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Efeitos de segunda ordem

POR BRUNO VARELLA MIRANDA

E SYLVIA SAES

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 30/06/2008

5 MIN DE LEITURA

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O "fazer política" não é de forma alguma uma tarefa simples. Legisladores, por mais bem intencionados que sejam, muitas vezes são incapazes de dimensionar com exatidão os efeitos de suas ações. Isso sem falar em casos nos quais o interesse coletivo dá espaço a leituras de curto prazo ou baseadas em benefícios garantidos por fora. Aqui, analisaremos o caso da mobilização contra o trabalho infantil, um flagelo que infelizmente ainda assola a sociedade brasileira. Embora seja uma ação cuja relevância é unânime, seus efeitos indiretos podem trazer efeitos colaterais indesejados.

Quando criada, a legislação tinha o objetivo de combater os abusos na utilização da mão de obra de humanos que, condenados a regimes de trabalho incompatíveis com sua faixa etária, acabavam condenados a uma vida desprovida de qualquer direito. A crueldade do trabalho infantil não se limita a questões óbvias, como o impedimento que o mesmo traz ao acesso adequado à educação básica. Geralmente, o empregador que baseia suas atividades econômicas na exploração de mão de obra infantil carrega consigo uma extensa lista de transgressões; por isso, a criança que trabalha em muitos casos o faz em ambientes insalubres, sem qualquer direito adquirido, em um quadro que bem poderia equivaler ao vivenciado por um escravo.

Apesar da existência de legislação bastante dura na área, de vez em quando os jornais noticiam a descoberta de abusos neste campo, nos lembrando da forma lamentável como são tratados milhares de brasileiros. O trabalho infantil é uma realidade em boa parte do território brasileiro, e infelizmente é encontrado mesmo em regiões com um índice de desenvolvimento humano relativamente elevado. Apesar do avanço neste tema, com a progressiva conscientização e o estabelecimento de redes para o monitoramento da situação no Brasil, enquanto houver abuso do trabalho infantil não poderá ser dito que estamos fazendo a lição de casa. E infelizmente, este tópico se encontra relacionado com uma série de outros; não apenas o empregador é culpado de um crime atroz, como a criança que se sujeita a esta condição é um reflexo da falta de oportunidades existentes.

Por outro lado, uma observação mais atenta mostra que mesmo no caso contrário as iniciativas visando combater o trabalho infantil têm lá seus efeitos nocivos. Em diversos casos, a fiscalização não está adequadamente preparada para lidar com uma realidade tão diversa como a brasileira. Ao desconhecer estas diversidades, age de forma demasiadamente estrita, sem o bom senso necessário. Esta realidade se encontra especialmente presente em propriedades de menor porte, onde a família tem um papel fundamental para a condução do negócio. Igualmente, já há um número considerável de empresas que condicionam a sua relação com o fornecedor rural ao impedimento de presença de jovens no entorno da produção agrícola. Esta medida, louvável para casos de contratação de mão de obra, acaba valendo também para os membros da família, fazendo com que um quadro absurdo esteja configurado: para milhares de filhos de agricultores familiares, há porções das propriedades onde sua presença é proibida!

Impedido de acompanhar os pais em sua atividade diária, ainda que na qualidade de observador, o jovem da zona rural perde o interesse pela atividade e passa a desvalorizar o trabalho de seus pais. Com isso, milhares de adolescentes que bem poderiam seguir como agricultores deixam o campo, em alguns casos movidos mais por desilusão do que por falta de perspectiva no campo. Adicione a este raciocínio os pobres resultados do Brasil em qualquer indicador de educação. Ao longo dos últimos anos, temos convivido com a companhia de nações com um potencial econômico bastante inferior quando o assunto é a qualidade de nossas escolas. Damos muito pouco aos nossos jovens em termos de educação básica, e tal falta de cuidado se reflete, por exemplo, nos índices de ingresso de jovens oriundos da rede pública de ensino nas melhores universidades do país.

Com isso, não preparamos nossos jovens da zona rural nem para a sua manutenção no campo, tampouco para sua inclusão nas cidades. Desinteressados pela agricultura, acabam tomando o rumo das áreas urbanas, onde a realidade é bastante dura. Mais gente morando nas cidades, muitas vezes em condições subumanas, implica mais trânsito, mais gastos com infra-estrutura caríssima, e em alguns casos, maior violência. Por outro lado, o abandono do campo esvazia estruturas sociais nas quais anteriormente se encontravam assentadas excelentes condições para a implementação de políticas de desenvolvimento. Diversas regiões do Brasil, organizadas socialmente de acordo com uma estrutura fundiária menos concentrada, estão desaprendendo a "fazer agricultura", transformando-se em verdadeiros desertos verdes.

A progressiva migração da população das zonas rurais para as cidades é um fenômeno que não ocorre somente no Brasil, tendo sido observado nos principais países desenvolvidos ao longo do século passado. A diferença é a de que, no caso brasileiro, o êxodo se dá em grande parte por falta de opções, ao passo que no Primeiro Mundo é justamente a expansão das possibilidades de escolha o principal motor para essa debandada. Inclusive, melhorar o acesso destes jovens à educação pode ser uma solução para mantê-los na atividade agrícola, já que o conhecimento adicional somado à experiência cotidiana da família no campo pode ser revertida na descoberta de soluções para problemas de gestão, idéias de diferenciação ou melhor utilização dos recursos, entre outros.

Em geral, a resposta do governo aos desafios de fixar o agricultor familiar no campo vêm na forma de crédito a taxas de juros convidativas, quando não no perdão das dívidas de tempos em tempos. Tal política não poderia ser mais inadequada. Ao recorrer seguidamente ao perdão de dívidas, o governo brasileiro beneficia agricultores sem conhecimentos fundamentais para garantir a sustentabilidade financeira de seu negócio, bem como cidadãos desonestos, cuja utilização dos recursos em nada se enquadra aos motivos aos quais a linha de crédito se liga. E principalmente, ao não atacar o cerne do problema, qual seja, a ampliação das opções no campo, mantém milhares de agricultores em uma ciranda da qual certamente não gostariam de participar.

O Brasil precisa aprender a enxergar seus desafios de forma mais ampla. Problemas complexos exigem soluções coordenadas, com o amparo em metas de longo prazo. Em muitos casos, a frieza da lei não é capaz de entender as nuances observadas em um país tão complexo, e que comporta tanta diversidade. O filho do agricultor deve sim ter acesso ao conhecimento, mas ao mesmo é fundamental que seja dada a opção de crescer como gestor de seu patrimônio. Para isso, deve agregar ao conhecimento teórico fornecido por uma educação básica de qualidade a possibilidade de vivenciar o cotidiano da atividade agrícola, moldando sua curiosidade de acordo com os desafios de seu contexto.

Quanto mais gente bem preparada se dedicar à atividade agrícola, maiores nossas chances de encontrar soluções criativas para os desafios da área. A inovação não costuma nascer da concentração de ações e decisões nas mãos de poucos, e sim na ampliação da participação dos cidadãos na atividade econômica. Ao negarmos a milhares de jovens a possibilidade de inserção ativa em seu meio local, estamos "matando" um sem número de empreendedores em potencial, daqueles que realmente poderiam fazer a diferença.

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

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PAULO HENRIQUE LEME

LAVRAS - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO

EM 18/07/2008

Prezados Bruno e Sylvia,

Parabéns pela abordagem deste tema delicado no agronegócio brasileiro. A visão que vocês expuseram é perfeita. O Richard Jakubaszko, da DBO Agrotecnologia publicou um artigo muito interessante onde ele mostra dados preocupantes sobre o envelhecimento do agricultor médio brasileiro, "A sustentabilidade do agricultor" (https://www.peabirus.com.br/redes/form/post?topico_id=12710).

Precisamos acordar para este grave problema e investir na capacitação dos jovens filhos dos agricultores brasileiros. Não se trata de obrigá-los a permanecer no campo, mas sim de oferecer educação de qualidade que o faça compreender que seu aprendizado pode mudar a vida de sua família e das pessoas do meio onde vive.

Parece que nossa lei está indo na contramão, e a sociedade não oferece outra opção para estes jovens, que como vocês bem disseram, acabam chegando desqualificados para enfrentar a difícil vida nas cidades brasileiras.

Precisamos ampliar este debate.

Um grande abraço,

Paulo Henrique Leme
ANGÉLICA SILVESTRE LOUBACK

LAJINHA - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 01/07/2008

Realmente, é um absurdo a visão do que significa a presença da criança na lavoura e no terreiro de café.
Em minha infância, brincava debaixo dos pés de café, corria pelos carreadores, rolava sobre o café do terreiro...

Ao crescer mais um pouco, depois da escola queria ajudar a rodar o café para secar mais rápido. Isso não fez de mim uma criança escravizada, muito pelo contrário: sou técnica agrícola e trabalho com café desde que me formei e hoje também debato este assunto com auditores fiscais das certificadoras, mas em relação à lei, é dificil dizer algo.

O negócio é decidir na hora do voto.

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