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Volatilidade versus especulação

POR SYLVIA SAES

E BRUNO VARELLA MIRANDA

BRUNO VARELLA MIRANDA

EM 06/12/2006

8 MIN DE LEITURA

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De tempos em tempos, o setor do café é sacudido por grandes crises, ocasionadas pela queda nas cotações no produto. Foi assim no início da década de 90, no período posterior ao desmantelamento dos acordos para o controle da oferta mundial, tendo o quadro se repetido nos primeiros anos desse século.

Muito se debate sobre os reais motivos para tais crises. Há quem aponte os especuladores das bolsas de futuros como detentores de grande responsabilidade nas flutuações de preço. Uma vez que o mercado futuro de café é relativamente pequeno (tomemos o exemplo da soja, por exemplo), um ingresso agressivo dos fundos seria responsável por grandes movimentos nas cotações.

Quadros de volatilidade intensa não apenas prejudicam os produtores em suas atividades cotidianas, como também impedem a diversificação de suas atividades em busca de melhores resultados na cafeicultura. Por exemplo, é notória a dificuldade que estes possuem de atuar na bolsa em períodos de grande incerteza, em que mais capital de curto prazo é necessário para bancar as diferenças de margem.

Isso posto, é necessário perguntarmos: até que ponto estes especuladores são responsáveis pela flutuação das cotações? Conforme veremos a seguir, as evidências apontam para outros motivos como condicionantes da má situação vivida periodicamente por cafeicultores em todo o mundo.

Para tal análise serão utilizados dados do período compreendido entre meados da década de 90 e o início da atual. Conforme sabemos, o clima contribuiu fortemente para a queda brusca na produção mundial de café entre 1994 e 1997, provocando a elevação das cotações internacionais do produto. Posteriormente, observou-se a deterioração desse quadro, com a queda acentuada nos preços.

Oferta e demanda: o novo cenário internacional

Primeiramente, devemos levar em conta o fato de a demanda por café ser pouco afetada por variações nas cotações internacionais, o que caracteriza de acordo com os economistas uma demanda inelástica aos preços. Ou seja, tanto em períodos de alta como naqueles de baixa, são bastante semelhantes os dados de consumo de café. Em geral, seu consumo se concentra em países de elevada renda per capita, sendo o Brasil uma exceção para esta realidade.

Por exemplo, se analisamos o quadro desde meados da década de 90 até os primeiros anos do século XXI (gráfico 1), observamos que a oferta de café cresceu a um ritmo anual de cerca de 12%, ao passo que a demanda cresceu em torno de 1%. Nos mercados tradicionais, o café vem perdendo espaço para outras bebidas, o que contribui para a manutenção dos dados de consumo per capita mundial em torno de 1 kg por habitante.


Fonte: USDA
Gráfico 1 - Oferta e Demanda Mundial de Café - mil sacas de 60 kg.

Em relação aos dados de oferta, inicialmente devemos nos lembrar dos efeitos que a bienalidade do café arábica possuem para a produção internacional de café. Apesar dos avanços tecnológicos observados nos últimos anos, ainda é uma realidade o fato de a produção mundial de café oscilar de acordo com as características da espécie.

Dessa forma, em um quadro marcado por uma demanda inelástica, é de se esperar que os preços oscilem de acordo com a oferta existente. Ou seja, em períodos em que a produção é menor que a demanda, aumentam as cotações e também os estímulos para a entrada de novos produtores no mercado. Essa queda de barreiras à entrada de novos produtores aliada à retomada na produção leva a um quadro de superprodução, provocando a queda nas cotações.

Em resumo, enquanto esse quadro persistir será comum ouvirmos histórias de cafeicultores deixando a atividade ou abandonando partes de seus cafezais, bem como relatos de pessoas que, atraídas pelas altas cotações, passaram a investir na cafeicultura a espera de obter bons lucros. De qualquer maneira, é importante salientarmos que a resposta a esses estímulos é relativamente lenta quando se trata de uma pressão para o aumento da oferta, e isso porque as características da cafeicultura assim o exigem.

Estoques: cada vez mais distantes do cafezal

Detentores de enormes estoques acumulados no período de regulamentação da oferta, os países produtores desovaram grandes quantidades de café ao longo da década de 90, motivados primeiramente pelo interesse em aumentar a participação no mercado internacional, e, posteriormente, em garantir a oferta em um período de quebra na produção.

Em um cenário marcado pela ausência de intervenção estatal no setor, é importante observarmos que, ao longo da década de 90, o perfil dos estoques mundiais de café mudou consideravelmente (gráfico 2). Atualmente, é notável o fato de estes se concentrarem em mãos dos países consumidores, ao contrário do que se observava no passado.


Fonte: OIC.

Gráfico 2 - Estoques nos países produtores e consumidores (milhões de sacas) e preço composto da OIC (cents US$/lb).

Embora em quantidade menor se comparados com o início dos anos 90, atualmente os estoques têm um efeito mais depressivo do que tinham em anos anteriores. Isso se deve principalmente pela função que estes passaram a servir como alternativa para ciclos de oferta apertada. Além disso, convém lembrarmos que estes se encontram em muitos casos controlados mais de perto pelas grandes torrefadoras internacionais, com interesses distintos dos cafeicultores em muitos casos.

A título de comparação basta lembrarmos do tratamento dado pelo governo brasileiro aos estoques nacionais de café. Nesse caso, era evidente o caráter político que o mesmo assumia, estando a sua administração envolta de enorme imprevisibilidade. Portanto, fica aqui explicada a influência dos estoques para a depressão nas cotações.

A situação entre 1990 e 2003

Os gráficos 3 e 4 visam mostrar a situação da oferta e demanda de café no período analisado. Primeiramente, podemos observar a oscilação dos preços de acordo com a produção mundial. É importante salientarmos a variação negativa dos preços justamente no período de recuperação da oferta mundial, ao final da década de 90. Os gráficos mostrados anteriormente vem a completar a informação presente aqui.


Fonte: OIC

Gráfico 3 - Oferta mundial de café (milhões de sacas) e cotações médias do preço composto da OIC

É importante observarmos o aumento da proporção de café robusta quando levamos em conta a produção mundial (gráfico 4). Essa constatação é importante quando a análise em questão se relaciona a preços, afinal o café robusta se caracteriza pela menor qualidade, e também por menores cotações internacionais. O período mostrado abaixo foi o de afirmação do Vietnã como grande ator no mercado internacional de café, o que explica a evolução nos dados.

Da mesma forma, o desenvolvimento de novas tecnologias na indústria do café, garantidoras da qualidade de blends ainda que com a utilização de grandes porcentagens de robusta, aumenta a autonomia das torrefadoras e estimula a expansão dessa espécie em comparação ao café arábica.


Fonte: USDA

Gráfico 4 -Produção mundial de café por variedade: robusta e arábica (milhões sacas).

O quadro nas bolsas

Passando agora a analisar as bolsas, devemos primeiramente esclarecer o que vem a ser random walk, com especial atenção para os agentes envolvidos em um mercado amplo. Por esse termo, entende-se um mercado nos quais as informações chegam aos agentes de forma aleatória, de modo que estes não possuem condição de compreender completamente o padrão, e assim modificá-lo.

O mais importante a entender acerca desse ponto é o fato de um mercado com tal comportamento possuir em geral choques de curto prazo ocasionados pelo surgimento de determinada informação entre os agentes. Na análise do quadro de longo prazo, o que se observa é uma tendência à estabilização, sendo fatores macroeconômicos ou a variação da oferta e demanda preponderantes para a fixação das cotações.

Os gráficos 5 e 6 mostram o padrão observado nas bolsas de Nova Iorque e São Paulo. Ambos seguem um padrão semelhante, e mais importante, os resultados observados nesses gráficos nos dão conta de que as cotações nessas bolsas seguiram um padrão típico de um mercado random walk, com tendência a estabilização no longo prazo, e oscilações no curto prazo provocados por informações recebidas pelos agentes. Vale notar que os picos de alta das cotações estão associados a fatores climáticos (períodos de geadas e secas na produção).


Fonte: elaborado com dados da CSCE/NYBOT.

Gráfico 5 - Índice de volatilidade das cotações do café na bolsa de Nova Iorque (CSCE/NYBOT)


Fonte: elaborado com dados da BM&F

Gráfico 6 - Índice de volatilidade das cotações do café na BM&F.

Pois bem, analisando o caso do café no período supracitado, observamos que não há qualquer indício de que fundos tenham agido de forma coordenada de modo a modificar o padrão, provocando alguma influência nas cotações do produto. Em determinado momento, de fato houve um aumento da participação dos mesmos no mercado de café, mas isso se deve principalmente pela constatação dos mesmos de que havia oportunidades relacionadas com a volatilidade no mercado de café, sendo esta causada por outros motivos.


Fonte: elaborado com dados da CSCE.
Gráfico 6 - Posição dos fundos nos mercados futuros de café (número de contratos).

Assim, a análise do quadro observado na última grande crise na cafeicultura internacional nos leva a conclusão de que foi o aumento da oferta o principal responsável pelas mazelas enfrentadas pelos produtores. Tudo indica que não há uma ação coordenada dos fundos de modo a influenciar nas cotações de forma determinante. Ocorre, no entanto, que os fundos agem de forma pró-cíclica acentuando uma tendência de baixa ou de alta.

Além disso, eles têm um comportamento de "manada", no qual uma previsão de geada, ou uma projeção de uma super safra agem como o estopim da corrida para venda ou compra de contratos. É verdade também que as commodities agrícolas são usadas como hedge para os grandes especuladores que investem em commodities não-agrícolas, pois elas tendem a se comportar de forma inversa (assunto que trataremos em outra oportunidade).

Assim, podemos dizer que apesar dos dados mostrarem uma tendência à estabilidade no longo prazo, neste caso para muito produtores, principalmente aqueles que não têm recursos para fazer hedge e/ ou necessitam vender o café na safra para pagar custeio, parece valer a máxima proposta pelo celebre economista John M. Keynes: "No longo prazo estaremos mortos".

SYLVIA SAES

Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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RENATO FONSECA

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 18/12/2006

Prezados Sylvia e Bruno,

Creio que o artigo de vocês demonstra que a volatilidade dos preços do café não é determinada pela atuação dos fundos nos mercados futuros, embora, no curto prazo, possa ser amplificada por essa atuação.

Entretanto, várias lideranças de produtores rurais "culpam" os fundos pela volatilidade do preço do café. Aliás, quem disse que a volatilidade, em si, é, necessariamente, um mal para o mercado? Ao meu ver, a maioria dessas lideranças (pelo menos aquelas que conheço) tem uma compreensão muito restrita do funcionamento dos mercados futuros e repetem, à moda de papagaios, ou seja, sem meditação, teses fundadas em bases não racionais.

Necessitamos com urgência de uma renovação e de uma reciclagem de nossas lideranças da cafeicultura, pois embora se tratem de pessoas em geral bem intencionadas, não se prepararam adequadamente para enfrentar os desafios do mercado mundial.

Aproveito a oportunidade para perguntar aos senhores se teriam como quantificar o efeito de um aumento de preços no consumo de café no Brasil. Em outras palavras, qual é a elasticidade-preço do café no mercado interno? O nosso país é pobre, uma exceção entre os demais países grandes consumidores de café. Além disso, temos as questões de produtos de péssima qualidade e até mesmo fraudados, que se tornam mais comuns em épocas de preço de café mais elevados. Como esse fator afeta o consumo interno e a credibilidade de produto café?

Saudações,

Renato Fonseca


<i>Agradeçemos suas reflexões, Renato,</i>


Com relação à volatilidade, realmente o problema é mais de curto prazo, já que os preços acabam sendo afetados pelas entradas e saídas dos fundos. Muitas vezes de modo inesperado.

Por isso a importância de um bom gerenciamento da produção, o que não é comum. É difícil explicar para os produtores que saber vender na hora certa não é obter a cotação mais alta do ano. Enfim, precisamos ensiná-los a gerenciar a produção. Isso está caminhando aos poucos. Não se muda uma mentalidade de uma hora para outra. Como você falou as nossas lideranças poderiam ajudar.

Com relação à elasticidade. A elasticidade renda do Café Torrado e Moído calculado com dados do IBGE (pesquisa de orçamento familiar) é de 0,167. O que significa que uma queda de 1% na renda diminui o consumo em -0,2.

Não tenho o cálculo da elasticidade-preço atual. Vale a pena calcular. Acredito que deva ser bastante inelástico. Primeiramente, pelo hábito brasileiro e por que quando o preço aumenta o consumidor deve migrar para marcas mais baratas. Além disso, vale observar que o preço do varejo não consegue acompanhar o da matéria-prima (dada a estrutura de mercado brasileira: oligopólio com franja).

Abraços,

Sylvia
RENATO DELORENZO RIBEIRO DO VALE

GUARANÉSIA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 12/12/2006

Olá Sylvia,

Ficou ótimo, o artigo!

Sou produtor de café e fã de seu trabalho e de sua extraordinária didática para falar de temas tão interrogativos. Você disse que o consumo não se altera quando as cotações estão elevadas. Isto é um bom sinal, pois deveria ser feito um trabalho para elevar o patamar da média dos preços do café, já que os estudos mostraram que a volatilidade tende à média, após os períodos de conturbações climáticas, e seria interessante não deixar que esta média, isto é, o preço do café seja determinada pelo "fôlego" do produtor.
ANTONIO AUGUSTO RIBEIRO DE MAGALHÃES FILHO

GUAXUPÉ - MINAS GERAIS

EM 06/12/2006

O artigo é bom, bem construído e fundamentado. Ficaria melhor se a análise fosse atualizada, mostrando as tendências de curto e médio prazos. Uma hipótese se transforma em tese quando se comprova através de prognósticos que se tornam reais.

<i>Caro Antônio Augusto</i>,

Você tem razão a respeito dos gráficos que não estavam atualizados.

Entretanto, fizemos este texto com base em um artigo acadêmico que tinha sido feito por nós anteriormente (já que envolvem cálculos mais sofisticados). O objetivo era para discutir a questão da volatilidade de uma forma mais estrutural do que conjuntural. Prometemos, no entanto, um próximo que será mais focado no comportamento recente dos agentes nas bolsas, com dados mais atualizados.

Gratos pelas sugestões,

Sylvia Saes

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