mais óbvios da trama, provavelmente não sejam tão competitivos assim. Seriam capazes de liderar seus nichos caso não tivessem um "auxílio extra" tão volumoso?
Essa constatação nos leva a outro detalhe peculiar da atual crise. Em diversas conversas sobre o tema, foi unânime a revolta com a influência política na Petrobras. Pouquíssimos, entretanto, demonstraram desgosto semelhante ao comentar a atuação das empresas envolvidas no esquema de corrupção. É como se o representante eleito, ávido por vantagens, pressionasse os indivíduos vinculados ao setor privado até que estes cedessem. A impressão, não raramente, é a de que a maioria das pessoas acredita que os funcionários das empresas só aderiram ao escândalo da Petrobras porque não tinham outra alternativa. Caso pudessem, competiriam limpamente pelos contratos bilionários, entregando as obras que o país precisa com eficiência.
Ocorre, porém, que a realidade não comporta maniqueísmos. É triste, mas é real: uma parcela importante das empresas brasileiras derivam parte de seus ganhos da exploração das chamadas "vantagens institucionais". Com o passar das décadas, inúmeras empresas se especializaram em moldar as instituições e as rotinas do Estado a fim de garantir a maximização dos lucros. Podemos até discutir quem teve essa "brilhante" ideia, mas aqui importa pouco o que veio primeiro. Na maioria dos países em desenvolvimento, de fato, o ovo e a galinha são quase a mesma coisa. Políticos e empresários, empresários e políticos, compartilham os mesmos espaços, reduzidos devido à enorme desigualdade de renda.
É difícil falar, portanto, de uma sequência lógica para o escândalo Petrobras. O mais provável é que tanto a maioria dos partidos políticos quanto muitas construtoras teriam certa dificuldade para sobreviver caso não tivessem acesso aos tais recursos extras derivados das obras públicas. Para que "o Brasil não parasse", usando a infeliz expressão de um advogado ligado ao caso, fez-se necessária a existência de uma gigante estrutura distribuidora de riqueza. Nesse caso, a ilegalidade das práticas torna o enredo mais dramático, mas será esse "capitalismo vampiro" dependente unicamente de crimes? A resposta, provavelmente, é um sonoro não. Há uma série de práticas comuns na atualidade que, embora possam ser explicadas pelas leis vigentes, pouco contribuem para aumentar a eficiência das empresas brasileiras.
Para dizer de outra forma, a Petrobras é um escândalo enorme, é verdade, mas há inúmeros outros enredos que mereceriam maior atenção do público. A política de empréstimos do BNDES, por exemplo, oferece uma série de exemplos interessantes. Seria útil para a sociedade brasileira caso toda a lógica de escolha das chamadas "campeãs nacionais" fosse melhor explicada. Aqui, também é evidente a existência de uma lógica em que tanto empresas privadas quanto partidos políticos utilizam recursos do Estado para alavancar sua competitividade. Os mais curiosos podem comparar as listas de doadores de campanhas e o ranking de empréstimos do nosso banco estatal. Algumas "coincidências" interessantes aparecerão, com certeza.
Em resumo, antes de demonizar a política, convém respirar fundo e observar toda a paisagem. Há muito mais gente que valeria menos do que pesa no mercado caso a competição predominasse no capitalismo brasileiro. É possível discutir quais são os limites para o estabelecimento de um ambiente realmente competitivo em nosso país, mas, independentemente da conclusão, o escândalo da Petrobras deveria deixar a lição: a especialidade de muitos dos nossos empreendedores não é apenas construir pontes e viadutos eficientemente, mas também encontrar formas de manter uma redistribuição ineficiente dos recursos produzidos por todos nós.