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A receita muda de acordo com os ingredientes

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 18/11/2008

5 MIN DE LEITURA

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Em tempos de pessimismo generalizado com a situação da economia mundial, não são poucos os profetas que emergem com o discurso pronto. "Eu avisei que o modelo estava completamente equivocado", bradam uns, ao passo que outros preferem adotar a linha do "Algo fugiu do ideal dos livros". E de certa forma, o correr dos dias parece dar a razão para todos os lados nesse falatório, tamanha a produção de notícias sobre o tema nos últimos meses. Em questão de dias, o mundo é soterrado pela impressão de que nada pior assolou os humanos, sensação que logo dá lugar a um clima triunfalista, geralmente derivado da ação de algum governo ou do parecer dos oráculos do mercado.

Entre tudo o que já foi dito sobre a crise até o momento, algumas posições são bastante válidas, e as críticas levantadas ao modus operandis do sistema financeiro internacional refletem, em muitos casos, verdades que deveriam nortear uma eventual reestruturação desse mercado plenamente integrado. Inclusive, há um notável componente moral ligado a essa questão, e que se refere a temas tão polêmicos como os limites para a busca pelo lucro ou o alcance do crédito em sociedades compostas por agentes com direitos iguais, mas com dotações econômicas díspares.

No entanto, a enorme desenvoltura ao debater a crise não omite o fato de que ninguém sabe bem o que ocorrerá no futuro. Nosso entendimento dos mecanismos por trás da economia são ainda bastante rudimentares, principalmente tendo em vista o tamanho de nossos desafios. Se por um lado é notável o avanço nesta ciência no último século, seria leviandade ignorar a enorme complexidade de nossa realidade, algo que somente deverá crescer à medida que o mundo se torna mais povoado e a luta por recursos, mais intensa.

Iniciamos o artigo com essa rápida exposição acerca da crise internacional porque o assunto mostra bem o quanto nos apegamos, em diversos momentos de nossas vidas, a receitas prontas, esperando a conformação de resultados que, para nosso desespero, parecem estar cada vez mais restritos às páginas dos livros. Aqui, o nosso mote central é o café, de modo que vamos fazer uma rápida comparação que nos permite traçar alguns paralelos com as análises deterministas que pipocam pelos meios de comunicação e mesas de bar acerca dos mais variados temas. Os temas da moda mudam de tempos em tempos; o que não costuma mudar é justamente a forma de observar os fatos.

Mão invisível ou braço forte?

Analisando a situação dos cafeicultores na África, Benoit Daviron e Stefano Ponte, dois pesquisadores europeus, chegam a conclusões interessantes. De acordo com estes autores, a qualidade média do café produzido em alguns países do continente africano diminuiu consideravelmente após a desregulamentação do comércio internacional do produto, ato que levou ao desmantelamento dos aparatos estatais de fiscalização e orientação das políticas cafeeiras estatais. Resumindo o raciocínio dos dois cientistas, a desestruturação do esquema centralizado de fiscalização nesses países levou a um estado de relativo abandono aos cafeicultores locais, que sem qualquer regra para cumprir acabaram por abandonar progressivamente os cuidados com os cafezais.

No Brasil, a tese mais disseminada, e que vem se mostrando acertada, é a de que a desregulamentação do mercado contribuiu para a melhoria da qualidade média do café nacional. É notório o quanto os incentivos dados pelo governo contribuíam para uma espécie de pacto da mediocridade nacional, sendo a busca pela produção crescente o único objetivo perseguido. Ao final da corrida, seguíamos primeiros no ranking, porém o mundo torcia o nariz para o nosso café, e hoje temos que correr atrás do prejuízo. Conforme as análises do tema bem demonstram, a liberalização trouxe, via possibilidades de diferenciação por meio do preço, oportunidades para o investimento dos cafeicultores em filões mais promissores do mercado.

De fato, preços são um excelente incentivo, desde que amparados em uma estrutura capaz de disseminar os estímulos relevantes às pessoas corretas. No Brasil, os cafeicultores possuem um nível educacional considerável, habitam regiões caracterizadas pelo dinamismo econômico e se encontram integrados a uma sociedade que vai além dos cafezais. Daí a progressiva identificação de oportunidades, que foi seguida de ações concretas, muitas das quais com enorme sucesso. Hoje saudamos a liberalização do mercado, com raras exceções, e comemoramos todas as conquistas obtidas desde então, como o impulso dado no consumo interno.

Conforme fica claro, o acesso à informação é variável fundamental para os esforços de diferenciação. É ele que garante o tal cutucão proporcionado pelos preços, e que estimula os agentes a se mexerem. Porém, no mundo real, a informação não chega a todos os cantos de forma uniforme, refletindo os próprios limites do mercado como forma de organização. Ainda pior, em alguns casos este dado chega repleto de interferências aos agentes interessados; os pequenos cafeicultores da América Central, dependentes da relação com atravessadores com enorme poder de mercado, são prova viva desse quadro. Provavelmente, em grande parte da África é isso o que acontece também, de modo que a confiança no mercado acaba por se traduzir em abandono ou captura indiscriminada de valor por elos da cadeia que não deveriam gozar de tamanho poder.

O mercado é sim uma boa solução em diversos casos, e imbatível no que se refere a custos. Porém, não funciona sempre, de modo que o bom senso e o julgamento cuidadoso devem estar a frente de qualquer tese fundamentalista, seja ela liberalizante ou intervencionista. Melhora a produção voluntariamente quem tem recursos para isso, informação acerca das tendências do mercado e a esperança de que, em caso de fracasso, haverá alternativas para o redirecionamento das atividades econômicas. Confiar exclusivamente no mercado pode levar à desintegração de arranjos sociais inteiros, negando a milhões de cidadãos a mera chance de entrar no jogo.

Por outro lado, é fundamental salientar que, para aqueles que possuem capacidade de investir voluntariamente na melhoria de sua produção, o amparo governamental ou o cuidado exacerbado têm o poder potencial de estimular a preguiça. Assim, dosar os esforços passa a ser o desafio. Infelizmente, a mistura de interpretações parciais de nosso conhecimento acumulado em matéria de economia com o exercício do poder de influência político tem levado a uma série de equívocos e distorções desnecessárias ao longo das últimas décadas. A esperança é a de que, tanto em matéria de política aplicada ao setor cafeicultor como no caso da crise financeira internacional, os erros do passado se traduzam em melhores respostas à coletividade, sem o apego a teses fundamentalistas ou aos que mais gritam, e que nem sempre merecem a ajuda.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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