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As duas mortes do café

POR ENSEI NETO

GIRO DE NOTÍCIAS

EM 06/09/2007

6 MIN DE LEITURA

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O grão de café é um fruto e que classifica-se, segundo os botânicos, como não-climatérico porque sua plena maturação ocorre exclusivamente enquanto estiver ligado à planta.

Uma vez retirado da planta, no momento da colheita, ele deve passar pelo processo de secagem para que, ao ser armazenado, mantenha as substâncias de aroma e sabor que caracterizarão sua bebida.

Há um paralelo notável, aqui, entre o café e o cacau.

Como se sabe, o cacau, quando foi apresentado pelos maias a Cristóvão Colombo no início do Século XV, era consumido na forma de uma bebida que tinha o nome de "Tchocolath". Obviamente que a substância theobromina foi decisiva ao cativar o famoso navegador devido ao seu efeito junto ao centro do prazer localizado no cérebro, semelhante ao que alguns ácidos clorogênicos do café provocam.

Pelas mãos do conquistador Hernán Cortez, as primeiras sementes do cacaueiro chegaram à Europa, mais precisamente na corte espanhola, passando a ser, rapidamente, uma bebida fashion entre a aristocracia. Somente por volta de 1780 que as primeiras barras de chocolate foram fabricadas, cujas lascas eram muito disputadas.

O que é o chocolate, afinal?

Nada mais do que o produto da torra dos grãos de cacau, após um cuidadoso processo de secagem em sua origem. Um processo de secagem bem conduzido mantém todas as características sensoriais dos grãos de cacau, o que faz com que determinadas notas de sabor possam ser peculiares de um determinado local de produção. A grande diferença, em termos químicos, está no fato de que o chocolate possui um teor de gordura muito maior do que o café.

Os grãos de café, pelo fato de apresentarem uma notável composição de substâncias de aroma e sabor, merecem um digno tratamento na secagem. Para se ter uma idéia mais clara, observe a figura abaixo, denominada Roda de Aromas e Sabores, da SCAA - Specialty Coffee Association of America:


Clique na imagem para ampliá-la.

A roda à direita é expandida, sendo que em sua parte externa direita ficam evidenciados os principais aromas, cada qual ligado a um grupo que pode ser de natureza Enzimática, de Caramelização do Açúcar ou de Destilação Seca.

Para que essas substâncias aromáticas sejam produzidas no grão de café, é imprescindível que a planta receba os nutrientes necessários a tempo e em quantidade. Além disso, cada condição geo-climática permitirá que um ou outro grupo de notas aromáticas acabe prevalecendo, criando as características sensoriais de cada bebida.

Mas, para isso, é importante, compreender que, como nos perfumes, as notas aromáticas são delicadas e devem receber atenção especial para que elas se mantenham. Por exemplo, frascos de perfume não ficam diretamente ao sol, nem em ambientes quentes. Se isso ocorrer, lá se vai o que o perfume tem de mais caro...

O grão de café também precisa receber essa mesma atenção.

Depois de seco, nada de luz direta, nem de calor. Estes dois elementos são mortais para o café. Por isso é que, antes do benefício, talvez a melhor forma de conservar as características sensoriais do café cru é em tulhas. Se possível, beneficiar somente quando houver a necessidade.

Uma vez beneficiado, as condições de armazenagem são fundamentais para que o nosso precioso grão não pereça. Lembre-se, ele é um elemento vivo. A umidade e temperatura controlada são a chave!

O teor de umidade do grão define sua durabilidade no armazenamento, pois quanto mais úmido mais propício para o seu envelhecimento e morte. Na realidade, quimicamente, envelhecemos porque as reações de oxidação acabam prevalecendo sobre as outras, fazendo com que nossa manutenção de vida se deteriore gradativamente. Portanto, há um ponto ideal de finalização na secagem, em torno de 11% a 11,5% para os Naturais e de 10,5% a 11,0% para os CDs. Mais umidade interna do grão, maior probabilidade de reações de oxidação e, por isso, tempo abreviado de vida. Menor umidade do que a ideal, provavelmente, as substâncias aromáticas, devido à sua volatilidade, já se foram.

Mesmo assim, com o tempo, ainda mais que os armazéns brasileiros estão localizados na faixa tropical do nosso planeta, as temperaturas elevadas no verão, geralmente acompanhadas pelas intensas chuvas do período que vai de novembro a fevereiro, há o risco de aumento da umidade do grão, o que acaba promovendo a deterioração de seu perfil de bebida. Por isso, quase sempre os cafés remanescentes de cada safra apresentam um claro sabor amadeirado, que nada mais é do que o efeito na xícara do que restou do grão: celulose e substâncias não voláteis, como açúcares, alguns ácidos e alcalóides.

Esta é a primeira morte do café.

Caso um lote tenha seguido para uma torrefação ainda com os grãos com toda sua exuberância de aromas e sabores, o processo industrial de torração pode definir uma outra forma de morrer.

O processo de torração envolve uma série de reações químicas provocadas pelo aumento de energia interna do grão graças ao calor absorvido.

Tal qual no processo de secagem, inicialmente o grão de café absorve o calor que o equipamento de torra libera, e inicia pela volatilização de algumas substâncias. Por isso, no início da torra, o aroma de cereais é bastante intenso.


Em seguida, começa a quebra dos carboidratos, que são moléculas longas de açúcares. Ao se transformar em moléculas de cadeia mais curta, o aroma na torra fica adocicado, pois há uma correlação inversa de que quanto mais curta é a cadeia de um açúcar, mais doce ele é e, portanto, quanto mais longa a cadeia, menos adocicado.

Finalmente, inicia-se a reação de pirólise (piros = fogo, calor; lise = separar) dos açúcares de cadeia curta, resultando em água mais gás carbônico. É quando se ouvem os pops no torrador, que é o barulho típico da evaporação da água. É que a água, que sem dúvida é a mais divina das substâncias da Natureza, possui um elevadíssimo coeficiente térmico, ou seja, ela precisa de muita energia para mudar de estado físico, no caso passando do líquido para o vapor. Nessa mudança, ouvem-se os estouros, ao mesmo tempo em que se observa que a fumaça fica mais espessa e esbranquiçada, característica do gás carbônico.

Aí, cada Mestre de Torra define o seu ponto final através da coloração do grão, normalmente verificado pela Escala Agtron. Nesta escala, que vai de zero a cem, grãos mais claros tendem ao ponto #100, enquanto que os mais escuros, quase negros, tendem ao zero. Usualmente, para oespresso, o ponto mais empregado é o Agtron-SCAA #55 ou #60.

Após o resfriamento, os grãos torrados seguem para um compartimento de descanso, pois, na realidade, a reação de pirólise continua, apenas em velocidade muito menor. Esse descanso varia de 18 a 24 horas, dependendo do Mestre de Torra. É que o gás carbônico continua a sair do grão.

Somente após o período de descanso é que o grão é embalado. Se estiver em grãos, destino ao serviço de espresso, o desprendimento do gás carbônico é mais lento e, por isso, a válvula aromática, que na realidade funciona como uma porta de sentido único de fluxo, é imprescindível.

Caso for torrado e moído, para o tradicional cafezinho, praticamente não há mais desprendimento de gás carbônico, pois as finas partículas de café moído têm grande área de contato com o ar, acelerando esse processo.

Logo, a segunda morte do café ocorre quando o grão, inteiro ou moído, não mais desprende gás carbônico. Ao preparar o seu cafezinho, o sabor de ranço é claro, assim como o aroma fica praticamente neutro.

Observe-se que, conforme o ponto da cadeia produtiva, o tempo de vida do café altera-se dramaticamente:

- quando cru, o grão permanece "vivo" por meses;
- quando torrado em grão, sua vida pode durar semanas;
- moído, o grão de café vive poucos dias;
- na xícara, não deve passar de poucos minutos (ainda mais se for um excelente café!)

Assim, tanto quando cru quanto torrado, o grão de café tem na forma de sua armazenagem o principal fator para manutenção de seus atributos de bebida, mantendo vivos os aromas e sabores que coroam o trabalho de uma safra.

ENSEI NETO

Especialista em Cafés Especiais.
Consultor em Qualidade e Marketing, Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Produtos & Novos Mercados.
Juiz Certificado SCAA e Q Grader Licenciado.

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EDUARDO MENDES GONCALVES

POÇO FUNDO - MINAS GERAIS

EM 02/07/2008

Gostei muito da reportagem. Gostaria de saber se existe alguma diferença para o grau de umidade do café quando este for relacionado à pesquisa. Estou participando de um trabalho de qualidade de café em quatro processos diferentes de produção (natural, orgânico, convencional e sem agrotóxico). Obrigado.

<b>Resposta do autor</b>

Prezado Eduardo,

A umidade do café para sua conservação como "Café Cru" deve atender às recomendações técnicas, em torno de 11% em média, independendo do processo de produção. Se a finalidade de sua pesquisa estiver relacionada à qualidade da bebida e, portanto, deverá ser necessária uma avaliação sensorial, esta umidade recomendada deverá ser observada.

Caso o foco de seu experimento seja outro, verifique as recomendações específicas.

Grande abraço,

Ensei Neto
ENSEI NETO

PATROCÍNIO - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 06/04/2008

Prezado Marcio Dias Lima,

Agradeço pelo acesso.

O conjunto de discos de cores Agtron-SCAA pode ser adquirido diretamente da SCAA - Specialty Coffee Association of America através do seu website www.scaa.org . Entre em "shop" e procure por "technical tools".

Em relação às certifificações, recomendo que seja feito contato com a representante da Rainforest no Brasil, que é o IMAFLORA (www.imaflora.org), o da Utz Certified (www.utzcertified.org).


Grande abraço

Ensei Neto
MARCIO DIAS LIMA

BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL - CAFETERIAS E PONTOS DE VENDA DE PRODUTOS DE CAFÉ

EM 03/04/2008

Interessante!

Mas gostaria de saber como faço para certificar a minha cafeteria pela, Utz kapeh, Rainforest Aliance, etc... E o que é preciso. Ficarei muito grato pela informação.

Márcio Dias
MARCIO DIAS LIMA

BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL - CAFETERIAS E PONTOS DE VENDA DE PRODUTOS DE CAFÉ

EM 03/04/2008

Muito interessante a matéria e melhor ainda porque já seguia estes padrões de torra, gostaria de saber também como faço para adquirir estes discos de torra.

Sem mais para o momento, agradece desde já

Marcio Dias
Barista e torrador
JOSUE

SALTO - SÃO PAULO - DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS (CARNES, LÁCTEOS, CAFÉ)

EM 05/01/2008

Uma ótima matéria e aproveitosa. Abraços.
GEFFERSON EDSON FERREIRA PINTO

ESPÍRITO SANTO DO PINHAL - SÃO PAULO

EM 17/09/2007

Excelente reportagem, com um bom conteúdo, está de parabéns o nosso consultor Ensei e o CaféPoint. Somente gostaria de salientar ou perguntar se o café fermentado após a colheita, principalmente por problemas de terreiro ou demora em sacos e que fermenta, se neste ponto também não ocorre a morte de vários grãos!

<b>Prezado Gefferson,</b>

A abordagem feita no texto refere-se às condições de armazenagem dos grãos de café, seja como verde (cru), seja como industrializado (torrado, torrado e moído). Em condições adequadas, as características sensoriais do café são mantidas, proporcionando bebidas que podem ser fantásticas.

Se, no entanto, considerarmos que as alterações bioquímicas que ocorrem nos grãos devido às fermentações indesejáveis como uma "morte" dos bons atributos, sua colocação está correta.

Grande abraço

Ensei Neto
CARLOS AUGUSTO DESOUZA GOULART

SÃO PEDRO - SÃO PAULO - PROVA/ESPECIALISTA EM QUALIDADE DE CAFÉ

EM 13/09/2007

Gostei do artigo. Só faltou colocar o disco de torra.

<b>Prezado Carlos,</b>

Agradeço pela visita ao texto e pelo elogio. Na realidade, a abordagem sobre torração e as cores, quando apresentarei os discos, ficará para um próximo texto.

Grande abraço
Ensei Neto
JOSÉ ANTONIO PADIAL POSSO

MONTE CARMELO - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 09/09/2007

Muito interessante e esclarecedor o artigo. Eis um dos porquês de nossa atividade ser apaixonante. A busca pela excelência é sempre um desafio estimulante.

Se não for explorar muito, gostaria de conhecer melhor os aspectos dos diferentes tipos de tulhas para café, quanto aos materiais usados quanto à construção propriamente dita. Parece-me que a madeira seria o melhor material, mas o que estaríamos perdendo usando a alvenaria de tijolos furados ou o aço por exemplo?

Muito obrigado e um abraço!

<b>Prezado José Antônio,</b>

O ponto central em relação aos materiais empregados na construção das tulhas, sem dúvida é a capacidade de isolamento térmico, que permita manter estáveis as condições de umidade e temperatura da "massa" de café, seja em côco, seja em pergaminho.

A escolha pela madeira e, mais recentemente, pelo madeirit é devido à essa característica física do material. Lembre-se das casas com piso em madeira, que normalmente são mais aconchegantes e com temperaturas quase estáveis ao longo do ano. Quanto ao modelo construtivo, o foco tem de ser a sua praticidade operacional.

Grande abraço

Ensei Neto

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