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A fábula dos porcos assados (A questão da falta de bom-senso)

ESPAÇO ABERTO

EM 06/03/2008

6 MIN DE LEITURA

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Artigo enviado pelo leitor do CaféPoint José Eduardo Reis Leão Teixeira, engenheiro e consultor da Estrada Consultoria

"Há alguns anos recebi de um amigo um artigo, o qual recomendo como sendo o retrato de grande parte do sistema de apoio à cafeicultura. O texto é de ´autor desconhecido´, mas autorizando eu sua publicação", José Eduardo Reis Leão Teixeira.

Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque...

Mas o que quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o "sistema" para implantar um novo. Fazia tempo que as coisas não iam lá muito bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. O processo preocupava muito a todos, porque se o "sistema" falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes - milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também milhões os que se ocupavam com a tarefa de assá-los. Portanto, o "sistema" simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, quanto mais crescia a escala do processo, tanto mais apareciam falhas e tanto maiores eram as perdas causadas.

Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente o "sistema". Congressos, seminários, conferências passaram a ser realizados anualmente para buscar uma solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte repetiam-se os congressos, seminários, conferências. As causas do fracasso do "sistema", segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas...

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar - na verdade, o "sistema" para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: maquinário diversificado; indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo - incendiadores que eram também especializados (incendiadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc., incendiadores noturnos e diurnos, com especialização, matutinos e vespertinos, incendiador de verão, de inverno, etc.). Havia especialista também em ventos - os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em "Porcologia", um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o Bureau Orientador de Reforma "Igneooperativas". Havia sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação - utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos não soprariam mais que três horas seguidas.

Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente, etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno. Foram formados professores especializados na construção dessas instalações. Pesquisadores trabalhavam para as universidades para os professores especializados na construção das instalações para porcos; fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações para porcos, etc.

As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus, posicionar ventiladores-gigantes em direção oposta à do vento, de forma a direcionar o fogo, etc. Não é preciso dizer que os poucos especialistas estavam de acordo entre si, e que cada um embasava suas idéias em dados e pesquisas específicos. Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques especializado em sudoeste diurno, matutino, com bacharelado em verão chuvoso), chamado "João Bom-Senso", resolveu dizer que o problema era muito fácil de ser resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas - assasse a carne.

Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o Diretor Geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete, e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe:

- Tudo o que o senhor disse está muito bem, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas especialidades?

- Não sei - disse João.

- E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras automáticas de ar?

- Não sei.

- E os anemotécnicos que levaram anos especializando-se no exterior, e cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou mandá-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Heim?

- Não sei - repetiu João encabulado.

- O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê, que, se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo atrás? O senhor com certeza compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas! O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros e quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? Vamos, diga-me.

- Não sei, não senhor.

- Diga-me, nossos três engenheiros em Porcopirotecnia, o senhor não considera que sejam personalidades científicas do mais extraordinário valor?

- Sim, parece que sim.

- Pois então. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em Porcopirotecnia indica que nosso sistema é muito bom. O que eu faria com indivíduos tão importantes para o país?

- Não sei.

- Viu? O senhor tem que trazer soluções para certos problemas específicos - por exemplo, como melhorar as anemotécnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (nossa maior carência), como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o "sistema", e não transformá-lo radicalmente, o senhor, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!

- Realmente, eu estou perplexo! - respondeu João.

- Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia - isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor entende. Eu falo isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo?

João Bom-Senso, coitado, não falou mais um "A". Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões de Reforma e Melhoramentos, quem sempre falta é o Bom-Senso.

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CELSO VIEIRA JUNIOR

MINAS GERAIS

EM 15/03/2008

Prezado Jaerdil,

O prefeito de minha cidade, Heliodora, (6 mil habitantes), no sul de MG, comprou 2.000 mil canetas esferográficas vermelhas para uso de 10 funcionários (isto em um mês).

RAFAEL ALTOE FALQUETO

VENDA NOVA DO IMIGRANTE - ESPÍRITO SANTO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 09/03/2008

Brilhante texto!

Sugiro que todos nós que nos sentirmos "João Bom-Senso" continuemos com a mesma convicção, boas idéias e boas atitudes, mas devagar, aos poucos para irmos convencendo os participantes do sistema ao redor. Existe uma máxima que reza o seguinte: "Contra bons resultados não existem argumentos contrários".
JOSE EDUARDO FERREIRA DA SILVA

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS

EM 07/03/2008

Um trecho do artigo do Cláudio Haddad "O Abacaxi Pérola da Roça", no Valor Econômico de 09/08/2007:

...Segundo a revista "The Economist", em visita à China na época de Mao Tse-tung, um economista ficou impressionado com a visão de centenas de operários utilizando pás na construção de uma represa. Indagado por que eles não usavam escavadoras mecânicas, o mestre de obras respondeu que, dessa forma, muitos deles ficariam desempregados, ao que retrucou o economista: "Pensei que vocês estivessem construindo uma represa. Se estiverem querendo criar emprego, por que não lhes dar colheres?"

O episódio ilustra uma fase da China na qual a eficiência econômica foi ignorada em prol do voluntarismo e da ideologia. O preço pago, em termos de destruição de valor, vidas humanas e atraso econômico, foi elevado. Gerou, no entanto, a motivação e o apoio político para as grandes reformas que transformaram a economia do país. No Brasil, infelizmente, eficiência ainda é sacrificada pela ideologia, pela má compreensão do funcionamento do sistema econômico e por uma falsa "preferência pelo excluído", cuja contrapartida é a alta tolerância com o ilícito.

E Conclui:

...Caridade e inclusão não são antagônicas à eficiência econômica, mas sim complementares. Eficiência traz progresso e com ele recursos para programas sociais. O problema é querer misturá-las na mesma política e como resultado não ter nenhuma. Construir represas com pás, ou colheres, não é uma boa idéia.

Quem quiser pensar mais sobre isso recomendo o livro "Carregando o Elefante". Quem tiver curiosidade e paciência e não tiver disposto a comprá-lo pode baixar na íntegra no site: https://www.carregandooelefante.com.br/carregandooelefante/
ESEVANDRO

SERRA - ESPÍRITO SANTO - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 06/03/2008

Texto fantástico, nunca vi um que retrata tão fielmente a tentativa de mudança Estou tentando plantar café super-adensado na minha região e o que mais ouço é: que as soluções não são tão simples que se fosse já teria sido implementado etc. Me sinto às vezes como o João.
JAERDIL OLIVEIRA DUTRA

MANTENA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 06/03/2008

Muito boa a analogia com o que acontece em nosso país. Define claramente o espírito coorporativista instituído nas classes dominantes.

Vivi experiência semelhante quando era gerente de um banco estatal em uma cidade capixaba: ao propor parceria ao chefe do executivo local para financiar um projeto de informatização de todo o sistema então existente na prefeitura local, recebi a seguinte resposta: "e o que eu vou fazer com os funcionários que ficarem disponíveis, e que são meus eleitores?"

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