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Manipulação inútil

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 09/10/2012

4 MIN DE LEITURA

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Anualmente, a elite política mundial se reúne em Nova Iorque para a abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Por se tratar de um órgão político, é natural que os discursos dos chefes de Estado atraiam mais atenção do que os trabalhos da Assembleia. Em 2012, por exemplo, inúmeros temas foram ali tratados: protecionismo comercial, guerra cambial, o direito do Irã em ter um programa nuclear, entre outros. Chamou a atenção, porém, as fortes declarações da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que basicamente exigia mais respeito ao Fundo Monetário Internacional.

O que teria motivado a reação do governo argentino? Em resumo, irritou as autoridades de Buenos Aires a declaração da titular do Fundo, Christine Lagarde, de que a Argentina receberia um "cartão vermelho" caso continuasse a manipular os dados oficiais de inflação. É bem verdade, Cristina Kirchner não pareceu muito preocupada em defender a precisão das estatísticas de seu país: se na ONU optou-se por reivindicar a soberania argentina, em palestra dada em uma universidade norte-americana dias depois a presidente rebateu críticas a essa suposta manipulação com um desafio. Mais especificamente, deixou no ar a hipótese de que os índices de inflação nos EUA também poderiam ser manipulados.

O interessante de toda essa história é que Cristina Kirchner não tem que lutar apenas contra vozes do Primeiro Mundo que condenam a intervenção do órgão responsável pela compilação das estatísticas na Argentina. Ao que parece, os cidadãos de seu próprio país já estão mais do que convencidos de que o dado oficial é impreciso. Resultado: aceleração da tradicional corrida dos argentinos em busca de dólares e outros problemas adicionais, que levaram a medidas impopulares, como a restrição às operações de câmbio.

Para os mais ferrenhos defensores do governo, as respostas dadas por parte da população para esse descolamento entre realidade e narrativa oficial equivale a um ato de traição. Ora, bradam os aliados de Cristina Kirchner, é preciso que os argentinos passem a aceitar a moeda local como alternativa para a poupança. Na realidade, porém, é provável que, enquanto haja inflação, somente os sem opção - ou os mais crentes - aceitem o argumento.

Para efeitos de comparação, podemos imaginar o dinheiro como qualquer outro bem disponível. Se a moeda existe é porque, entre outros motivos, ela nos permite adquirir aquilo o que desejamos, facilitando as transações no mercado. Em outras palavras, podemos vender aquilo que temos - sacas de café, por exemplo - e obter, em troca, algo que nos permite comprar o necessário para o cotidiano. Caso o intercâmbio fosse feito sem dinheiro, as dificuldades seriam enormes; nem todas as pessoas realmente desejam aquilo que temos a oferecer no mercado, de modo que as possibilidades de escambo seriam limitadas.

Graças à existência do dinheiro, portanto, não precisamos convencer ninguém de que aquilo que produzimos é útil. Ao vender nossos bens no mercado, porém, recebemos em troca um pedacinho de papel colorido que, com exceção da sua função como moeda, não serve para muita coisa. Não por acaso, quando sentimos que esses retângulos com imagens de animais perdem valor, é natural que busquemos alternativas: seja o dólar, o ouro ou um imóvel, qualquer opção é considerada melhor do que uma moeda que se desvaloriza rapidamente. Fazemos isso basicamente porque queremos ir ao mercado e comprar aquilo que nos interessa.

Mas o que a manipulação dos dados tem a ver com a percepção da desvalorização do dinheiro? Não será possível convencer as pessoas de que uma determinada referência, como o índice oficial de inflação, é o que vale para decisões econômicas? Acreditamos que a resposta para a segunda pergunta é "não", e por um simples motivo: a inflação é sentida diariamente no mercado, ou seja, a circulação de informação relativa a esse fenômeno não se subordina exclusivamente à existência do aparato estatal. Afinal, é a interação dos agentes econômicos o que a determina, tendo em vista as condições gerais do sistema econômico. Não por acaso, excesso de oferta de moeda é sinônimo de inflação.

Ademais, como estamos diante de um dado fundamental para o cotidiano das pessoas, é de se esperar que estes se juntem e busquem formas criativas de obter a informação. Dada a enorme quantidade de indivíduos que valorizam o dado, seus custos de obtenção podem ser divididos entre muitos, por exemplo, em uma associação de consumidores. Já para as empresas, cujas decisões de investimento dependem de uma avaliação da inflação, pode valer a pena contratar especialistas para a elaboração de índices paralelos. O resultado é que hoje convivem, na Argentina, a inflação oficial, divulgada pelo governo, e inúmeras medições paralelas.

Por isso, quando estamos diante de um fenômeno típico dos mercados, somente o controle excessivo poderia impor a mentira oficial. Amarras exageradas, entretanto, acabariam matando o próprio mercado. Certamente o governo da Coreia do Norte é capaz de impor o seu relato econômico com mais facilidade relativa; a contrapartida é um custo social altíssimo. O governo argentino tem os seus motivos para fazer o que faz; independentemente de quais sejam, que não se enganem: enquanto haja interação entre os agentes econômicos - e que ótimo que haja, dado que trata-se de um requisito para a prosperidade de qualquer sociedade - é improvável que a manipulação dos dados leve a algum lugar.

É bem verdade que o crescente deslocamento entre a realidade e as estatísticas só aumentará as chances de que a administração de Cristina Kirchner ganhe um cartão vermelho dos cidadãos argentinos nas próximas eleições. Enquanto isso, seguirão a incerteza e as distorções. Quando estamos diante de fenômenos de mercado, podemos discutir quais as estratégias ou prioridades a serem perseguidas. Uma vez tomada a decisão, não adianta mentir. Afinal, os resultados dependem da interação entre as pessoas, e não da imposição de um ponto de vista sobre a realidade. Dito de outra forma, até podem "empurrar" a inflação na população; escondê-la, porém, é impossível.

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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JOSÉ HUMBERTO ALVES DOS SANTOS

AREIÓPOLIS - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 10/10/2012

Devemos tomar cuidado com as informações.

Elas tem sido tendenciosas por parte do CLARIN

Ficamos sempre querendo dizer que o mandatário não tem legitimidade.

Ora, querem eleição todo ano?

Concordo com a presidente, quando questionada pelo FMI.

Ora, meus amigos, até um dia antes da nova eleição na Venezuela toda a imprensa falava da vitória do adversário de Chavez

E não esqueçam: o rei da manipulação, sr Delfin Neto foi aclamado varias vezes como um grande economista....

As questões políticas devem ficar nos devidos lugares.
RAFAEL MANTELLO

ALFENAS - MINAS GERAIS - ESTUDANTE

EM 10/10/2012

"Por isso, quando estamos diante de um fenômeno típico dos mercados, somente o controle excessivo poderia impor a mentira oficial.... Afinal, os resultados dependem da interação entre as pessoas, e não da imposição de um ponto de vista sobre a realidade. Dito de outra forma, até podem ´empurrar´ a inflação na população; escondê-la, porém, é impossível."

CÉLIO ROBERTO DE SOUZA

ITUIUTABA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 10/10/2012

que a situação da vizinha Argentina, sirva de alerta para os governantes de todas as nações, especialmente a brasileira.

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