ESQUECI MINHA SENHA CONTINUAR COM O FACEBOOK SOU UM NOVO USUÁRIO
FAÇA SEU LOGIN E ACESSE CONTEÚDOS EXCLUSIVOS

Acesso a matérias, novidades por newsletter, interação com as notícias e muito mais.

ENTRAR SOU UM NOVO USUÁRIO
Buscar

Um indisfarçável arrepio devido ao amargor

POR ENSEI NETO

GIRO DE NOTÍCIAS

EM 06/05/2009

6 MIN DE LEITURA

9
0
O sabor Amargo, parte dos chamados Sabores Básicos, que incluem o Doce, Salgado, Ácido e Umami (incorporado recentemente após comprovações científicas do estímulo provocado pelo MSG - Glutamato Monossódico), é definido como "algo que tem ou é particularmente acre, adstringente ou de sabor desagradável", segundo o Dicionário Webster, ou através dos verbetes constantes no Michaelis "de sabor acre, desagradável como fel, quinino; áspero".

Quanto à percepção dos mamíferos, que possuem o mais complexo conjunto sensorial de gustação entre as espécies, o sabor amargo é associado ao perigo, pois muitos dos principais venenos tem essa característica. Tanto é que, caso você acidentalmente ingerir algo, digamos, potencialmente venenoso, seu corpo rapidamente responde com uma espécie de travamento da boca do estômago, evitando que a substância seja digerida, ao mesmo tempo em que estimula uma reação de refluxo. Como ação complementar, uma intensa salivação se inicia na boca, como forma de diluir essa substância para depois cuspi-la.

Esta é uma das razões porque que se diz que o amargor é o contraponto da doçura, pois todas as reações que o nosso corpo demonstra com uma são de natureza totalmente oposta com a outra. O sabor doce, como se diz, é "tudo de bom"...

Dentro da Ciência dos Alimentos, os limiares de percepção do sabor doce e do amargo foram estabelecidos, respectivamente, com soluções aquosas da sacarose, que é o açúcar de cana, e o quinino, tradicional e eficiente "mata-bicheira". O limiar de percepção do sabor doce, ou seja, a mínima concentração que uma pessoa em geral consegue perceber esse sabor, corresponde a uma solução a 0,5% m/v de sacarose, enquanto que no caso do quinino é de 0,00005% m/v. Ou seja, corresponde a um valor 10.000 vezes maior, o que significa que somos 10.000 vezes mais sensíveis para o sabor amargo do que para o sabor doce. Portanto, o impacto que a presença de uma substância amarga em nosso palato provoca é impressionantemente grande. Dá sempre um indisfarçável arrepio...

Anos atrás, havia uma corrente que considerava o sabor amargo como sendo o sabor doce extremamente concentrado. Este conceito surgiu devido à descoberta da sacarina, o primeiro adoçante sintético, e que é um derivado de petróleo. A sacarina, cujo poder adoçante é 300 vezes maior do que a da sacarose, considerada como referência para essa medida, quando concentrada, é bastante amarga, enquanto que ao se diluir uma percepção aproximadamente adocicada prevalece. Porém, deve ficar claro que este é um caso particular e não deve ser inferido como regra.

No caso do café, o sabor amargo pode ocorrer devido a quatro diferentes origens: da natureza do café, do estado fenológico da fruta, por alteração bioquímica e, finalmente, no processo industrial.

Por uma questão de lógica, iniciarei a abordagem pelo estado fenológico da fruta. Como comentado em outros artigos, o café é uma fruta que somente amadurece enquanto estiver presa à planta.

Enquanto verde, diversos alcalóides estão presentes, até como precursores de outras substâncias que serão identificadas na fase de plena maturação. Alcalóides, cuja origem da palavra significa "semelhante a um álcali" ou algo como a cal, são comuns nas plantas e tem diversas aplicações, desde ações medicamentosas a potentes venenos. Novamente, aqui vemos a dicotomia da concentração: alguns alcalóides, como a atropina, proveniente da beladona, pode tanto funcionar como um santo remédio para envenenamento por organofosforados, quanto em altas doses causar taquicardia e seus efeitos.

Os alcalóides são responsáveis pela adstringência, que é a sensação de aspereza (lembre-se do caqui ou banana verdes) ou secura na boca, e fica claro que quanto maior sua presença, mais desagradável será o resultado na xícara.

Essa é a principal justificativa do porque a presença de grãos verdes num lote de café faz com que sua qualidade global seja baixa, afetando tanto no aspecto físico e visual, como, principalmente, no sabor que se torna pungente e desagradável.

Foto 1. Grãos Verdes, Verde-Cana e "quase" cerejas.


Ensei Neto

Outra causa do amargor é devido a uma transformação bioquímica. É o clássico caso do café que sofre fermentação bacteriana, resultando no "Riado" e "Rio". Este tipo de fermentação ataca as proteínas do café, quando o grão já está na fase passa. E aqui há um detalhe de grande importância: cafés quando cereja não sofrem este tipo de fermentação, mas, sim, a de natureza alcoólico-acética, pois são leveduras que realizam essas reações, gerando o chamado "ardido". E leveduras gostam de água.

No caso específico do "Riado-Rio", a fermentação bacteriana somente ocorre quando o a presença de água livre é mínima, ou seja, quando o grão está entrando na fase passa. Com a liberação de substâncias contendo grupos aromáticos como resultado da fermentação, principalmente os fenólicos, o efeito na xícara é devastador. Tecnicamente, o grão está podre.

Mesmo em pequena concentração é perceptível seu cheiro medicinal e um sabor que também denominamos "medicinal". Historicamente, o primeiro desinfetante bactericida foi extraído da fração pesada do petróleo na Inglaterra pós-vitoriana, revertendo um crítico caso de saúde pública.

Portanto, o típico aroma e sabor acre, como creosol, nome químico da creolina, pungente e de amargor lancinante, só pode tornar um suplício o consumo desse tipo de café. Outro agravante é o fato de que os compostos fenólicos atacam as mucosas, daí o maior a probabilidade de se ter a sensação de queimação no estômago após o consumo de bebidas dessa natureza.

Foto 2. Grãos passa sob ataque de microorganismos.


Ensei Neto

A terceira causa do amargor pode acontecer durante a fase de torra dos grãos, ou seja, em sua etapa industrial.

A torra de café envolve um grande número de reações, todas devidamente estimuladas pelo calor, que se bem conduzidas farão chegar à xícara notas de aroma e sabor que tornarão muito prazerosas o seu consumo e criarão fidelidade para com um determinado "blend".

O auge do processo de torra acontece com as reações de pirólise, quando os carboidratos, como as moléculas de açúcares, se transformam em água e gás carbônico. Este é um período curto e requer grande domínio técnico. Caso esta fase termine, reconhecível pelo final dos típicos estouros do chamado "segundo pop", inicia-se a inevitável reação de carbonização. As últimas moléculas a serem, digamos, consumidas pelo calor, são as da celulose, que é muito mais estável comparativamente com os açúcares e moléculas de sabor. A celulose basicamente é composta por átomos de carbono; portanto, o resultado final é o grão carbonizado.

O amargor resultante é o que denominamos de amargor seco, típico do carvão. É como experimentar um pedaço de pão que se queimou ao assar ou mesmo uma carne esquecida ao fogo.

Foto 3. Grãos de café com início de carbonização.


Ensei Neto

Observe que todos os casos comentados são de sabores indesejáveis, todos da categoria "amargo".

O último é de uma categoria que pode ser enquadrada como de "amargo aceitável": é aquele cuja origem está na natureza do grão de café.

Dentre as substâncias naturalmente encontradas no café, está a sempre presente cafeína e diversos tipos de ácidos clorogênicos, que são responsáveis por um amargor típico, diferente dos anteriores.

Na realidade, preparar café é, sob uma visão técnica, fazer extração de cafeína! O teor de cafeína no café, que é o nosso determinante de consumo também, depende principalmente do tempo de extração, pois quanto mais tempo as partículas do pó de café ficarem em contato com a água, maior será o teor de cafeína resultante.

Existe uma regrinha fácil para preparar um cafezinho diminuindo esse sabor amargo típico da cafeína e seus companheiros, que lembra o jiló: use um pouco mais de água para se passar no pó de café que está num filtro de papel e despreze essa água excedente, transferindo este final para um outro recipiente. Experimente, depois, separadamente cada um.

Certamente, naquele recipiente com o restante da extração, ao experimentar você não deixará de, mais uma vez, mostrar um indisfarçável arrepio devido ao amargor!

Fazendo dessa forma, você poderá impressionar ainda mais seus amigos ao servir um café preparado com arte e conhecimento...

ENSEI NETO

Especialista em Cafés Especiais.
Consultor em Qualidade e Marketing, Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Produtos & Novos Mercados.
Juiz Certificado SCAA e Q Grader Licenciado.

9

DEIXE SUA OPINIÃO SOBRE ESSE ARTIGO! SEGUIR COMENTÁRIOS

5000 caracteres restantes
ANEXAR IMAGEM
ANEXAR IMAGEM

Selecione a imagem

INSERIR VÍDEO
INSERIR VÍDEO

Copie o endereço (URL) do vídeo, direto da barra de endereços de seu navegador, e cole-a abaixo:

Todos os comentários são moderados pela equipe CaféPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

SEU COMENTÁRIO FOI ENVIADO COM SUCESSO!

Você pode fazer mais comentários se desejar. Eles serão publicados após a analise da nossa equipe.

JOSÉ ELEUTÉRIO ALVES NETO

SINOP - MATO GROSSO - INDÚSTRIA DE CAFÉ

EM 10/05/2011

A agua excedente citada, é o café coado final, que vai sobrar para você desprezar.

Sirva como café melhor, somente a parte inicial.

Ou o primeiro minuto e meio, ou no máximo dois minutos de café coado.

Sem se esquecer de fazer uma pré-infusão com agua quente pra "quebrar" o pó de café por 20 segundos.
CLÁUDIO TORNAGHI

RIO DE JANEIRO - RIO DE JANEIRO - PROVA/ESPECIALISTA EM QUALIDADE DE CAFÉ

EM 07/05/2011

Existe uma regrinha fácil para preparar um cafezinho diminuindo esse sabor amargo típico da cafeína e seus companheiros, que lembra o jiló: use um pouco mais de água para se passar no pó de café que está num filtro de papel e despreze essa água excedente, transferindo este final para um outro recipiente. Experimente, depois, separadamente cada um.



Certamente, naquele recipiente com o restante da extração, ao experimentar você não deixará de, mais uma vez, mostrar um indisfarçável arrepio devido ao amargor!



Confesso que tenho dificuldade de entendimento na parte citada acima, visto que os outros não tiveram dúvidas.

Se é para desprezar a primeira água como é que se vai sentir arrepio de amargor com o restante da extração?

ENSEI NETO

PATROCÍNIO - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 24/05/2009

Prezado Leno,

Na realidade, sou muito grato pela sua mensagem.
Como é de sua lembrança, quando iniciamos os trabalhos em 2000, já havia comentado minha impressão de que vocês tinham verdadeiras jóias que precisavam de burilamento. Introduzi-los no mercado de especialidades foi muito estimulante para mim porque vocês fizeram com muita paixão o que tinha de ser feito.
Desejo ainda mais sucesso a vocês!

Grande abraço

Neto
ENSEI NETO

PATROCÍNIO - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 24/05/2009

Prezado Sérgio,

Muito da base bibliográfica que utilizo vem do tempo em que atuei em indústrias de alimentos, por isso, como você poderá observar, alguns dos livros são de edições antigas.

Não sei ao certo se existem outras edições, porém acredito que numa busca em livrarias especializadas essa dúvida poderá ser tirada.

1. Engenharia Bioquímica - Walter Borzani. Editora Edgar Blucher, 1975. Um dos meus prediletos, até porque minha turma foi a última a ter o lendário Prof. Borzani como mestre.

2. Gum Technology in the Food Industry - Martin Glicksman. Academic Press, 1969. É a grande referência para essa área, incluindo um excelente teoria sobre reologia e comportamento dos alimentos fluidos, auxiliando na compreensão de efeitos como "corpo", por exemplo.

3. Coffee Technology - Sivitz. AVI Publishing, 1979. Livro para engenheiros que são "loucos" por café. É a referência para a indústria do café.

Existem outros livros que foram publicados depois da minha mudança de área, até porque a evolução e dinamismo da indústria de alimentos é muito grande. Um dos que gosto é o "Food Science", de Potter-Hotchkiss, da Aspen Publications, que é muito abrangente, dando panorama de praticamente todos os segmentos dessa indústria, juntamente com alguns fundamentos. Para sua área, chocolate, há um capítulo específico.

Grande abraço

Ensei Neto
MARCIO HELENO DE CARVALHO JUNQUEIRA

SÃO LOURENÇO - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 20/05/2009

Caro Neto,

Gostei do artigo, mas o que quero mesmo é reiterar meu agradecimento por tudo que voce fez pela cafeicultura da Serra da Mantiqueira, em especial no Rancho São Benedito, em Dom Viçoso, onde desde 2002 temos tido grande sucesso no preparo e comercialização de Cafés Especiais.

Forte abraço do Leno e família.
MOISÉS FERNANDES

OURINHOS - SÃO PAULO - INDÚSTRIA DE CAFÉ

EM 11/05/2009

Sempre que leio seus artigos, meu conhecimento a respeito se torna muito mais rico, parabéns.

Tudo de bom pra você.

Obrigado
RENATO H. FERNANDES

TEIXEIRA DE FREITAS - BAHIA - COMÉRCIO DE CAFÉ (B2B)

EM 08/05/2009

Muito legal! Principalmente, muito bem ilustrado.

Parabéns, Neto!

Forte abraço,

Renato
SERGIO VENUTO

RESENDE - RIO DE JANEIRO

EM 07/05/2009

Oi, Ensei. Muito bom por mais este artigo. É sempre importante ter materiais que possam disponibilizar conhecimento para todos, principalmente quando se trata de café e temas correlacionados a ele.

Como um café especial, seus artigos ficam sempre com a boa sensação de "um gostinho de quero mais". Logo, se possível, nos envie a referência bibliográfica dos temas que você aborda para que possamos nos aprofundar no assunto.

Obrigado. Abraços.
CAIO VINÍCIUS CINTRA DINIZ

PIRACICABA - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 06/05/2009

Parabéns pela clareza do artigo Dr. Ensei.

Gosto muito das suas explicações sobre os sabores agradáveis (e os indesejáveis) do café.


Obrigado!

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades do CaféPoint diretamente no seu e-mail

Obrigado! agora só falta confirmar seu e-mail.
Você receberá uma mensagem no e-mail indicado, com as instruções a serem seguidas.

Você já está logado com o e-mail informado.
Caso deseje alterar as opções de recebimento das newsletter, acesse o seu painel de controle.

CaféPoint Logo MilkPoint Ventures