O fato é que a inexistência de critérios uniformes para a conceituação daquilo que viria a ser um café especial prejudica principalmente a veiculação de campanhas de publicidade destinadas a esclarecer o consumidor final. Afinal a diferenciação pode estar associada à melhoria na qualidade da bebida, ao modo de produção, como os cafés orgânicos ou até mesmo à situação econômica e/ou ambiental da produção.
Neste artigo enfocaremos os chamados cafés sustentáveis, que contemplam os cafés orgânicos, os sombreados e os denominados fair trade.
O método de produção de orgânicos, de uma forma geral, visa evitar ou excluir amplamente o uso de fertilizantes e agrotóxicos elaborados sinteticamente.
O cultivo do café de sombra é uma iniciativa relativamente recente e surgiu com a preocupação com a biodiversidade e a crescente deflorestação incentivada com a disseminação das lavouras a pleno sol.
Os cafés fair trade são definidos pela abordagem alternativa ao comércio do café convencional. O principal objetivo é melhorar o bem-estar dos pequenos produtores ao proporcionar acesso ao mercado com um pagamento "justo" pelo produto.
Considerada uma excentricidade durante diversas décadas, a produção de orgânicos ou ainda de cafés produzidos na sombra de outras espécies vem sendo adotada por um número cada vez maior de cafeicultores, interessados não apenas nos aspectos éticos e ambientais dessa decisão, como também nos incentivos econômicos decorrentes dessa escolha. No Brasil, a produção de orgânicos reflete, de certa forma, o que ocorre no mundo, conforme se pode observar na tabela 1.
Tabela 1 - Tamanho e valor dos mercados mundiais de café sustentáveis em 2000.
As confusões originadas da discussão deste tema derivam da própria origem do termo sustentabilidade na cafeicultura mundial. Difundido inicialmente pelos norte-americanos, essa noção esteve originalmente ligada ao segmento de cafés especiais, de qualidade superior e sem qualquer menção especial às técnicas de produção e distribuição. Foi somente com os europeus e a ascensão do movimento fair trade que passou a se discutir a sustentabilidade da cafeicultura por meio de parâmetros éticos e ecológicos.
Do movimento fair trade surgem organizações não governamentais, ONG´s, com grande poder na atualidade, como a Oxfam, por exemplo. Atuando como grupos de pressão em diversas esferas do cenário internacional, essas ONG´´s contribuem não apenas para a criação de padrões específicos, como também na consolidação de nichos de mercado afinados com a ideologia do comércio justo. Muitas dessas organizações atuam como certificadoras, atestando a qualidade do café e organizando a distribuição do mesmo em diversos países do Primeiro Mundo.
É interessante observarmos que a opção pelo cultivo de cafés orgânicos é em muitos casos explicada pela incapacidade de obtenção dos insumos tradicionais por parte dos produtores. É assim no México, no Peru e mesmo em algumas regiões do Brasil, como em Poço Fundo, onde a decisão para a conversão dos cafezais em orgânicos passou também pela constatação dos altos custos ocasionados pela compra anual de insumos.
No Brasil, o cultivo de cafés sustentáveis tem início nos primeiros anos da década de 90, após a extinção do IBC e o início de um movimento pela promoção da qualidade do café brasileiro. Na região do sul de Minas está concentrada grande parte dos pioneiros nessa atividade, como a família Franco, uma das referências quando o assunto é café orgânico. Posteriormente, iniciativas de busca de certificação como as observadas na região de Poço Fundo, também no sul mineiro, ou ainda na serra do Baturité, no Ceará, demonstraram a viabilidade da colheita de cafés sustentáveis entre pequenos produtores.
Após os excelentes resultados obtidos por produtores de cafés orgânicos em concursos brasileiros de qualidade, como o Cup of Excellence, ficou evidente que o fato de que um café poderia também atingir uma qualidade superior. Mais que isso, chamou a atenção o prêmio obtido por Paulo Sérgio de Almeida, o vencedor do Cup of Excellence de 2001, na venda de seu café.
Ao obter cerca de US$ 700 de prêmio por saca, o produtor de Paraisópolis contribuiu para a criação de certa euforia entre diversos cafeicultores, desanimados com as baixas cotações internacionais do café no início do século XXI. Fatos como esse explicam a impressionante trajetória da produção brasileira de café orgânico, que mais que triplicou em apenas três anos (gráfico 1).
Gráfico 1: Produção brasileira de café orgânico (sacas de 60 quilos).
Tamanho aumento na produção acarretou em um excesso de oferta, cujo volume adicional teve de ser vendido como café convencional posteriormente. Nos anos seguintes, as melhores cotações internacionais diminuíram o interesse de parte dos produtores, tendo sido observada inclusive uma retração na produção de café orgânico no Brasil. Ou seja, mais que um modismo, é evidente que a opção por qualquer modo de produção se subordina primeiramente aos riscos e oportunidades que o mesmo traz.
Evidentemente, a idéia de que todos os produtores poderiam obter prêmios semelhantes aos impressionantes US$ 700 supracitados é ilusória, afinal esse valor se explica principalmente pela vitória em um concurso, algo acessível a poucos.
No entanto, dados do mesmo período demonstram que o argumento de que há um prêmio assegurado aos cafés sustentáveis é consistente. Em 2000, os prêmios médios obtidos por operadores situados em países consumidores foram da ordem de US$ 0,49/lb para os orgânicos, US$ 0,46/lb para os plantados na sobra e US$ 0,59/lb para os cafés fair trade.
É importante lembrar que em períodos de cotações favoráveis no mercado de cafés convencionais diminui bastante o ágio entre estes e os cafés sustentáveis, o que de certa forma desestimula diversos produtores interessados nesse filão por motivos meramente econômicos.
O dado acima merece especial atenção, afinal conforme dissemos, os prêmios foram obtidos por operadores baseados em países do Primeiro Mundo, ou seja, pessoas que não plantam um único pé de café! Dessa forma, é importante frisarmos que uma das primeiras armadilhas desse segmento diz respeito à dificuldade que os produtores possuem em muitos de abocanhar fatias desse prêmio, sendo que em muitos casos estes se mantém a dezenas de milhares de quilômetros dos cafezais.
Em relação a isso, vale a pena falarmos rapidamente da experiência da constituição de associações de produtores de café orgânico. Com o adensamento das relações entre produtores com interesses semelhantes, abre-se espaço para a conformação de um espaço comum para a busca de oportunidades para todos, vindas por meio de ganhos de escala na negociação de contratos com fornecedores de insumos, certificadores e compradores do produto final. Nesse caso, vale a pena lembrarmos que a certificação de uma organização reconhecida, apesar de representar um trunfo importante, é bastante custosa, e em muitos casos exige a coordenação entre diversos produtores para a redução dos custos.
Muitos poderão afirmar que o mercado de cafés sustentáveis é ainda reduzido, e que a conversão dos cafezais é arriscada. Certamente esse argumento é parcialmente correto. O segmento de cafés sustentáveis corresponde a apenas cerca de 1% do mercado mundial do produto em grande parte do mundo desenvolvido. Se analisarmos o enorme mercado norte-americano, vemos que entre os cafés especiais, os orgânicos correspondem a apenas 2% das vendas, um volume ainda baixo.
No entanto, as projeções para o futuro são animadoras: no período entre 1999 e 2004, o mercado de cafés sustentáveis no Japão e na Europa Ocidental cresceu a uma taxa média anual de 10%. E mais importante, o crescimento do mercado de cafés especiais, conforme se verá a seguir, não decorre da maior preocupação com a natureza ou os pássaros, e sim com a qualidade.
Paulatinamente, a idéia de que os chamados cafés sustentáveis têm sua demanda sustentada pela consciência ecológica dos consumidores do Primeiro Mundo vem sendo contestada por diversas pesquisas conduzidas nos últimos tempos. Para grande parte das empresas do setor, é a qualidade superior do gosto do café a principal razão para a opção por cafés sustentáveis, sejam eles orgânicos, plantados na sombra de outras plantas ou ainda de acordo com parâmetros do chamado movimento fair trade. Até mesmo a orientação ética do empreendedor vem à frente da preocupação com o consumidor, e isso por um motivo simples: é ainda pequena a informação que chega até a população.
Portanto, a opção pela produção de cafés sustentáveis na atualidade se deve principalmente aos benefícios que este segmento pode trazer aos produtores. Mais que uma ideologia alternativa, há incentivos de mercado cada vez mais claros aos atuantes nesse nicho tão promissor. Por outro lado, a ausência de barreiras à entrada de novos produtores pode acabar trazendo com o tempo concorrência ferrenha, e com isso menores ganhos.
Primeiramente, é importante percebermos que a conversão dos cafezais por si só não garante o sucesso de empreendimento algum. O mercado dos cafés sustentáveis se encontra amplamente ligado a uma bebida de melhor qualidade, o que obriga os cafeicultores a um cuidado especial em todas as etapas. Ou seja, como conclusão principal fica a idéia de que a qualidade deve ser o objetivo principal sob qualquer hipótese.
Em seguida, a opção feita por diversos pequenos produtores de adoção das técnicas de produção sustentáveis costuma funcionar melhor quando acompanhadas de iniciativas de articulação com agentes na mesma situação, bem como com instituições de pesquisa e ONGs.
No primeiro caso se ganha em escala e com a troca de experiências; no segundo com um conhecimento que em muitos casos é restrito, e finalmente as parceiras com ONGs podem trazer o reconhecimento do diferencial do café sob a forma da certificação, ou ainda o apoio na comercialização no Primeiro Mundo.