Do café preparado na primeira hora da manhã e servido em um rudimentar copo sem nada de glamour à xícara projetada, com aromas frutados e sabor intenso. O caminho que leva de um extremo a outro na hora de tomar café parece grande, mas, na Espanha, isso ocorreu em apenas cinco anos. A cultura do café vem surgindo no país e, frente à bebida (às vezes, difícil de engolir) que era servido há alguns anos somente para limpar a mente e começar o dia com força, passou-se a uma bebida com um consumidor mais exigente e muito mais preocupado com a qualidade do produto, seu sabor e a forma correta de servi-lo.

A linha é a mesma seguida por outros produtos, como pão, vinho e cerveja, ainda que essa nova tendência “cafeeira”, todavia, seja incipiente (a maioria dos baristas e especialistas consultados acredita que ainda há muito caminho a percorrer), tudo indica que essa moda veio para ficar. A mudança já começou e os espanhóis já sabem apreciar, valorizar e diferenciar um café de qualidade. Um produto que tem abandonado o âmbito de commodity (produtos sem especialização ou diferenciação) para passar ao mercado gourmet, com alto valor agregado, segundo afirma o último relatório sobre o café elaborado pela Organização Mundial de Comércio.

“O caminho que estamos fazendo na Espanha para promover o consumo de café de qualidade é o mesmo realizado há 25 anos com o vinho. Antes, servia-se muita porcaria, mas se fez um grande trabalho educativo entre o setor hoteleiro e já é possível encontrar bebidas atrativas para o consumidor (sobretudo, jovens), elaboradas com café, bem como combinadas, além dos diferentes tipos de marcas e variedades. Nisso, a Espanha chegou dez anos mais tarde com relação ao resto da Europa, mas já se começa a notar”, disse o diretor do Instituto Espanhol de Café, Rafael Moral.

Na Espanha, o produto nunca teve o prestígio que tinha em outros países, como Itália. Até 1980, o Estado exercia o monopólio sobre as importações do grão. Isso fez com que as multinacionais do setor aterrissassem na Espanha e encontrassem um país com escassa tradição cafeeira, herança do racionamento da época da pós-guerra, o que provocou alguns pecados contra o bom gosto, como misturar café com chicória, ou a invenção de café torrefacto (café torrado com açúcar, que esconde todos os sabores do grão e que somente é comercializado na Espanha, em Potugal e em alguns países da América Latina). Ainda assim, foi o primeiro passo que permitiu a expansão da cultura do café na Espanha.

O segundo passo (e talvez o mais importante) em direção a essa metamorfose como produto gourmet veio há apenas cinco anos, com o êxito e a extensão do café em cápsulas, que introduziu uma grande variedade de gostos e sabores e forneceu ao produto essa aura de luxo e sofisticação que tanto faltava. “Na Espanha, tomar café é um ato social, o que tem permitido expandirmos como em nenhum outro país do mundo”, disse o diretor de marketing da Nespresso na Espanha, Jaime de la Rica. “De fato, somos o país com mais butiques em clubes gourmet Nespresso”. Atualmente, a rede de Nespresso na Espanha representa 21% da rede global de lojas Nespresso no mundo.

Grandes chefs de cozinha, como Martín Berasategui, confírmam essa tendência. Eles começaram a mostrar sua fascinação por esse produto, melhorando a qualidade do mesmo em seus restaurantes e, inclusive, incorporando-o em suas receitas. “Vivemos um grande momento. Nem no mais remoto de meus sonhos eu teria imaginado a grande qualidade e a variedade de cafés que está vindo nas minhas mãos atuamente”.

Reputados mixólogos, como Javier de las Muelas, também começou a incorporar o café em suas misturas, como o Chaise Lounge, um coquetel composto de creme de blueberry, licor de café e espumante.

Além disso, o país conta com um plus na hora de preparar os cafés: sua riqueza regional. Concha Crespo, jornalista gastronômico, está realizando, com a colaboração do Nespresso e a atriz, Leticia Dolera, um concurso-documentário em que se exploram as diferentes e originais formas de tomar café: “As 1.001 formas de tomar café na Espanha”.

“Graças ao documentário, temos conhecido autênticas jóias de café na Espanha, que não se veem em nenhum país do mundo e que teríamos que difundir e exportar: o café bombom de Valencia, o carajillo, o branco e preto (misturado com leite)”, entre outros, segundo explica Crespo. Nesse concurso-documentário (cujos ganhadores serão divulgados em breve), difundem-se também receitas originais, histórias e truques sobre essa bebida, como acrescentar casca de laranja, canela ou cardamomo ao grão moído para dar um toque “exótico” ao sabor.

Ainda assim, o sucesso das cápsulas de dose única tem sido tanto que os espanhóis preferem cada vez mais tomar café em casa: 62,6% bebem dentro de casa, frente a 37,12% que o fazem no bar, um setor que, nos últimos cinco anos, perdeu 9,1% de participação, segundo dados da Federação Espanhola de Café.

A Federação também oferece dados sobre as pautas de consumo na Espanha. O consumo é de quase quatro quilos de café per capita ao ano. Parece muito, mas outros países como Finlândia (país onde se bebe mais café) têm dados como 10 quilos. Somente superamos países com grande tradição em chá, como Reino Unido ou Irlanda. Por isso, a margem de melhora é muito grande.

Segundo a consultora Quota Research, em seu estudo sociológico, “Hábitos e atitudes dos espanhóis frente ao consumo de café”, 87% dos espanhóis reconhece que gosta “muito” ou “bastante” de café, sobretudo por seu aroma e sabor. Cerca de 84% toma no café da manhã e 66% na sobremesa. Além disso, três de cada quatro espanhóis o consideram como um produto saudável e que permite “socializar”.

A reportagem é do https://www.20minutos.es, adaptada pelo CafePoint