O mapa em questão faz parte de um panfleto de divulgação da Starbucks, um excelente exemplo quando o assunto é a venda de café com alto valor agregado. Distribuído nas cafeterias da rede, é possível retirar um exemplar destes nos principais shoppings de São Paulo dedicados à classe A, enquanto se prova uma das caras receitas oferecidas pela Starbucks. Ali, além de termos clara noção das inúmeras possibilidades abertas ao setor cafeeiro no século XXI, é interessante percebermos como ainda engatinhamos em temas tão fundamentais para o bom andamento do nosso setor.
Imaginar a distribuição de um panfleto como este em todas as lojas da rede já é motivo suficiente para uma ação de nossa parte, principalmente considerando a penetração da Starbucks em mercados vitais como o norte-americano e os planos da companhia para a Ásia nas próximas décadas. Poderíamos mesmo chegar ao cúmulo de termos em nosso próprio país um grupo considerável de consumidores afirmando que os melhores cafés do mundo são aqueles produzidos na Colômbia ou em determinada província da Indonésia, se é que isso já não ocorre em muitos casos.
Para qualquer pessoa envolvida na cadeia do café, tal constatação certamente viria seguida de enorme decepção. Afinal, que o Brasil produz cafés com excelente qualidade já não é novidade para nenhum agente envolvido no setor. No entanto, a persistência desta incômoda falta de reconhecimento é preocupante, e se arrasta em um período de reconfiguração do mercado internacional de café. Discutir os elementos formadores desta realidade é fundamental para uma eventual reorientação da cafeicultora em nosso país.
Aos que pensaram em protestos contra a Starbucks, ou uma campanha contra os estabelecimentos difamadores da reputação nacional, infelizmente é necessário informarmos que este não é o caminho mais adequado a ser seguido. Aqui, depende de nós, produtores e agentes do setor, fazermos a lição de casa de forma adequada, a fim de mostrar ao mundo exatamente o que temos a oferecer. Nesse sentido, a resposta mais adequada passa por iniciativas de caráter institucional, como o fortalecimento das denominações de origem em nosso território.
Em sua versão mais simplificada, a certificação de origem apenas atesta a procedência do bem vendido, algo que nos dias atuais é pouco quando observamos o alto grau de exigência dos consumidores no "Primeiro Mundo". Já não é suficiente informar em qual região foi concebido o produto comercializado, afinal este dado pouco esclarece, dados os diversos métodos de produção disponíveis na atualidade. Pensemos então no atraso que significa vender café com a denominação "brasileiro", em meio a toda a diversidade existente em nosso país. Na realidade, não fazemos ainda nem o insuficiente nessa matéria.
Esta lacuna só vem aumentando, principalmente se levamos em conta as iniciativas na matéria observadas ultimamente. Podemos citar o exemplo dos esforços da SCAA, associação norte-americana dedicada aos cafés especiais, de criar uma forma de classificar a bebida de forma precisa, a exemplo daquilo que ocorre com o vinho, o mais citado caso de segmentação. Na fronteira da cafeicultura atual, está a preocupação constante com a diferenciação e a segmentação progressiva do mercado.
Por isso, a instituição das denominações de origem no território brasileiro é fundamental. Assim, ficaria clara para torrefadores, consumidores e intermediários a relação entre os fatores geográficos existentes em cada porção do Brasil e a qualidade do café produzido nestes locais. Um exemplo disso pode ser obtido no estado de Minas Gerais, onde o café do Cerrado possui um selo deste tipo desde 2005, e vem colhendo bons frutos da iniciativa. Denominação de origem é sinônimo de pleno controle sobre a forma como o café é produzido e qual será exatamente o produto que chegará até a xícara do consumidor.
O consumidor de cafés especiais, em busca de uma bebida com qualidade superior, valoriza principalmente a previsibilidade. Surpresas são recomendadas somente nas embalagens e nas estratégias de comercialização. O principal elemento em um blend reconhecido internacionalmente é a certeza de que não haverá variação determinante no sabor do mesmo ao longo do tempo. Mercados são criados com a disseminação de hábitos, e os mesmos florescem com mais facilidade quando há certeza entre os consumidores. Caso não fosse assim, marcas seriam inúteis, os produtos seriam vendidos sem rótulo, e saberíamos de antemão que as oportunidades de diferenciação não existiriam.
Em nosso caso, poderíamos aliar a vocação que temos para a cafeicultura a uma preocupação maior com estes elementos, que por sinal passarão a fazer cada vez mais a diferença. Lembremos que a capacidade de produção em grande escala é dada pelas características físicas do território, sociais e econômicas, entre outras. Porém, a possibilidade de explorar este dom da melhor forma possível depende fortemente da capacidade de organização institucional do setor. Não adianta investir no cafezal se na cidade o consumidor não tem idéia da forma como o café está sendo produzido.
A França, por exemplo, é capaz de aliar quantidade e qualidade de forma extremamente competente. Tomar um vinho deste país europeu, ou degustar algum de seus queijos, é um hábito dos mais refinados, ainda que os consumidores muitas vezes tenham que pagar caro para consumir tais produtos. E, principalmente, ninguém está acostumado a ouvir que o vinho francês é de má qualidade, desses que a cada garrafa podem trazer uma surpresa desagradável, etc. Até porque, o consumidor geralmente sabe o que está levando quando vai comprar vinho francês, havendo mesmo aqueles que prefiram tomar algo pior em troca de um preço menor.
Isso ocorre porque os franceses, ao buscarem o fortalecimento de suas marcas e a emergência de uma diferenciação regional na produção, dão espaço para cada variedade existente em seu território. Haverá mesmo quem se notabilize pela produção de vinhos baratos, no entanto, isto será feito de acordo com regras claras e previsíveis. O importante aqui é salientarmos que tanto para a uva como para o café os fatores geográficos e os métodos de produção afetam de forma determinante a qualidade; portanto, esta característica deve ser explorada adequadamente.
É ilusório imaginarmos que todo o café produzido no Brasil será gourmet, ou remunerado acima da média. No entanto, é fundamental que nossos cafeicultores saibam aproveitar ao máximo as potencialidades que têm em mãos. Conforme já afirmamos em outras oportunidades, diferenciação já é a realidade no mercado e alguém a fará. Enquanto os produtores não estiverem atentos a este detalhe, e não buscarem uma coordenação mais estrita, haverá certamente uma torrefadora ou cafeteria realizando esta tarefa e abocanhando os lucros.
Um café de qualidade só o será realmente caso os consumidores o reconheçam; a contrapartida de um maior cuidado na produção deve necessariamente vir na forma de melhores cotações e estabilidade para os cafeicultores. Pouco adiantará a adoção de práticas mais cuidadosas de cultivo do café em nosso território caso os consumidores não tenham acesso à informação relevante de nossos esforços. A adoção de selos e padrões, desde que feita com critérios bem definidos e aceitos mundialmente é certamente uma das principais respostas a serem dadas nesse sentido.