As perdas na BM&F-Bovespa também foram expressivas, com queda acumulada de 2,62%. Esse aparente descolamento da BM&F-Bovesta frente a Nova Iorque decorre, em parte, da inversão de tendência até então prevalecente de valorização do real. Em ambas as bolsas, em 2008, as perdas são bastante significativas, com recuo de 14,54% em Nova Iorque e de 9,40% na BM&F-Bovespa (figura 1).
Figura 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, janeiro de 2004 a setembro de 2008
Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil2
Ainda sob a vigência dessa fabulosa crise financeira, estatisticamente são esperadas cotações ascendentes para o café a partir do final de outubro e início de novembro que normalmente perduram até final de fevereiro e início de março do próximo ano. Portanto, é necessária muita cautela no que diz respeito a cotações de café. Ainda que, no maior mercado consumidor da bebida, possa haver diminuição da demanda para os tipos gourmet e especiais, fatores como a chegada do inverno e a recomposição de estoques podem surpreender os que acreditam em novas baixas nas cotações do produto.
Na Bolsa de Londres, onde são negociados os contratos de café robusta, também houve queda contabilizada em 7,19%. O aumento da safra vietnamita e a boa colheita no Brasil, apesar da longa estiagem ocorrida em 2007, são fatores que conferem tranqüilidade para os importadores em termos de oferta de médio prazo. Contabilizadas todas essas perdas, o índice composto da OIC para agosto exibiu declínio de 3,40%, com média ponderada de US$ 167,58/sc (figura 1).
Frente às demais commodities negociadas em bolsas de valores, o café foi uma das que menos se beneficiou da escalada de preços. Talvez exista no mercado de café um importante diferencial desse produto frente aos demais. Ou seja, possuirá o produto uma tendência para o suporte em posições menos baixistas que as outras soft´s commodities? O ápice da colheita no Brasil não é momento propício para expor essa hipótese sob teste, mas nesse trimestre que se inicia teremos condições de avaliar a existência desse fenômeno, e mais importante, começar a analisar o porquê desse comportamento. Haveria no café algo a mais que seu valor material?
O valor simbólico de uma bebida
Nos grandes conglomerados urbanos brasileiros, constata-se um relativo empobrecimento da vida social. A sensação de isolamento parece correlacionar-se com o grau de densidade populacional vigente, algumas vezes acentuado tanto pelos elevados índices de violência registrados quanto pela escalada fabulosa dos congestionamentos. Todavia, na mesma proporção em que se erodem as formas de convívio social, são recriados outros hábitos comportamentais que buscam justamente preencher tal lacuna. Dirigir-se a uma cafeteria para apreciar um café, aparentemente, insere-se dentro do campo das novas condutas.
Outro fenômeno que pauta a contemporaneidade é a modificação do ato de consumir de simples atendimento das necessidades existenciais da vida para um novo domínio, em que são valorizados aspectos sócio-culturais em que o hedonismo reina supremo. A esse movimento, o hábito de apreciar café também se alinha e o reforça. Por não se tratar tipicamente de um alimento, mas de uma bebida que concede satisfação a quem dela se serve, promove o desejado prazer individual que atualmente determina a maneira de consumir3.
Ao contrário do consumo das bebidas espirituosas, cuja possibilidade de perda do autocontrole está sempre à espreita, o hábito de apreciar café em estabelecimentos especializados encoraja com vigor a atividade intelectual e o intercâmbio das idéias, remetendo o momento atual, de disseminação epidêmica dos pontos que servem a bebida, às origens desse hábito no ocidente. Não é demais lembrar que, sob o teto de alguma casa de café européia, foram lançados desde revoluções até novas teorias que transformaram a compreensão do homem sobre o universo e sobre si mesmo4. Potencializado pela inserção nos domínios da tecnologia da informação (nos chamados cybercafés), o hábito de freqüentar uma cafeteria guarda muito do apelo dos primeiros cafés públicos seiscentistas.
O café encaixa-se perfeitamente na lógica própria de consumo presente nos estabelecimentos que atuam no ramo da alimentação (bares, padarias, lanchonetes, cafeterias, quiosques e restaurantes). É talvez aquele que melhor simbolize a imagem de tais estabelecimentos. Tal hipótese pode ser em parte confirmada, a partir da existência de pontos de degustação de café ao longo de praticamente todos os andares dos shoppings centers, não se limitando exclusivamente às praças de alimentação5. O aroma do café é quase irresistível e, em se havendo uma companhia, a possibilidade de apreciação de uma xícara tem um apelo irrevogável.
Assim, combinado às sensações prazerosas ao ser consumido (tanto gustativas como aromáticas) com seu efeito estimulante, aliadas ainda ao ritual específico da preparação (quando há um barista capacitado para esse fim), o café propicia momentos de sociabilidade e de pausa durante a jornada de trabalho. E, particularmente no caso dos moradores dos grandes centros urbanos, traz alívio frente aos penosos deslocamentos em âmbito de suas cidades.
O conceito de reglamurização6 do hábito em apreciar café é, sobretudo, um despertar para o monumental conteúdo simbólico e sua vital importância no estilo de vida da sociedade contemporânea. Não se deve surpreender se cada vez mais esse significado imaterial do produto café pautar crescentemente as transações comerciais. O atual discurso e o empenho prático pela busca da qualidade nada mais representam do que o fortalecimento dessa dinâmica simbólica do café.
Nos grandes centros urbanos, o hábito de consumir café exibe sinais de crescente aceitação. O ato de apreciar um café, especialmente fora do lar, tende a se tornar predominante, pois as taxas de crescimento dessa parte do mercado de café, pautadas pelo fenômeno de reglamurização da bebida, são invejáveis por qualquer outra atividade de cunho econômico.
No mundo inteiro, o potencial de negócios representado pelo serviço de café tem atraído a atenção de empreendedores. A todo instante surgem novos pontos de degustação da bebida, tanto patrocinado por consolidadas redes como por iniciativas autônomas que, em alguns casos, alcançam padrões de requinte inimagináveis.
A grande quantidade de xícaras, que se estimou serem consumidas diariamente na cidade de São Paulo, eleva-a para posição de destaque no mundo. À exceção de Nova Iorque, não há outra cidade capaz de ombrear as cerca de 25 milhões de xícaras consumidas fora do lar ao dia. Portanto, além de maior produtor e exportador de café in natura, o Brasil, como segundo maior consumidor da bebida no mundo, pode se arvorar com o título de possuir a capital do café no Hemisfério Sul7.
Café: uma lavoura quase ensandecida
Em julho de 2007, tivemos a ousadia de nos pronunciar a respeito da safra que ora se encerra. Naquela altura, fizemos o prognóstico de que a futura colheita (já finalizada) seria, provavelmente, a maior da década. Como não poderia deixar de ser, fomos imediatamente deslocados para o campo dos renegados por um conjunto expressivo de lideranças dos cafeicultores.
Ademais, o atraso no retorno das precipitações promoveu uma das mais chocantes cenas nos cinturões cafeeiros: ramos sem folhas, porém, totalmente floridos. Assim, como fugir da imediata implicação, ou seja, sem folhas os frutos não terão um pegamento satisfatório, comprometendo a oferta da temporada 2008/09. Tal assertiva, agronomicamente consistente, se somou ao arsenal de argumentos daqueles que viam neste analista um sujeito desvairado.
De fato, temos de nos penitenciar. O país não colheu a maior safra da década, mas apenas a segunda maior. O último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) informa que a colheita brasileira atingirá 45,84 milhões de sacas compostas por 35,27 milhões de arábica e 10,58 milhões de conilon. Mais interessante constatar que, na primeira estimativa, o número era 42,73 milhões de sacas (previstas em janeiro de 2008). Portanto, o volume colhido foi sendo incrementado após as estimativas que se sucederam até atingir a segunda maior da década, como indicam os dados de setembro de 2008. Houvessem as precipitações retornadas ao princípio de outubro e, não somente no final, nossa previsão seria certeira, com colheita acima das 50 milhões de sacas.
Este analista possui uma premissa da qual não se livrará jamais. O café é uma planta dócil, capaz de tolerar o destrato e a ele responder generosamente. A lavoura de café é aquela que melhor representa o bordão de que, na terra de Pindorama, em se plantando tudo dá, pois a planta possui efetivamente tal natureza dadivosa.
Não nos arriscaremos a formular um prognóstico para a safra que se inicia, mas alertamos aos pessimistas de plantão: surpresas poderão surgir no míope horizonte construído segundo as conveniências comerciais de cada agente que atua nesse negócio. Apostar em cenários pautados pela carestia (defendidos preferencialmente pelos cafeicultores) pode não acontecer. Tampouco, uma temporada de abundância (defendida preferencialmente pelos exportadores) pouco se sustenta. Não será a terceira maior safra da década, mas próximo dela ficará!
1 O Autor agradece as sugestões do Prof. Dr. Felix Schouchana da FGV/SP e a colaboração de Gilberto Bernardi na coleta e sistematização dos dados básicos.
2 Disponível em www.gazetamercantil.com.br (para assinantes).
3 PORTILHO, F. Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania. São Paulo, Ed. Cortez, 2005. 258p.
4 STANDAGE, T. História do Mundo em 6 Copos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005. 242p.
5 ASSUMPÇÃO, R.; VEGRO, C.L.R & PINO, F.A O mercado de expresso em shoppings centers da cidade de São Paulo. Informações Econômicas, SP, v.33, n.11,nov. 2003. 38-46p.
6 Há alguma pretensão em definir como conceito a idéia de reglamurização do hábito de apreciar café. Certamente são fortes os indícios desse fenômeno, porém não se trata de uma exclusividade do café, pois também pode ser observado em produtos como o azeite de oliva por exemplo.
7 VEGRO, C.L.R; PINO, F.A.; ASSUMPÇÃO, R. Hábitos e preferências do consumidor de café fora do lar. In: ANGELO, C.F & SILVEIRA, J.A G. Varejo Competitivo, Saint Paul Editora, v.12, 2007c. 171-193p