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POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 29/09/2011

3 MIN DE LEITURA

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A cidade de Barcelona se despediu das touradas no domingo. O evento seguiu todos os passos para ser considerado um grande espetáculo: começando pelo belo cartaz de promoção, concebido pelo artista plástico Miquel Barceló, passando pela presença de José Tomás, um dos toureiros mais famosos do país. A arena, lotada, contribuiu para dar um ar ainda mais espetacular à tarde.

Tudo seria perfeito, não fossem as touradas um exemplo claro do brutal tratamento concedido aos animais pelos humanos em diversas situações. Toda a arte que possa derivar desse espetáculo perde muito de suas cores quando se lembra do sofrimento imposto ao touro. A princípio, parece fácil concluir: as touradas representam um espetáculo bárbaro, não tendo mais lugar no século XXI. Logo, só nos resta aplaudir a decisão da Catalunha de frear essa prática horrenda.

Uma análise cuidadosa do caso, porém, mostra que o último protegido com essa iniciativa é o touro. Como se sabe, a Espanha, de forma geral, é "viciada" em celebrações que envolvem o sacrifício de animais. Na própria Catalunha, há inúmeras festas fundamentadas no sofrimento dos touros, ainda que sob formatos distintos. A atual legislação, ao proibir apenas as touradas, não alivia muito a situação dos animais, que seguirão sofrendo nas tradicionais corridas pelas ruas dos vilarejos catalães.

Inicialmente proposta por grupos de defesa dos animais, a bandeira da proibição das touradas foi rapidamente capturada pelos grupos nacionalistas da Catalunha, que enxergam no espetáculo um símbolo espanhol. Não se decidiu, assim, pela proteção do touro; o que o legislativo catalão regulamentou foi unicamente que os animais só podem sofrer caso esse ato respeite rituais que respeitem uma suposta identidade cultural da região. Afinal, conforme dito acima, festas como as "corridas de touros" seguem permitidas.

O mais interessante é que as touradas já eram, há algum tempo, pouco populares na Catalunha. É provável que, em alguns anos, a última arena aberta em Barcelona tivesse que fechar as portas, dados o público decrescente e a falta de interesse da maioria dos jovens pela atividade. A proibição só contribuiu para acirrar os ânimos e, quem sabe, aumentar o interesse pela prática. Defender as touradas passou a significar mais do que o "espetáculo" em si.

O caso das touradas fornece um exemplo interessante dos efeitos negativos da intervenção excessiva do Estado sobre bens e eventos culturais. Em certa medida, a aversão às touradas na Catalunha se deve à sua identificação com os tempos do franquismo, quando a atividade era vendida como um dos símbolos da cultura espanhola. Sua proibição, da mesma forma, segue uma lógica de afirmação de supostos valores regionais, ainda que a heterogeneidade étnica e cultural na Catalunha seja considerável.

Nos últimos tempos, temos assistido a um desenfreado esforço de diversos governos para "preservar" símbolos da cultura regional. Muitas vezes, celebrações ou bens já esquecidos pela população ganham sobrevida, tornando-se pálidas representações do passado. Em outras, o poder público parece querer selecionar o que é cultura, "assessorado" por grupos de pressão. Há ainda aqueles casos em que antigas manifestações populares, caídas em desuso por alguma razão, são transformadas em produtos rentáveis e homogêneos.

As próprias touradas pareciam condenadas a, cada vez mais, tornar-se um espetáculo para turistas, não fosse essa proibição. O que poucos políticos pareceram preocupados em entender é que as touradas constituem um setor organizado da economia espanhola, contando com uma rede de fornecedores de animais, arenas, profissionais especializados e milhares de consumidores. Bastaria que essas pessoas "decidissem", adaptando a sua atividade aos novos tempos, e, provavelmente, uma decisão menos traumática resultaria. Agora, é provável que uma medida extrema leve a compensações financeiras e ressentimento, justamente em um momento de crise.

Sociedades democráticas e, portanto, organizadas em torno de princípios como a liberdade de expressão, devem cultivar a diversidade existente em seu interior. Indo além, precisam aprender a forjar consensos de forma menos impositiva. No caso das touradas, provavelmente fosse mais útil aprofundar o debate acerca das razões que levam a sociedade espanhola a apreciar tanto os festivais com animais, deixando que essas práticas fossem progressivamente abandonadas. Não foi o que se viu; mais fácil foi impor uma lei parcial, decidindo quem é cruel e quem está apenas exercendo o seu direito de manifestação cultural.

Voltando aos supostos beneficiados com a nova lei, e os touros, que fim levarão? É provável que, com o fim das touradas na Catalunha, muitos deles sejam mandados para matadouros, ou ainda vendidos para outras festas tradicionais. Talvez o dia em que os touros adquiram o direito ao voto possam reivindicar um tratamento menos hipócrita de sua triste sina.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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