ESQUECI MINHA SENHA CONTINUAR COM O FACEBOOK SOU UM NOVO USUÁRIO
FAÇA SEU LOGIN E ACESSE CONTEÚDOS EXCLUSIVOS

Acesso a matérias, novidades por newsletter, interação com as notícias e muito mais.

ENTRAR SOU UM NOVO USUÁRIO
Buscar

Bom pra quem?

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 29/08/2008

6 MIN DE LEITURA

1
0
O mercado internacional do café guarda espaço para incontáveis histórias. De forma interessante, sobre sua performance cabem tanto as análises otimistas, como aquelas carregadas de pessimismo. Ao que parece, tudo depende de quem conta a história, e baseado em qual perspectiva. A nós, pesquisadores que não produzimos nem comercializamos café, resta a dúvida acerca de qual fileira engrossar, ou seja, qual versão dos fatos seguir.

No passado recente, foram diversas as crises enfrentadas pela cafeicultura. O início das duas últimas décadas ficou marcado pela queda abrupta de preços, abandono da atividade por parte de milhares de cafeicultores em todo o mundo, reclamações diversas e até uma ponta de saudosismo dos tempos da regulamentação. Por outro lado, desde a década de 80, o mundo se deparou com a explosão no consumo de cafés especiais, a onda Starbucks e a expansão das exportações a mercados antes fechados, dando a entender justamente que este período vem sendo de vacas gordas. Tendo estas duas realidades em vista, qual lado da história está com a razão?

Na tentativa de definir este fenômeno, dois pesquisadores dedicados a estudar o comércio internacional do produto, Benoit Daviron e Stefano Ponte, cunharam a seguinte expressão: "o Paradoxo do Café". De acordo com esses autores, o que mais chama a atenção é que, acompanhado do acúmulo de crises no setor produtor, na ponta do consumo o processo de inovação e diferenciação se encontra a todo vapor, originando novas possibilidades de expansão continuamente.

As críticas mais ácidas ao estado da cafeicultura mundial, bem ao estilo "Paradoxo do Café", partem de pesquisadores amparados em um ferramental teórico destinado a compreender de que maneira o valor é gerado e distribuído ao longo da cadeia. Esta visão global tem alimentado não apenas o pessimismo em relação à condição dos produtores rurais no Terceiro Mundo, como também influenciado a estruturação de mecanismos privados de comercialização, como o selo Fairtrade, cujo foco está na redistribuição dos ganhos entre todos os participantes do segmento. No entanto, essa visão privilegiada dos acadêmicos, capaz de capturar cada nuance do périplo do café ao redor do globo provavelmente não é compartilhada por todos os agentes envolvidos na cadeia.

Pensemos primeiramente como produtores rurais. Ao decidirmos por um intercâmbio com agente A ou B, basicamente duas questões vêm à mente: qual transação pagaria mais e com qual parceiro a dor de cabeça seria menor. A princípio, nenhum cafeicultor tem plena noção da porcentagem que lhe caberá do total gerado na cadeia, ou da dinâmica de todas as transações levadas a cabo até o momento em que o consumidor adquire seu produto. Assim, operando no mercado commodity, o cafeicultor não tem maior preocupação com a questão do preço, que está dado, restando apenas levar seu produto ao mercado com o menor custo de modo a não ficar em desvantagem.

Pois bem, é com essa perspectiva que trabalham dezenas de estudiosos ao redor do mundo. Esse enfoque, voltado à eficiência da transação, acaba relegando a um segundo plano as preocupações com a divisão de valor na cadeia, trazendo por outro lado fatores importantes na governança das relações entre agentes econômicos. Principalmente em um contexto marcado pela limitação da informação disponível, tal forma de enxergar as relações entre parceiros permite predições interessantes acerca da forma como as pessoas respondem aos incentivos do meio.

Da mesma forma, contribui para a emergência de um papel diferenciado por parte de determinados elos nesta longa história de intercâmbios; afinal, dado que o principal objetivo é garantir a eficiência nas transações, como organizar tudo isso?

Um exemplo desse enfoque pode ser encontrado em artigo escrito pelo professor Benito Arruñada, da Universidade Pompeu Fabra. Ao analisar a relação entre supermercados e produtores de verduras, o pesquisador salienta insistentemente o papel das grandes redes varejistas na governança de uma complexa cadeia, deixando transparecer em diversos momentos a crença de que a inexistência dessa personagem poderia mesmo inviabilizar a atividade econômica do segmento como um todo.

Para consumidor volúveis e cheios de caprichos, nada como um agente próximo para captar qualquer mudança de preferência com a agilidade necessária para sair na frente. Para desacordos ou ameaça de rompimento de contratos, voilà, eis que surge o supermercado como uma instância capaz de dirimir conflitos a baixo custo e de forma ágil. Contra a ameaça de investir na produção com qualidade e ficar com as mãos abanando, sempre a garantia de venda para um parceiro interessado na perpetuação dessa relação.

De fato, sem a presença dessas gigantes no jogo, seria quase impensável conceber uma indústria do café com a complexidade observada na atualidade. O consumidor, que tem sempre razão, é o responsável por ditar o ritmo da música nos diversos setores da economia; no entanto, os acordes dessa sinfonia chegam com enorme dificuldade aos locais de produção dos bens agrícolas. Por isso, é inegável o protagonismo de torrefadoras, supermercados e cafeterias na coordenação de distintos elos da cadeia, levando aos cafeicultores a informação relevante para que o consumidor se sinta satisfeito e, assim, se mantenha um comprador fiel do produto.

Indo além, a questão da eficiência aqui é levada em conta não apenas no que se refere à obtenção de informações acerca das preferências do consumidor. Eficiente nesse caso é aquela transação que permite que os produtos cheguem na ponta da cadeia pelo preço mais competitivo possível, de modo que o bem-estar dos compradores seja maximizado. Daí a preocupação diminuta com os aspectos referentes à distribuição do valor ao longo da cadeia.

Nem tanto o céu, tampouco o inferno

Conforme vimos acima, entre a multiplicidade de maneiras disponíveis para a análise das cadeias de produtos agrícolas, duas em especial nos norteiam aqui: aquela baseada na discussão acerca da criação e divisão do valor ao longo da cadeia e aquela destinada a compreender a busca por eficiência nas relações entre os diversos elos da mesma, de forma separada. Na exposição de um modo ou outro de enxergar o mundo, nenhuma mentira foi contada; pelo contrário, ao que parece a diferença entre a visão pessimista e otimista parece estar em primeiro lugar no ângulo de observação escolhido.

Uma rápida olhada na forma como os agentes buscam organizar suas transações parece fazer eco ao argumento de que a eficiência é o principal fator levado em conta, ao passo que os números não mentem: nas últimas décadas há uma concentração crescente de valor em torno dos elos da cadeia mais próximos do consumidor. Assim, permanecem cavadas as trincheiras, com debates intermináveis que apenas tornam mais difíceis a implementação de remédios para os problemas da cafeicultura e de outros setores econômicos. Isso porque a extrapolação de resultados obtidos dentro de peculiariedades metodológicas claras acaba abrindo caminho para desvios interpretativos, enaltecendo os aspectos positivos ou negativos de uma realidade bem mais complexa.

É provável que o caminho para a conciliação entre essas duas visões possa ser aberto a partir de concessões mútuas. Tanto os partidários do enfoque macroanalítico terão que compreender que o estudo da lógica global de uma cadeia de produtos agrícolas pouco contribui para o entendimento das decisões particulares dos agentes da cadeia, como os adeptos do discurso da eficiência terão que levar em conta o poder de barganha em suas análises, e portanto uma extensão no leque de preocupações vividas por cada agente em uma negociação econômica. Nesse sentido, a eficiência é apenas uma das faces da história, contada pelos mais fortes.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

1

DEIXE SUA OPINIÃO SOBRE ESSE ARTIGO! SEGUIR COMENTÁRIOS

5000 caracteres restantes
ANEXAR IMAGEM
ANEXAR IMAGEM

Selecione a imagem

INSERIR VÍDEO
INSERIR VÍDEO

Copie o endereço (URL) do vídeo, direto da barra de endereços de seu navegador, e cole-a abaixo:

Todos os comentários são moderados pela equipe CaféPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

SEU COMENTÁRIO FOI ENVIADO COM SUCESSO!

Você pode fazer mais comentários se desejar. Eles serão publicados após a analise da nossa equipe.

JOSÉ MARCOS UNES TICLE

LAVRAS - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 02/09/2008

De muita valia como alerta, uma vez que a história sempre parte de um ponto de observação. Este texto mostra-nos a visão que sabemos não ser favorável ao produtor.

O fato é: que caminho seguirmos para reverter esta situação? Agregar valores, fortalecermos a classe produtora dentro da cadeia, criarmos "atravessadores" exportadores próprios via cooperativas?

Fica no ar nossa solução para vocês, pesquisadores.

Parabéns pelo texto.

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades do CaféPoint diretamente no seu e-mail

Obrigado! agora só falta confirmar seu e-mail.
Você receberá uma mensagem no e-mail indicado, com as instruções a serem seguidas.

Você já está logado com o e-mail informado.
Caso deseje alterar as opções de recebimento das newsletter, acesse o seu painel de controle.

CaféPoint Logo MilkPoint Ventures