Pode parecer prematuro escrever este artigo, mas como devemos nos prevenir para os desdobramentos futuros, é importante fazermos uma análise realista das perspectivas, assim sendo, neste artigo vou me ater apenas aos fatos até o presente momento, e basear-me em informações e dados públicos de fontes fidedignas.
Todos sabem que São Pedro, o regente de nossas condições climáticas, em 2014 resolveu pregar uma peça nos cafeicultores brasileiros. Já no fim da primeira quinzena de dezembro de 2013, em algumas regiões cafeeiras do Brasil, como Sul de Minas, Mogiana e Cerrado, as chuvas começaram a escassear, fato que não ocorreu na Zona da Mata, pois nesta especifica região houve excesso de chuvas.
Durante janeiro, fevereiro e início de março de 2014, tivemos uma aguda anomalia climática em pleno Verão, e que nunca fora experimentada e conhecida pelos cafeicultores brasileiros, abrangendo a quase totalidade das regiões brasileiras de café arábica: Norte do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, e, divisa do Espírito Santo com Minas Gerias.
Esta aguda anomalia climática foi uma forte e prolongada estiagem e como não se formou nuvens, consequentemente houve uma intensa radiação solar, causando altíssimas temperaturas (próximas de 40°C) e baixa umidade relativa no ar.
Então a época, os pesquisadores Rena e Donizeti escreveram excelentes artigos explicando todos os nocivos efeitos sobre os frutos pendentes e também sobre os reflexos na futura safra, esta que estamos ansiosamente aguardando florir e será a principal florada tardia, pois já estamos em novembro.
Esclarecendo um pouco sobre a Fenologia dos Cafeeiros
A fenologia das plantas é influenciada pelo seu genótipo (fatores internos) e pelo ambiente (fatores externos) e entre todos os fatores ambientais que mais afetam o cafeeiro estão a temperatura, o fotoperíodo e a precipitação pluvial (PEREIRA et al., (2008). De acordo com ALBUQUERQUE & ALBUQUERQUE (1982) as condições climáticas influem na fenologia das plantas e na produção e qualidade dos frutos.
O cafeeiro arábica leva dois anos para completar seu ciclo e o sucesso de sua produção está associada ao sincronismo entre suas fases fenológicas e o clima local.
Com isto, é possível identificar as fases que exigem água facilmente disponível no solo e aquelas nas quais é conveniente ocorrer pequeno estresse hídrico, para condicionar uma florada abundante.
Para identificar esses períodos foram esquematizadas seis fases fenológicas distintas, sendo duas delas no primeiro ano fenológico e quatro no segundo.
A primeira fase, “vegetação e formação das gemas vegetativas”, ocorre normalmente de setembro a março, são meses de dias longos, com fotoperíodo acima de 13 a 14 horas de luz efetiva (CAMARGO, 1985b).
A segunda fase, “indução e maturação das gemas florais” é caracterizada por dias curtos, indo normalmente de abril a agosto. Essas gemas florais, após completo desenvolvimento, entram em dormência e ficam prontas para a antese quando seu potencial hídrico aumentar, devido à ocorrência de chuvas ou irrigação.
A terceira fase (“florada, chumbinho e expansão dos frutos”) é a primeira do segundo ano fenológico, compreende normalmente quatro meses, de setembro a dezembro.
Inicia-se com a florada cerca de 8 a 15 dias após um aumento do potencial hídrico nas gemas florais maduras (choque hídrico). Uma florada principal acontece quando se verifica um período de restrição hídrica, seguido de chuvas, irrigação ou mesmo um acentuado aumento da umidade relativa do ar (CAMARGO & FRANCO, 1985; RENA & MAESTRI, 1985). Observações feitas por CAMARGO & CAMARGO (2001) em cafeeiros adultos em diferentes condições tropicais do Brasil aptas para o café arábica, mostraram que as gemas florais completam a maturação e entram em dormência, ficando prontas para a antese plena quando o somatório de graus-dia (GD) a partir de abril atinge cerca de 1600 graus-dia e após uma chuva de pelo menos 10mm.
A figura abaixo descreve a relação da agrometeorologia da cultura e sua fenologia para as condições tropicais do Brasil.
Apresentação esquemática dos diferentes estádios fenológicos da cultura do café arábica (Fonte: CAMARGO & CAMARGO, 2001).
Entretanto, neste ano de 2014 nos meses de setembro e outubro, já com um déficit hídrico nos solos, oriundos do Verão atípico ocorrido, novamente tivemos anomalias climáticas, com a volta de estiagens, altas temperaturas, extrema radiação solar e baixa umidade relativa do ar, levando o atual déficit hídrico a valores extremamente altos em quase a totalidade do parque cafeeiro brasileiro.
A cafeicultura brasileira já havia experimentado esta anomalia no seu passado, basta recordarmos do ano de 1985. Mas atualmente a gravidade está maior dado ao histórico climático iniciado em meados de dezembro de 2013 conforme já relatado. Abaixo um quadro comparativo de chuvas acumuladas em Guaxupé – MG nos anos de 1985 , 2013 (normal) e 2014:
As chuvas acumuladas entre janeiro e outubro de 2014 em Guaxupé -MG foram de apenas 667,1 mm, portanto inferior aos 791 mm ocorridos no mesmo período do ano de 1985, e para chegar no fim do ano igual ao total do ano de 2013, será necessário chover 904 mm em novembro e dezembro.
Abaixo, apresento um quadro com as precipitações acumuladas de todas as 14 estações meteorológicas da Cooxupé, sendo 10 estações no Sul de Minas e 4 no Cerrado.
Notem que a média das precipitações em 2014 é de apenas 50% em relação a ocorrida em 2013.
O clima e cafeicultura
A cultura do café está exposta às intempéries do clima durante o ano todo e as perdas devido à ocorrência de eventos climáticos extremos são grandes. Os problemas enfrentados pela cafeicultura estão relacionados às geadas, ventos, granizo, veranicos, deficiências hídricas prolongadas, má distribuição do regime pluvial ao longo do ano, entre outros.
Ressalta-se que os elementos climáticos que influenciam no processo de produção do café são, principalmente, a temperatura do ar (exigências térmicas) e a precipitação pluvial (exigências hídricas), e em menor escala, os ventos, a umidade relativa do ar e a insolação.
A temperatura do ar constitui-se no elemento climático mais importante para a definição da aptidão climática do cafeeiro em cultivos comerciais (CAMARGO, 1986). As temperaturas médias anuais superiores a 23°C associadas à seca na época do florescimento provocam abortamento floral e formação de "estrelinhas", o que implica na quebra de produção, principalmente nos anos em que a estação seca mostra-se mais longa ou atrasada (CAMARGO, 1985a; THOMAZIELLO et al., 2000).
Em regiões com temperatura média anual acima de 25°C e de clima seco, os cafeeiros são propensos a sofrerem o abortamento das flores, o que prejudica a frutificação (MOREIRA, 2008).
De acordo com Melotto (1987), a principal fonte de carboidratos para os botões florais é a fotossíntese e não as reservas contidas nas folhas e ramos, o que, segundo Rena et al. (1996) , sugere elevado grau de dependência do estado nutricional da planta e da relação funcional entre folha e fruto. A dependência do cafeeiro desta relação funcional deve-se a característica da espécie de não regular a carga de frutos, que em grande quantidade em relação a área foliar provoca distúrbios fisiológicos como seca de ponteiros (die back).
O número de flores viáveis depende de vários fatores, entre os quais a temperatura (Mes,1957), a disponibilidade de água (Portères,1946;Huxley & Ismael, 1986) e estado nutricional. As exigências minerais das flores e depois dos frutos devem ser satisfeitas pelo solo, pelo adubo e pela mobilização de reservas dos órgãos de residência, como ramos, folhas e raízes.
Quando a deficiência hídrica coincide com o período de granação dos frutos sua produtividade é reduzida pela limitação de água (FAVARIN et al., 2001).
O mais importante é não ocorrer deficiências hídricas em fases críticas da fenologia (PEREIRA et al., 2008).
Ressalta-se que as fases nas quais o cafeeiro está mais vulnerável ao estresse hídrico são a florada e a granação dos frutos.
Segundo CAMARGO (1986) na avaliação das condições ideais de precipitação para o cafeeiro é fundamental considerar a precipitação média anual, a distribuição da precipitação durante o ano (número de meses secos), o balanço hídrico, a época e intensidade das deficiências e excedentes hídricos do solo.
CAMARGO (1977) estabeleceu os seguintes limites para o cultivo do café arábico com base no déficit hídrico anual : apto (inferior a 150mm); marginal (entre 150 e 200 mm) e inapto (superior a 200mm).
Em 31 de outubro, após a 40° Congresso de Pesquisas Cafeeiras, o pesquisador da Fundação Procafé, Eng. Sr. Alysson Fagundes, deu uma entrevista, em que declarou que para a próxima safra de cafés arábica as perdas serão superiores a 30% do potencial produtivo.
Creio que o pesquisador foi extremamente cauteloso em sua declaração, pois tudo leva a crer que poderemos ter uma das menores safras de cafés arábica brasileiros, conforme exposto, o índice pluviométrico acumulado em 2014 em Guaxupé - MG, já é inferior ao ano de 1985. Gostaria de ter os dados das outras localidades em 1985, porém não os tenho.
Para sabermos qual foram os efeitos da seca do ano de 1985, segue abaixo uma notícia de 19 de Junho de 1986, onde o Departamento de Agricultura Americano – USDA, apontou que as perdas de produção de café no Brasil no ano de 1986 seriam de 50% ( metade = half ) , reflexo da seca no ano de 1985,
Dados a todo o exposto, apresento abaixo outros agravantes para a cafeicultura:
I) A safra de 2015/2016 de cafés arábica já seria de um ciclo menor.
II) Dado aos baixos preços dos cafés arábica nos anos de 2012 e 2013, houve desinvestimentos no parque cafeeiro brasileiro.
III) Até a presente data, nestes 10 meses de 2014, os tratamentos nutricionais e fitossanitários foram aquém do ideal, pois as condições climatológicas não permitiram, mesmo sendo feito os tratos culturais ideais, os cafeeiros não absorveram plenamente estes tratos.
IV) Menores crescimentos vegetativos dos cafeeiros com menores quantidades de internódios.
V) Devido a proibição do Endolsulfan, muitas lavouras com pouca produção para o ano 2015, não receberam tratamentos contra a broca, pois os produtos que serão lançados no mercado terão preços proibitivos.
VI) A quantidade de reformas nas lavouras através de podas (esqueletamentos, decotes, recepas e arranquio de cafeeiros) será muito maior que o usual.
VII) A colheita vai se atrasar dada a principal floração ser em novembro, e se não se atrasar, o crescimento e granação dos frutos serão prejudicados.
VIII) Grandes períodos de elevados déficits hídricos no solo, e, em muitas regiões ultrapassando os limites toleráveis, isto é, acima de 200 mm.
IX) Morte de radicelas, por desidratação e por ação mecânica em função de rachadura dos solos.
X) Períodos longos de altas temperaturas com bloqueio de fotossíntese e assimilados.
XI) Escaldadura de botões florais e flores.
XII) Escaldadura de folhas, causando uma desfolha excessiva, aumentando o abortamento de frutos no futuro.
Abaixo apresento dois quadros, que elucidam para aqueles que não têm a vivência com cafeeiros:
1) Figura de um ramo plagiotrópico , que em 2014 teve seu crescimento médio reduzido em mais de 20% , com menos internódios e consequentemente terá menor produção.
2) Tabela demonstrando o ciclo de desenvolvimento do fruto do café .
Conclusão
Para fazer uma projeção de qual seria o potencial de produção de cafés arábica nos anos de ciclo menor fui buscar informações externas, abaixo os dados da respeitada NKG Statistical Unit, publicados recentemente.
Conforme a tabela acima, NKG Statistical Unit indica que no último ano de safra brasileira de arábica de ciclo menor, 2013/2014, colheu-se 38 milhões de sacas, otimizando a projeção para a safra 2015/2016 desde que não ocorressem as anomalias climáticas, teríamos no máximo um potencial produtivo de 38 milhões de sacas, vejam que não estou considerando os desinvestimentos no parque cafeeiro brasileiro citado anteriormente.
Se as consequências na produção de café no ano de 1986 se repetirem no ano de 2015, então poderemos ter uma perda de metade do potencial, restando uma produção de apenas 19 milhões de sacas de arábica.
Sei que é surreal esta perspectiva de quebra de produção de 50%, mas numa visão cartesiana é plausível.
Dados a todo o exposto, é imperativo que as lideranças da cafeicultura brasileira (CNC, CNA, Federações Estaduais e Cooperativas) se pronunciem e se organizem com urgência, pois será necessário um programa emergencial governamental para ajudar os milhares de cafeicultores que empregam milhões de trabalhadores a equalizarem seus prejuízos, e que por duas safras consecutivas terão o infortúnio de perda de produção devido a anomalias climáticas, ressaltando que o setor produtivo brasileiro de cafés arábica já teve perdas expressivas durante os anos de 2012 e 2013 dado aos preços abaixo dos custos de produção praticados nestes anos.