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Direitos (e oportunidades) da propriedade: questão complexa

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 05/11/2012

4 MIN DE LEITURA

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De que maneira os direitos de propriedade sobre a terra afetam o investimento e a produtividade na agricultura? Trata-se de uma interessante pergunta, cujos desdobramentos podem nos levar a conclusões importantes. Antes de discutirmos a questão que inicia este artigo, porém, queremos falar rapidamente sobre o que são direitos de propriedades. Ou, melhor dizendo - dado que o tema por si só merece um texto -, propomos um rápido exercício de imaginação: imagine um produtor rural, que possui alguns hectares. Pois bem, pensemos naquilo que pode fazer com a sua propriedade; é evidente que este indivíduo não pode fazer tudo o que ali deseje, ainda que tenha recursos financeiros para fazê-lo.

Em outras palavras, podem haver limitações legais que o impeçam de usar toda a área, como uma determinada legislação ambiental. Ainda, restrições de ordem econômica, como os altos custos relacionados à proteção de um recurso pertencente à terra, podem fazer com que o produtor simplesmente decida que não vale a pena explorá-la de determinadas formas. Finalmente, costumes enraizados na sociedade podem determinar os limites para a utilização das terras. Independentemente da explicação, é evidente que tais restrições geram consequências sobre a forma como os indivíduos usarão um recurso, que no caso em tela é a terra.

Dito isso, passemos a um exemplo prático. Dois pesquisadores, Markus Goldstein and Christopher Udry, estudaram uma comunidade em Gana, com uma característica bastante interessante: ali, como em outras partes de África, os direitos de propriedade sobre a terra são redistribuídos de tempos em tempos. Mais especificamente, na região a área utilizada para a agricultura pertence a um chefe, que a aloca entre as famílias que pertencem à comunidade. Nesse sentido, sempre que considere conveniente, o líder pode expropriar o terreno de uma determinada família, alocando-o a outro grupo.

Não por acaso, nessa comunidade o poder político costuma ser sinônimo de acesso a melhores terras. Em outras palavras, famílias mais próximas do chefe têm garantias de que não terão as terras expropriadas no curto prazo, o que lhes dá maior tranquilidade para tomar as decisões econômicas. Por outro lado, aqueles mais distantes do núcleo do poder podem perder a posse sobre o terreno a qualquer momento. Estamos falando de uma comunidade cuja realidade impede o uso intensivo de fertilizantes, de modo que a rotação de culturas constitui o principal investimento na terra. Qual seria, então, a principal consequência da incerteza sobre as decisões econômicas das famílias ameaçadas de perder a terra?

Quem respondeu menor cuidado com a terra, acertou. Em resumo, a incerteza com relação à capacidade de utilizá-la durante um período mais longo faz com que muitos agricultores optassem por reduzir o período de descanso do solo, o que afeta a sua fertilidade. Na prática, o medo de ter os direitos de propriedade sobre a terra expropriados pelo chefe da comunidade leva a uma menor produtividade. Faz sentido, porém, o raciocínio do grupo dos "apressados": em meio à insegurança, algo é melhor que nada, ainda que tal prática, no longo prazo, leve a consequências indesejáveis, como a perda de produtividade do solo.

O interessante do exemplo de Gana é que, durante séculos, ao que parece o sistema funcionou relativamente bem. Dito de outra forma, a concentração de autoridade em mãos do chefe, se não levou a um salto de produtividade, evitou a fome na comunidade. Inclusive, é preciso salientar que a inexistência de maiores avanços na região não devem ser explicados apenas com base na questão dos direitos de propriedade. As próprias características sociais ali predominantes certamente são uma excelente explicação: onde falta a "consciência capitalista", ou ainda mercados organizados, é de se esperar que predomine certa estabilidade nas práticas e nos resultados colhidos.

Por outro lado, a escassez crescente de terra faz com que as decisões do chefe tenham peso cada vez maior. Da mesma forma, a falta de espaço tornou a expropriação um risco real para as famílias que lá habitam. Mais especificamente, mudanças de ordem demográfica, por exemplo, acabaram por influenciar o sistema de alocação dos direitos de propriedade na comunidade estudada de uma forma que, no longo prazo, provavelmente levará a problemas ainda maiores. O uso equivocado do solo deverá levar a ainda mais escassez, aumentando o poder do chefe, e, quem sabe, aprofundando ainda mais os desafios.

Nossa intenção com a apresentação do exemplo de Gana é uma só: chamar você, leitor, à reflexão sobre o tema dos direitos de propriedade. Trata-se de um tema bastante complexo, porque mesmo em sociedades como a brasileira, cujos costumes diferem bastante da prática em diversas porções da África, a posse de um título de propriedade é apenas o começo da história. Dizer "a terra é minha" é o início de uma complexa engrenagem que envolve uma série de fatores. A este tema, certamente voltaremos no futuro: no momento, entretanto, fica o chamado a pensar sobre como a questão se relaciona com o seu cotidiano.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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BRUNO VARELLA MIRANDA

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 21/11/2012

Prezado Artur,

Agradecemos o comentário. A estrutura dos direitos de propriedade em uma sociedade certamente influencia o valor de qualquer ativo. Em outras palavras, leis como o Código Florestal ajudariam a explicar o preço de um hectare de terra, por exemplo.

No caso do Código Florestal, acredito que a estruturação de um mercado de serviços ambientais, por exemplo, pode fazer com que em algumas décadas o que hoje é considerado um problema - áreas que, segundo a lei, devem conservar a vegetação nativa - passe a ser disputado pelos agentes econômicos como um ativo valioso.

Evidentemente, ainda precisamos fazer muito para que isso ocorra no Brasil, mas acreditamos que iniciativas como essa demorarão menos do que se imagina. Se as hipóteses dominantes entre os estudiosos das mudanças climáticas estiverem corretas, aumentará o apelo geral na sociedade por "políticas verdes"; dependerá da correlação de forças - e das estratégias dos agentes - o resultado final derivado dessas demandas.

O tema é muito interessante, e acreditamos que podemos voltar a ele no futuro, com um texto mais longo. Queríamos chamar a atenção para o papel dos direitos de propriedade justamente pelo exemplo do Código Florestal, embora este não seja o único.

Atenciosamente

Bruno Miranda
MARCOS GOULART PEREIRA (MARKITO.'.)

LAVRAS - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 16/11/2012

Prezados Profa.Sylvia e Mestre Bruno


Saudações


Tema importante para uma reflexão para o Estado de Direito e para elaboração de política agrícola para o Nosso Brasil.


Mediante as evoluções da sociedade como um todo, torna-se necessário adequações, pois nem sempre aquele que detem o poder tem o saber.


A produção de alimentos e recursos naturais devem ser tratados como segurança nacional; a necessidade de zoneamento agrícola e políticas direcionadas devem ser adotadas para que não haja escassez de alimentos e recursos naturais, principalmente água, em volume e em qualidade.


Recomendo a leitura do livro "História das Agriculturas no Mundo - do Neolítico à Crise Contemporânea" de Marcel Mazoyer e Laurence Roudart Editora UNESP. 2010.


Parabéns pelo texto exposto e aguardo os vindouros.


Atenciosamente,


Markito.´.


JOSE NATAL DA COSTA

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 15/11/2012

Esta matéria serve para muita reflexão.

Se voce tem a terra, tem responsabilidade com ela e com o que ele produz, e no momento atual os custos de produção estão dificultando os resultados esperados.

Gostaria de ouvir mais opiniões a respeito.

Reflitam.

Abraços,

Jose Natal
ARTUR QUEIROZ DE SOUSA

CAMBUQUIRA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 14/11/2012

Interessante a abordagem do tema, e a explicação de como ocorre na África. Uma coisa que me intriga é o valor da terra. Quanto ela vale realmente. Que fatores fazem com que o seu preço suba ou não. Por que temos insegurança jurídica no país, e um debate tão acirrado quanto ao Código Florestal?
JOÃO MARIA MARTINS

CHAPECÓ - SANTA CATARINA - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 12/11/2012

Muito oportuno a Matéria


Fico pensando, a migração para os centros urbanos é cada vez maior, daqui a alguns anos quem vai produzir alimento para todo este povo, se os nossos produtores estão na grande maioria aposentando-se ou parando de produzir por problemas de saude e o pior vendendo as pequenas propriedade para pessoas que estão nas Cidades, usarem estas áreas para plantar Eucliptos, Pinos etc. Pensem,
PAULO FERNANDO ANDRADE CORREA DA SILVA

VALENÇA - RIO DE JANEIRO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 12/11/2012

Interessante. Muito atual o tema.


Obrigações e responsabilidades da propriedade da terra. A maior delas, pouco reconhecida hoje pelos brasileiros urbanos: por café da manhã, almoço e jantar na mesa dos habitantes do planeta terra.


Paulo Fernando.
FERNANDO CASTEJON

GOIÂNIA - GOIÁS

EM 07/11/2012

Concordo com os autores e este exemplo servirá de ponto de reflexão face à nova regulamentação do novo código florestal!


A incapacidade de ser produtiva de algumas propriedades, se fará com desinvestimentos e perdas economicas não só para o dono da terra, como para a sociedade, que necessita sempre mais de alimentos de qualidade.

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