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Será o café um produto imaterial?

POR CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

CELSO VEGRO

EM 08/10/2008

8 MIN DE LEITURA

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As cotações tanto do arábica quanto do robusta acumulam perdas desde julho, porém, com o desmantelamento do sistema financeiro estadunidense, essas perdas se tornaram mais acentuadas em setembro.1 Na Bolsa de Nova Iorque (contrato C em segunda posição - em US$/sc.), a média das cotações no mês exibiu acentuada queda, contabilizando perda de 6,35% frente à média do mês anterior (US$ 188,38 por saca em agosto contra US$ 176,42/sc em setembro).

As perdas na BM&F-Bovespa também foram expressivas, com queda acumulada de 2,62%. Esse aparente descolamento da BM&F-Bovesta frente a Nova Iorque decorre, em parte, da inversão de tendência até então prevalecente de valorização do real. Em ambas as bolsas, em 2008, as perdas são bastante significativas, com recuo de 14,54% em Nova Iorque e de 9,40% na BM&F-Bovespa (figura 1).

Figura 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, janeiro de 2004 a setembro de 2008


Fonte: Elaborada a partir de dados da Gazeta Mercantil2

Ainda sob a vigência dessa fabulosa crise financeira, estatisticamente são esperadas cotações ascendentes para o café a partir do final de outubro e início de novembro que normalmente perduram até final de fevereiro e início de março do próximo ano. Portanto, é necessária muita cautela no que diz respeito a cotações de café. Ainda que, no maior mercado consumidor da bebida, possa haver diminuição da demanda para os tipos gourmet e especiais, fatores como a chegada do inverno e a recomposição de estoques podem surpreender os que acreditam em novas baixas nas cotações do produto.

Na Bolsa de Londres, onde são negociados os contratos de café robusta, também houve queda contabilizada em 7,19%. O aumento da safra vietnamita e a boa colheita no Brasil, apesar da longa estiagem ocorrida em 2007, são fatores que conferem tranqüilidade para os importadores em termos de oferta de médio prazo. Contabilizadas todas essas perdas, o índice composto da OIC para agosto exibiu declínio de 3,40%, com média ponderada de US$ 167,58/sc (figura 1).

Frente às demais commodities negociadas em bolsas de valores, o café foi uma das que menos se beneficiou da escalada de preços. Talvez exista no mercado de café um importante diferencial desse produto frente aos demais. Ou seja, possuirá o produto uma tendência para o suporte em posições menos baixistas que as outras soft´s commodities? O ápice da colheita no Brasil não é momento propício para expor essa hipótese sob teste, mas nesse trimestre que se inicia teremos condições de avaliar a existência desse fenômeno, e mais importante, começar a analisar o porquê desse comportamento. Haveria no café algo a mais que seu valor material?

O valor simbólico de uma bebida

Nos grandes conglomerados urbanos brasileiros, constata-se um relativo empobrecimento da vida social. A sensação de isolamento parece correlacionar-se com o grau de densidade populacional vigente, algumas vezes acentuado tanto pelos elevados índices de violência registrados quanto pela escalada fabulosa dos congestionamentos. Todavia, na mesma proporção em que se erodem as formas de convívio social, são recriados outros hábitos comportamentais que buscam justamente preencher tal lacuna. Dirigir-se a uma cafeteria para apreciar um café, aparentemente, insere-se dentro do campo das novas condutas.

Outro fenômeno que pauta a contemporaneidade é a modificação do ato de consumir de simples atendimento das necessidades existenciais da vida para um novo domínio, em que são valorizados aspectos sócio-culturais em que o hedonismo reina supremo. A esse movimento, o hábito de apreciar café também se alinha e o reforça. Por não se tratar tipicamente de um alimento, mas de uma bebida que concede satisfação a quem dela se serve, promove o desejado prazer individual que atualmente determina a maneira de consumir3.

Ao contrário do consumo das bebidas espirituosas, cuja possibilidade de perda do autocontrole está sempre à espreita, o hábito de apreciar café em estabelecimentos especializados encoraja com vigor a atividade intelectual e o intercâmbio das idéias, remetendo o momento atual, de disseminação epidêmica dos pontos que servem a bebida, às origens desse hábito no ocidente. Não é demais lembrar que, sob o teto de alguma casa de café européia, foram lançados desde revoluções até novas teorias que transformaram a compreensão do homem sobre o universo e sobre si mesmo4. Potencializado pela inserção nos domínios da tecnologia da informação (nos chamados cybercafés), o hábito de freqüentar uma cafeteria guarda muito do apelo dos primeiros cafés públicos seiscentistas.

O café encaixa-se perfeitamente na lógica própria de consumo presente nos estabelecimentos que atuam no ramo da alimentação (bares, padarias, lanchonetes, cafeterias, quiosques e restaurantes). É talvez aquele que melhor simbolize a imagem de tais estabelecimentos. Tal hipótese pode ser em parte confirmada, a partir da existência de pontos de degustação de café ao longo de praticamente todos os andares dos shoppings centers, não se limitando exclusivamente às praças de alimentação5. O aroma do café é quase irresistível e, em se havendo uma companhia, a possibilidade de apreciação de uma xícara tem um apelo irrevogável.

Assim, combinado às sensações prazerosas ao ser consumido (tanto gustativas como aromáticas) com seu efeito estimulante, aliadas ainda ao ritual específico da preparação (quando há um barista capacitado para esse fim), o café propicia momentos de sociabilidade e de pausa durante a jornada de trabalho. E, particularmente no caso dos moradores dos grandes centros urbanos, traz alívio frente aos penosos deslocamentos em âmbito de suas cidades.

O conceito de reglamurização6 do hábito em apreciar café é, sobretudo, um despertar para o monumental conteúdo simbólico e sua vital importância no estilo de vida da sociedade contemporânea. Não se deve surpreender se cada vez mais esse significado imaterial do produto café pautar crescentemente as transações comerciais. O atual discurso e o empenho prático pela busca da qualidade nada mais representam do que o fortalecimento dessa dinâmica simbólica do café.

Nos grandes centros urbanos, o hábito de consumir café exibe sinais de crescente aceitação. O ato de apreciar um café, especialmente fora do lar, tende a se tornar predominante, pois as taxas de crescimento dessa parte do mercado de café, pautadas pelo fenômeno de reglamurização da bebida, são invejáveis por qualquer outra atividade de cunho econômico.

No mundo inteiro, o potencial de negócios representado pelo serviço de café tem atraído a atenção de empreendedores. A todo instante surgem novos pontos de degustação da bebida, tanto patrocinado por consolidadas redes como por iniciativas autônomas que, em alguns casos, alcançam padrões de requinte inimagináveis.

A grande quantidade de xícaras, que se estimou serem consumidas diariamente na cidade de São Paulo, eleva-a para posição de destaque no mundo. À exceção de Nova Iorque, não há outra cidade capaz de ombrear as cerca de 25 milhões de xícaras consumidas fora do lar ao dia. Portanto, além de maior produtor e exportador de café in natura, o Brasil, como segundo maior consumidor da bebida no mundo, pode se arvorar com o título de possuir a capital do café no Hemisfério Sul7.

Café: uma lavoura quase ensandecida

Em julho de 2007, tivemos a ousadia de nos pronunciar a respeito da safra que ora se encerra. Naquela altura, fizemos o prognóstico de que a futura colheita (já finalizada) seria, provavelmente, a maior da década. Como não poderia deixar de ser, fomos imediatamente deslocados para o campo dos renegados por um conjunto expressivo de lideranças dos cafeicultores.

Ademais, o atraso no retorno das precipitações promoveu uma das mais chocantes cenas nos cinturões cafeeiros: ramos sem folhas, porém, totalmente floridos. Assim, como fugir da imediata implicação, ou seja, sem folhas os frutos não terão um pegamento satisfatório, comprometendo a oferta da temporada 2008/09. Tal assertiva, agronomicamente consistente, se somou ao arsenal de argumentos daqueles que viam neste analista um sujeito desvairado.

De fato, temos de nos penitenciar. O país não colheu a maior safra da década, mas apenas a segunda maior. O último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) informa que a colheita brasileira atingirá 45,84 milhões de sacas compostas por 35,27 milhões de arábica e 10,58 milhões de conilon. Mais interessante constatar que, na primeira estimativa, o número era 42,73 milhões de sacas (previstas em janeiro de 2008). Portanto, o volume colhido foi sendo incrementado após as estimativas que se sucederam até atingir a segunda maior da década, como indicam os dados de setembro de 2008. Houvessem as precipitações retornadas ao princípio de outubro e, não somente no final, nossa previsão seria certeira, com colheita acima das 50 milhões de sacas.

Este analista possui uma premissa da qual não se livrará jamais. O café é uma planta dócil, capaz de tolerar o destrato e a ele responder generosamente. A lavoura de café é aquela que melhor representa o bordão de que, na terra de Pindorama, em se plantando tudo dá, pois a planta possui efetivamente tal natureza dadivosa.

Não nos arriscaremos a formular um prognóstico para a safra que se inicia, mas alertamos aos pessimistas de plantão: surpresas poderão surgir no míope horizonte construído segundo as conveniências comerciais de cada agente que atua nesse negócio. Apostar em cenários pautados pela carestia (defendidos preferencialmente pelos cafeicultores) pode não acontecer. Tampouco, uma temporada de abundância (defendida preferencialmente pelos exportadores) pouco se sustenta. Não será a terceira maior safra da década, mas próximo dela ficará!

1 O Autor agradece as sugestões do Prof. Dr. Felix Schouchana da FGV/SP e a colaboração de Gilberto Bernardi na coleta e sistematização dos dados básicos.
2 Disponível em www.gazetamercantil.com.br (para assinantes).
3 PORTILHO, F. Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania. São Paulo, Ed. Cortez, 2005. 258p.
4 STANDAGE, T. História do Mundo em 6 Copos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005. 242p.
5 ASSUMPÇÃO, R.; VEGRO, C.L.R & PINO, F.A O mercado de expresso em shoppings centers da cidade de São Paulo. Informações Econômicas, SP, v.33, n.11,nov. 2003. 38-46p.
6 Há alguma pretensão em definir como conceito a idéia de reglamurização do hábito de apreciar café. Certamente são fortes os indícios desse fenômeno, porém não se trata de uma exclusividade do café, pois também pode ser observado em produtos como o azeite de oliva por exemplo.
7 VEGRO, C.L.R; PINO, F.A.; ASSUMPÇÃO, R. Hábitos e preferências do consumidor de café fora do lar. In: ANGELO, C.F & SILVEIRA, J.A G. Varejo Competitivo, Saint Paul Editora, v.12, 2007c. 171-193p

CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO

Eng. Agr., MS Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Pesquisador Científico VI do IEA-APTA/SAA-SP

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JOSE EDUARDO REIS LEÃO TEIXEIRA

VARGINHA - MINAS GERAIS

EM 09/10/2008

Prezado pesquisador Celso Vegro,

Desejo parabenizá-lo por suas importantes análises, sobre as quais faço os comentários a seguir...

Dependendo da posição do observador, o produto café poderá ser considerado imaterial ou melhor retratado como "algo não agrícola" após sua comercialização, porém, para esta observação se proceder, deverão ser inconsistentes e efêmeras as mais diversas ações tomadas pelos dirigentes, o que em minha visão ocorrem há décadas.

Além de inúmeras e fortemente pronunciadas falhas e distorções, consideradas e expressadas por este incompetente sistema de apoio, a iniciativa primeira para a solução estaria em, preservando as pesquisas técnicas, dissolver e recomeçar através de novo e eficiente modelo a composição de novo sistema.

O atual sistema é tão vicioso em falhas que conseguiu contaminar negativamente a cafeicultura brasileira. Do ponto de vista estratégico, acredito ser inconcebível o funcionamento do CDPC - Conselho Deliberativo de Política Cafeeira - da forma como é composto, com assentos reservados a "raposas, galinhas e ovos". Isto retrata o maior dos absurdos empresariais que tenho conhecimento.

Sendo os interesses tão contraditórios, com sentidos e direções tão contrárias, como resultado consensual que atenda a todos só poderia esperar "coisa alguma", pois o efeito "torre de babel" estaria exercido plenamente, valendo a lei do mais culto e esperto, ou então a lei do "grito", pois ninguém entenderia a ninguém...

A atividade produtiva cafeeira necessita criar seu modelo, independente e eficiente, da porteira para fora, ou seja, quanto aos aspectos de política agrícola e marketing. O que existe há décadas é um modelo arcaico, ineficiente e viciado em fragilidades. Vejam o modelo da cafeicultura colombiana, apesar de não o considerar eficiente ou pertinente aos formatos que a cafeicultura brasileira necessitaria, representa maior competência em resultados e isto é um dos fortes fundamentos, principalmente quando se foca as duas extremidades da corda, ou seja, o mercado internacional e o produtor (apesar de que a falha colombiana está na ponta do produtor, enquanto a outra é muito bem sustentada).

Há alguns 05 anos, houve no Brasil, uma forte corrente, no sentido de criar a ABCA - Associação Brasileira de Café Arábica; fortemente rejeitada pelas lideranças dos cafeicultores, bem como, pelos exportadores independentes, porém, apoiada por outros tantos elementos capacitados e formadores de opinião.

Se fizerem uma regressão nas análises e considerações que motivaram esta intenção, observarão ter sido uma potencial oportunidade perdida, a qual, se implantada teria provocado uma eficiência diferenciada a maior. Porém, ao contrário, preferiram ficar brigando por uma "vaca morta" denominada "Global", que nunca saiu do papel e serviu para apenas para esvaziar os cofres de algumas cooperativas, diga-se produtores, que acreditaram na "reinvenção da roda".

Portanto, pelo pouco dito aqui, qual seria o melhor caminho ou o remédio menos amargo e preciso a ser recomendado? A cotação do produto café, influenciada pela crise internacional, se aproxima dos USD$ 100, aportando desta forma nas cotações médias, e agora? Será outra choradeira a acontecer ou seria o momento de dar um basta neste comportamento defensivo e acovardado? Ou será tarde demais para qualquer solução, entregando assim os frágeis cafeicultores à própria sorte, tal como alguns fazem com animal ferido?

<b>Resposta do autor:</b>

Caríssimo José Eduardo,

Como sempre, um esgrimista de temas, sempre alerta para o enfrentamento das idéias. Vejamos, a Sociologia Política ensina que as estruturas nascem, verdejam, amarelecem e caem, e logo são substitiuídas por outras estruturas que o mesmo caminho trilharão. Talvez seja este analista um daqueles que mais contundentemente se expressou sobre o CDPC, lembra-se?

Muitos balões de ensaio ainda serão lançados para pretensamente resolver "O Problema do Café no Brasil". Nesse caso somente um olhar atento poderá captar quem são os verdadeiros beneficiados pelas estrepulias maquinadas.

Lancei o assunto da imaterialidade do café, ou seja, seu conteúdo simbólico, pois creio que tal perspectiva sobre a bebida, no longo prazo, conseguirá explicar melhor as oscilações do mercado do que os fatores materiais (produção, consumo, estoques, etc..). Trata-se de uma tentativa de despertar para aquilo que poucos se deram conta, mas possui poder explicativo para uma infinitude de fenômenos que aos poucos tornam-se propulsores de uma nova dinâmica que se firma no chamado "mercado".

Abçs

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