Na fase agrícola das plantas, por exemplo, é a disponibilidade de água que regulará o seu desenvolvimento, fundamental para que todas as reações bioquímicas possam ocorrer adequadamente e, dependendo de sua vocação e do que será de si aproveitado, de seus frutos. O caso da hidroponia é um clássico exemplo onde plantas demonstram que podem prescindir do solo, pois com os nutrientes dissolvidos e disponíveis na água que as irrigam, seu ciclo flui perfeitamente.
Quantidade suficientemente disponível de água é garantia de que a frutificação poderá ser muito boa, lembrando que o clima tem influente papel aqui também. Assim, esta é a que podemos de chamar de "Primeira Água do Café", predominante na sua vida na lavoura.
Quando os frutos do cafeeiro chegam à sua plena maturação, a desejada "Fase Cereja", de modo geral a umidade contida nele corresponde a algo como 50% em peso. Ou seja, metade de sua constituição é água. Nada mal, se pensarmos que o corpo humano tem um pouco mais de 70% em peso.
É neste momento que se inicia a corrida para manter a qualidade do fruto através da colheita, observando-se um importante detalhe: o café é fruta que deve ser reservada seca ou com pequena umidade interna antes de seu consumo, exatamente como as sementes do cacaueiro ou outras frutas que são mantidas em estágio "passa".
O objetivo da secagem é o de se buscar a melhor condição do grão para o seu tempo de armazenamento, antes de seguir para a etapa industrial.
Foto 1: Secagem em Estufa
Pode-se dizer que a segunda etapa é em linhas gerais agroindustrial, pois para a correta secagem são empregados processos e procedimentos visando a melhor conservação dos grãos. Esta conservação pode ser entendida como a manutenção das substâncias que irão propiciar notas de aroma e sabor particulares no momento do serviço de café. Tecnicamente, concluiu-se que a umidade ideal, ou seja, a quantidade de água que é considerada ótima para o grão cru após a secagem é em torno de 10,5% a 11,0% em peso para o Cereja Descascado e de 11,0% a 11,5% para o Natural. Portanto, a "Segunda Água do Café" é a que fica interna ao grão, denominada Água Livre, após o processo de secagem e preparação para o seu período de armazenamento.
O processo de secagem deve ser muito cuidadoso, como já abordado em artigos anteriores, pois se feito de modo brusco, muitas das notas aromáticas mais delicadas podem se perder irremediavelmente. Por outro lado, devem ser respeitadas fielmente as faixas de umidade recomendadas. Abaixo delas, o grão fica ressecado e pode perder componentes de aroma e sabor; acima, cria-se maior facilidade para reações indesejáveis de oxidação, que, nada mais são do que o "envelhecimento" sob a ótica da química e, consequentemente, a perda dos componentes para a qualidade da bebida.
O armazém deve, em geral, se localizar em áreas bem ventiladas e com solos de boa drenagem, justamente para se minimizar a possibilidade de umidade indesejável no ambiente. Locais que tenham elevada umidade do ar em regime constante podem provocar o aumento de umidade dos grãos de café que ficam junto às paredes dos sacos de juta, conhecidas como "espelho dos blocos". É uma questão de físico-química: se apenas as paredes celulares fazem a barreira, que é permeável, certamente onde houver, digamos, maior concentração de água, esta acabará se transferindo para onde houver concentração menor até se chegar a um equilíbrio.
Caso haja uma combinação com altas temperaturas, o resultado será perversamente acelerado!
Esta é uma das razões porque é que os grãos de café cru que ficam armazenados por longo tempo no Brasil acabam muitas vezes branqueados e com aspecto lembrando uma borracha de apagar. É efeito da absorção da água do ambiente pelo grão. Alteram-se tanto a composição molecular quanto sua estrutura física, semelhante ao que ocorre quando se deixa, por exemplo, um pouco de arroz polido cru de molho em água com a finalidade de hidratação.
A entressafra brasileira de café coincide com o verão, que é tipicamente chuvoso e de temperaturas altas. Portanto, condições pouco favoráveis para se manter os grãos armazenados. Deve ser lembrado, ainda, que praticamente todos os destinos de consumo dos Cafés do Brasil estão no Hemisfério Norte, cujas estações do ano são exatamente opostas aos do nosso país. Logo, a umidade do ar no período de armazenagem é a nossa "Terceira Água do Café".
É interessante observar que, até aqui, todas as "águas" tem como característica comum respeitar o velho ditado de que "tudo em demasia é ruim".
A fase industrial, representada basicamente pela torra dos grãos de café, possui uma situação muito particular. A primeira etapa da torra nada mais é do que a continuidade do processo de desidratação do grão, ou seja, seu objetivo é o de se retirar toda a água livre restante. É a etapa onde se exige maior carga térmica no sistema. Em seguida, iniciam-se diversas reações, como as de Maillard, a de caramelização dos açúcares e a de pirólise. Esta última, em especial, é a responsável pela presença de água no café torrado!
Sim, o processo de torra é o que denomino de "Paradoxo da Água no Café", pois em sua etapa inicial retira-se toda a água livre dos grãos através da evaporação, para, no final, ocorrer a formação de água pela Reação de Pirólise, que de forma simplificada pode ser representada como se segue:
Em geral, são obtidos 2% em peso de água neste processo, desde que a torra não seja demasiadamente intensa. Daí porque ficou como referência para o mercado de cafés de alta qualidade que numa torra bem realizada, deve-se ter em média 2 kg de água em cada 100 kg de café torrado. No caso de uma operação industrial em larga escala, quando são empregados equipamentos que processam, por exemplo, aproximadamente 500 kg de café cru de cada vez, por questões técnicas, adotou-se a inclusão de um procedimento imediatamente anterior à descarga dos grãos do tambor de torra, que é o resfriamento por aspersão de microgotas de água. A água em sua fase líquida, como se sabe, possui elevadíssimo coeficiente térmico, e ao entrar em contato com a superfície quente dos grãos de café (entre de 220º C a 235º C) ela "rouba" o calor deles, resfriando-os e, assim, interrompe as reações térmicas correntes em seu interior, enquanto que se transforma em vapor.
Foto 2: Resfriamento
Este procedimento, que é uma sofisticada solução de engenharia, pois cada segundo de atraso no início do resfriamento de uma grande quantidade de café provoca alterações significativas no produto final quanto ao sabor e coloração, viabiliza a torra em grandes volumes. Por isso, neste caso, é aceitável um teor de umidade final da ordem de 2,5% em peso. Dessa forma, podemos dizer que a "Quarta Água do Café" é a resultante da Reação de Pirólise durante o processo de torra.
Esta umidade é determinante ao que se denomina "Vida de Prateleira" ou "Shelf-Life", em inglês, que define o prazo de validade de um produto alimentício. E novamente, aqui também outros personagens são importantes protagonistas: o oxigênio e a temperatura. Como já mencionado, pela visão da química, reações de oxidação são as que promovem o envelhecimento e sua velocidade está diretamente ligada à temperatura e à quantidade de água livre disponível. Maior umidade, mais veloz é o processo e, portanto, menor o Prazo de Validade. Combinando-se com temperaturas mais elevadas, como embalagens expostas ao sol, o resultado é fulminante.
Como se vê, a Natureza é sábia: Água Livre em excesso no café torrado faz com que o seu tempo de validade fique menor. Se moído, isso é mais dramático ainda.
Finalmente, chegou a vez da Água de Serviço do Café ou, simplesmente, nossa "Quinta Água do Café".
Cada serviço deve ser escolhido em razão das características sensoriais dos grãos de café, porém, isto também acaba sendo uma escolha pessoal. Parâmetros para um excelente serviço podem ser definidos, estabelecidos e executados, porém o conceito de "melhor bebida" sempre será uma decisão pessoal de cada consumidor.
A água para o serviço de café deve atender a algumas características essenciais:
• Evite usar água com excesso de cloro ou outro tipo de tratamento químico comum às grandes cidades. Prefira sempre água filtrada ou, caso possa, água mineral.
• Considera-se ideal a água que tenha quantidade de minerais entre 125 ppm e 200 ppm.
• Prefira água com pH levemente ácido, evitando-se águas alcalinas, isto é, aquelas que tem pH maior que 7. O café possui diversas substâncias que conferem agradável sabor à bebida, mas que são muito reativas com a presença de cálcio, modificando a percepção da qualidade da bebida.
• Jamais ferva a água! O ideal é que ela esteja a 93º C, quando bolhas grandes estão se formando no fundo do jarro em aquecimento. Quando a água fica em fervura, parte do oxigênio dissolvido se esvai, alterando a percepção do sabor.
A partir daí, simplesmente relaxe...
e imagine estar em um remanso de águas calmas para degustar um merecido café!